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Entrevista | segunda-feira, 10 de novembro de 2003, 23h09

Carneiro Neto: é disso que o povo gosta

Por: Furacao.com

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Carneiro Neto: testemunha da história atleticana

O torcedor paranaense vai poder matar as saudades de Carneiro Neto narrando jogos no dia 19 de novembro. Ele foi escalado pela CBN para acompanhar a partida entre Brasil x Uruguai, no jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Atualmente exercendo a função de comentarista, Carneiro Neto foi o criador da expressão atleticanismo, posteriormente utilizada pelo clube numa campanha de marketing. Você vai ficar sabendo que o jornalista foi o braço direito de Mário Celso Petraglia logo no começo da sua gestão, ajudou a contratar craques como Ricardo Pinto e Oséas e foi sempre um conselheiro para o presidente. Fique ligado nas histórias do livro Efabulativos do Futebol e descubra que o entrevistado já tem um livro pronto do Atlético saindo do forno.

Você transmitiu aquele Atlético 4x4 Colorado, quando o Ziquita fez a festa nos últimos cinco minutos. Qual outro fato marcante daquele jogo?
Eu transmiti o jogo pela Rádio Clube Paranaense, em 1978. Foi um jogo em que virou o campeonato para o Atlético, que tinha um bom time mas não havia deslanchado, tanto que estava perdendo de 4x0 e empatou com os quatro gols do Ziquita, que só não marcou o quinto porque a bola bateu na trave. Esse jogo valeu pelo turno do quadrangular e no returno o Atlético venceu por 1-0 na Vila Capanema com um gol do Rotta. Acontece que o Atlético ficou num grupo mais difícil que o Coritiba. Enquanto o Atlético pegou o Pinheiros, o Colorado e o Maringá, o Coritiba forçou para ficar entre os mais fracos, já que o time não era lá essas coisas. O diferencial dos coxas era o treinador: Francisco Neto, o Chiquinho. A final do paranaense foi justamente um Atletiba, em que os coxas ganharam nos pênaltis. Aquele jogo foi um jogo atípico, completamente louco. O Colorado tinha um grupo bem montado e o Atlético, apesar de tudo, também tinha bons jogadores: Tobias, Carlos Roberto, Paulinho Carioca, Lula, Ziquita, Dionísio... Mas eu lembro de uma cena bem interessante. Com os 4x0 para o Colorado, a torcida do Atlético estava vazia. Depois que o Ziquita fez dois, começaram a voltar. No terceiro, mais um tanto e no quarto gol foi uma festa: tinha mais gente do que antes. É que naquele tempo os portões se abriam no intervalo, então uma multidão entrou na arquibancada. Se o Atlético fizesse o quinto gol acho que arrancariam a trave, davam a volta olímpica ajoelhada... aquela loucurada própria de decisão de campeonato. A Rádio Clube ainda deve ter a narração desses gols.

Então você já narrava nesta época. Como tudo começou?
Sim, narrava. Eu fui repórter de 65 a 69. Depois me transformei narrador em 70, no ano em que o Atlético ganhou um título após doze anos. Esse jogo eu não narrei. Quem comandou foi o Airton Cordeiro, que era chefe da equipe. Eu fiz meta! Naquele tempo o segundo locutor e o terceiro faziam meta e os repórteres faziam só entrevista, próximos à mesa da federação. A gente ficava atrás do gol. A minha escala de trabalho era narrar o jogo de sábado à tarde, abrir a transmissão no domingo e fazer meta, além de viajar para narrar no interior. Eu narrei de 70 a 99. Nesse ano o Hidalgo encerrou minha carreira (risos) e eu virei comentarista. O Atlético ia disputar a Libertadores em 2000 e eu havia saído da CBN e da Banda B. Daí eu tentei um esquema na Rádio Independência com o Fernando César. Era uma equipe muito boa: eu o Fernando César, o Valmir Gomes, o Wilson Maciel, o Ramón Salgado... mas em Curitiba a Independência não tinha som. Nem no estádio o povo conseguia escutar. A minha última narração foi aquela derrota para o Cruzeiro que mesmo assim o Atlético se classificou para a Libertadores. Em 2000 eu queria fazer narração, mas não houve convite. Aí o Hidalgo me telefonou e me propôs um esquema na Cidade. Eu seria comentarista do Luiz Augusto Xavier nos jogos do Atlético. Nos jogos do Coritiba o Edmar Anuzeck narrava e o próprio Hidalgo comentava e nas partidas do Paraná Clube eram o Jair Júnior e o Airton Cordeiro. Aceitei o desafio, mas logo em seguida o Xavier saiu da rádio e não deu mais certo.

Mas você sente saudades de narrar?
Não. Eu 99 eu já estava consciente de que era a hora de parar. Eu não conseguia conciliar as viagens para transmissão com outras atividades. Achei melhor parar até porque estava vindo uma nova geração e o rádio sofria pela falta de patrocínio: muitas empresas de Curitiba haviam fechado, outras incorporadas... a verdade é que o rádio vive uma fase muito difícil.

E essa nova geração que você falou?
Eu acho ótima, apesar de todas as dificuldades financeiras que as emissoras estão sentindo. O que está salvando o rádio é o pay-per-view, a televisão. O pessoal manda só o repórter, pega o som do estádio e faz um quebra-galho. Mas ainda sim é muito complicado porque a televisão, com exceção das redes maiores, cobram mais barato que o rádio. Então o sujeito vai vender uma cota de patrocínio pro rádio por R$4 mil e daí aparece a televisão oferecendo R$2 mil. É claro que o anunciante prefere a imagem. É uma concorrência muito difícil e eu estou muito preocupado com isso, não só aqui em Curitiba, mas em todo o Brasil.

Você acha que dá para comparar as funções de repórter, narrador, comentarista?
Eu posso falar porque eu fui tudo, né? Comecei no plantão, depois repórter, narrador e agora comentarista. Todas as funções são importantíssimas e requerem qualificações profissionais. O plantão deve ser um sujeito metódico, organizado e paciente. O repórter tem que ser um sujeito disposto a ir atrás da notícia. Há uma falha hoje na reportagem de uma forma geral. O clube se transformou numa repartição pública. Os repórteres vão nos centros de treinamentos, tomam café, conversam e um passa informação para o outro. Eu sempre falo que a notícia não está no clube! Está no escritório do presidente, está no escritório do diretor de futebol, está no aeroporto... virou tudo chapa branca! Uma notícia que sai num jornal sai em outro. Por isso que acabou o furo.

A sua rádio, a CBN, foge um pouco disso porque há um rodízio entre os repórteres. Se o profissional está lá sempre acaba criando um vínculo com o clube.
A CBN tem um critério muito bom. Qando era repórter, modéstia a parte, nós não tínhamos viatura, eu não tinha carro, andava de ônibus. E mesmo assim fazíamos a cobertura de oito clubes. Quando cheguei a Curitiba em 65, eu e o Danilo Dávila éramos repórteres da Rádio Guairacá. Além desses oito clubes, cobríamos a FPF e as reuniões do TJD. Então eram 10 endereços para serem cobertos. Só que, evidente, dávamos mais atenção para Atlético, Ferroviário, Coritiba e a FPF, que era uma fonte de informação. Os times menores Bloco, Palestra, Britânia, Primavera e Água Verde, íamos uma vez por semana. Eu então pegava a viatura da Tribuna e ia com o fotógrafo na terça-feira (naquela época eles só treinavam terça e quinta. Era terça o primeiro treino e quinta o apronto final) fazer tudo. Eu fazia Coritiba e Ferroviário e o Danilo o Atlético. Eu acompanhava os pequenos e ele a FPF e as fofocas da Boca Maldita, que era uma fonte de informação. Antigamente no fim de tarde, as pessoas se encontravam era na XV. Passavam as moças, saídas de colégios, os bares, os cafés... tudo lotado. Então a turma do futebol saía dos clubes e iam bater papo. O Coritiba tinha uma sede administrativa na Rua XV. O Atlético tinha uma sede de jogo de baralho na Marechal Deodoro. O Britânia e o Palestra tinham sede na rua XV. Era mais fácil... só que a gente ia atrás e dava furo. Tinha um repórter chamado J. Pedro que dava show em todo mundo. Eu também sabia de bastante coisa. O Coritiba passava por uma época bastante difícil onde caíam presidentes de 4 em 4 meses, até acertarem com o Evangelino. A gente saía para jantar com diretor de futebol, com treinador. Eu vivia os clubes.

Hoje o pessoal tem dificuldades de manter um bom relacionamento sem perder a imparcialidade. Qual é o segredo disso?
É questão de personalidade. Eu fui muito independente e tive uma boa educação dentro de casa. Sempre fui estudante e tinha a minha vida própria. Todo mundo me perguntava para qual time eu torcia e eu afirmava que era para o Guarani de Ponta Grossa, já que eu vim de lá e até atuei nas categorias de base do clube. Foi mais fácil me infiltrar nos clubes e sempre me dei bem com todo mundo. Até que muitos anos depois alguém publicou na Tribuna que eu era atleticano. Mas eu era Atlético por causa da família que já era do América... meu pai contava muitas histórias do América e do International, times de botão dele na época. É uma coisa engraçada. Então o repórter tem que ter esse espírito de aventura que nós tínhamos. Já o narrador é talento, não existe curso de narração. Muitos repórteres e comentaristas tentaram narrar e não conseguiram. E comentarista o que é? É aquela função que todo mundo diz que quer ser porque conhece futebol! Não é bem assim. Poucos conhecem de futebol para passar pro povo. Outra coisa: o cara não deu como repórter nem como narrador e vai ser comentarista! Isso existiu muito no rádio. A gente pode falar de 100 narradores e 200 repórteres e citar pouquíssimos comentaristas que marcaram realmente. Alguns como João Saldanha, Rui Porto, Mauro Pinheiro, Mário Moraes... Eu acho hoje, não por ser comentarista, que é a função com mais peso na equipe do rádio, porque o futebol virou uma coisa muito mercantilista, muito comercial. Os dirigentes assediam muito os repórteres. O comentarista tem que ser imparcial sempre, ter equilíbrio. Não existe esse negócio de ser comentarista do Atlético, do Coritiba, do Paraná. Tem que ser comentarista da emissora e isso o pessoal confunde. Às vezes o cara torce para um time e não significa que ele seja um desvairado. Ele pode até ser na arquibancada, mas na hora que ele pega um microfone ou vai para o computador, tem que se despir do fanatismo. Eu sempre me orgulho disso por estar na Gazeta do Povo há 20 anos e maior parte do tempo como o único colunista do principal jornal da cidade, do Estado. E o que representa isso? Credibilidade. É o único patrimônio que eu realmente tenho. E isso me deixa muito feliz. Fiquei feliz também no lançamento do meu livro onde todos foram bem recebidos. Mais de 600 pessoas, incluindo gente do Coritiba, do Atlético e do Paraná.

Você já lançou livros do Atletiba, do Paraná Clube, do Evangelino... e do Atlético? Há algo previsto?
Eu tenho um livro pronto que está doado ao Atlético. Era um livro para ser lançado logo após a inauguração da Arena e acabou não saindo por uma série de circunstâncias e que eu posso publicar independente do clube. O título original é Uma Religião Chamada Atlético. Eu peguei o lado emocional, a torcida do Atlético. Fui em que criei aquele termo Atleticanismo, usado em seguida pelo time. Mas o livro é algo sobre a prática de ser atleticano diária. Partindo de uma idéia de que a Arena da Baixada é a grande catedral e dali ela irradia aquela religião, aquela emoção. Eu analisei as cores vermelha e preta, a mística do estádio de todas as épocas.

Mas esse livro não tem previsão de lançamento?
Esse livro precisa ser atualizado por que depois disso o Atlético foi Campeão Brasileiro, disputou mais uma Libertadores, foi tri-campeão paranaense... Talvez eu lance no ano que vem, nos 80 anos do clube.

Qual o melhor time que você já viu do Atlético?
Isso é uma coisa complicada. Certa vez eu dei uma entrevista para a Placar falando sobre isso. Se eu escalar Caju, Jackson e Cireno não vou estar falando a verdade porque eu não os vi jogar. Eu sugeri para o próprio Atlético que quando houver uma eleição desse tipo que se separem os primeiros 40 anos dos mais recentes 40. Até porque houve uma mudança muito grande no esquema de jogo. Antigamente, até 54, 55, se jogava no WM. Depois veio o 4-2-4 e o 4-2-3. Hoje se escala ninguém sabe como: com 10 no meio-campo (e o Alan Bahia). Mas o Atlético teve bons times, nenhum excepcional. Eu acompanho desde 58 e logo nesse ano o clube teve um bom plantel. Depois disso em 68, quando perdeu o título para o Coritiba e disputou o Roberto Gomes Pedrosa. Aquele ataque era muito forte: Dorval, Madureira, Zé Roberto e Nilson. O Sicupira e o Gildo eram reservas. Em 1972, uma nova derrota para o Coritiba. Na final o Atlético chutou 6 bolas na trave, o Jairo fechou o gol... depois houve uma festa para comemorar o vice-campeonato em Santa Felicidade e nos discursos o Atlético fez um gol, dois, empatou, virou e ganhou! Daí saiu todo mundo bêbado, fizeram uma festa, os coxas estavam dormindo, e houve o maior foguetório por Curitiba. Um monte de louco! Eu estava no meio... (risos)

Essa história deve estar no seu livro, não?
Sim. É um bom exemplo. A torcida do Atlético é muito peculiar. Na época a gente via de tudo. Tinha jogo em que o cara ia para o campo com uma perna vermelha, a outra preta e uma cartola na cabeça. Isso que o time era um dos últimos do campeonato... mesmo assim havia empolgação. Tinha um médico chamado Esperidião Ferez (médico do Atlético e depois presidente da FPF) que usava um guarda-chuva até em dia de sol. Ele ficava correndo em volta do campo com aquele guarda-chuva, enlouquecido. Quando ele estava na FPF diziam que aquele guarda-chuva era de anular gol. Ele levantava o negócio e o bandeirinha dava um jeito de marcar impedimento e ajudar o Atlético.

Para Carneiro, time de 82 foi o melhor da história

Você falou sobre os times do Atlético até a década de 70. Depois disso não houve mais bons grupos?
O time de 82 foi o melhor que eu vi. Aquele ataque com Capitão, Lino, Washington, Nivaldo e Assis. Foi o top. Podia ter sido campeão brasileiro. Se tivesse feito o terceiro gol contra o Flamengo aqui em Curitiba, ia para a final com o Santos e teria ganho.

Então o que faltou naquele jogo?
Faltou o Capitão, que entrou na cara do Raul, tocar para o Washington. Ele entraria com bola e tudo, só que ao invés disso chutou em cima do goleiro. Faltou sorte!

Muito se comenta sobre a possibilidade do Atlético ter entregue aquele jogo.
Vocês nunca acreditem nisso. Ninguém entrega nada. Nem aquele Atletiba de 95 em que o Coritiba voltou para a primeira divisão. Aquilo foi uma besteira que o Pepe cometeu porque ele não conhecia o Pachequinho. Quando o Atlético ganhou em Mogi-Mirim, na segunda-feira houve uma passeata, churrasco e muita festa. Na terça houve apenas um treino desintoxicante e ninguém queria saber do jogo. O time tinha um lateral-direito chamado Neto que estava machucado. O técnico jogou o Alex para o lado e adiantou o Ricardo como volante. Aí houve um desmonte na zaga na tentativa de marcar o Pachequinho. Claro que o Coritiba também fez o jogo da vida e ganhou. Não houve nada demais...

E em 1996, houve algum erro de planejamento? O time do Atlético também era muito bom.
Ali houve erro de planejamento, sim. É um assunto bastante complexo de se analisar porque o jogo que decidiu foi lá em Belo Horizonte e o time jogou muito bem. Mas faltou, naquele momento, um diretor de futebol com personalidade para dar uma chegada do Evaristo. O técnico estava muito dono da situação. Essa é uma discussão acadêmica que eu tenho com o Mário Celso Petraglia desde que ele entrou no futebol.

Então esse erro acontece também na fase atual do Atlético?
Sem dúvida. Todo time que não tem diretor de futebol está nas mãos dos profissionais. Eu não gosto disso, mas o Petraglia acha que é o certo e que os profissionais resolvem. Só que o futebol não é uma empresa, uma coisa matemática e sim uma coisa humana. Você vai ao campo de futebol e ama o seu clube e odeia o seu adversário. Você fica triste, alegre... sendo assim você precisa ter uma pitada de amadorismo no meio, aquela coisa tradicional do clube. Se deixarmos na mão só de profissionais fica um ambiente frio, porque amanhã ou depois eles sacodem a roupa e vão embora. Você tem que ter alguma coisa de Atlético no meio.

É verdade que você colaborou indiretamente na montagem do time de 1995?
Quando o Mário Celso Petraglia assumiu o Atlético, eu ajudei um pouco junto com o Farinhaque. Por minha indicação o clube contratou o Antonio Clemente e o Pepe. Daí em diante já havia uma composição diretiva: o Petraglia estava mais experiente, o Ademir Adur, o Ênio... e funcionou.

De 99 pra cá os times também foram bem armados. Você não acha?
O time da primeira Libertadores, em 2000, acho que foi melhor. O Kelly é um excelente jogador. Em 99 o time era mais compacto. Já em 2001 o título brasileiro veio por uma série de fatores positivos. O Atlético deu uma embalada no campeonato e nas finais foi beneficiado primeiro pela capacidade inegável de todos. O Alex Mineiro fez oito gols em quatro jogos – coisa de Pelé! – e o regulamento também ajudou, porque não havia jogos de volta: não teve que jogar no Morumbi com 110 mil pessoas torcendo para o São Paulo e nem no Maracanã pressionado pela torcida do Fluminense. Daí falam que foi campeão porque jogou contra o São Caetano. Poderia vir qualquer time que que o Atlético seria campeão! Era o ano dele.

Como começou a história do Petraglia no Atlético?
O Atlético havia perdido de 5 a 1 para o Coritiba e o Petraglia me ligou na segunda-feira, às 13h. Ele se mostrou muito triste porque os filhos saíram do Couto chorando, um trauma. E ele me disse que não queria mais ver o Atlético daquele jeito e me pediu para eu estudar um nome para dirigir o clube. Ele afirmou que apoiaria esse nome e ajudaria em tudo o que fosse possível. Eu pensei em duas ou três pessoas e ele não aprovou. Conversamos mais no telefone e disse que o presidente ideal para o Atlético seria um homem alto, de óculos, de cabelo levemente grisalho. “Tá me gozando, Carneiro?”, ele disse. Falei que não, que ele era a bola da vez. No começo fez um discurso comentando que estava envolvido com as empresas e que não teria tempo. Eu disse que o Aníbal Khury era um homem que havia sido cassado por corrupção, fez um estágio de presidente do Atlético, e voltou com um dos caras mais honestos do mundo. O Atlético serviu para o Aníbal como uma carta de alforria. E esse papo fez o Mário Celso pensar. Na mesma semana eu viajei para a Europa cobrir a Copa Umbro com a Seleção Brasileira. Na Inglaterra eu encontrei o Hidaldo e o Isaías Bessa para tomar um chá das 17h. O Hidalgo disse que eu não tomaria um chá e sim um uísque 12 anos. Eu perguntei o porquê. O Capitão falou que o Atlético já tinha um presidente e que seria o Petraglia. Fiquei muito feliz e afirmei que os problemas do Atlético estariam resolvidos.

Foi aí que você começou a dar uma mãozinha?
Na época o Atlético tinha 320 jogadores (risos) e o Petraglia não sabia nada de futebol. Ele cuidou da parte financeira e administrativa e eu colaborei no futebol. Só que antes disso ele queria fazer contatos com o Coritiba e com o Paraná, pensando numa possível fusão. Eu achei válido pois teríamos um time para disputar o título brasileiro todo ano. Um dia o Mário chegou pra mim e falou que ninguém quis saber e o projeto só seria feito, mesmo, com o Atlético. “Eles que saiam da frente porque eu vou passar por cima”, ele me disse. Foi aí que nós começamos a montar o time. O Farinhaque trouxe umas fitas do Flávio, eu indiquei o Ricardo Pinto, contrataram o Oséas, conseguimos o João Antonio e tentamos o Saulo.

Então o Farinhaque ajudou no começo?
Ajudou e bastante, só que depois ele saiu. Quando veio o Antonio Clemente a coisa melhorou. Eu me lembro da peneirada que havia no Flamenguinho – o Atlético treinava no tal de Flamenguinho! Tinha cada figura. Um cara era completamente careca... ele não podia jogar no Atlético porque senão a torcida iria rir da cara dele. Trouxeram outro que não sabia andar. Eu fui caminhar no Barigüi e um amigo apontou para o jogador. Se ele não conseguia andar como é que ia jogar bola?

E o CT do Caju? Já havia esse planejamento em 95?
Já. O Mário já tinha tudo esquematizado na cabeça. Eu me lembro que eu saía aos sábados de manhã acompanhado dele para ver terrenos. O Atlético treinava na Vidraçaria Cometa e o local estava à venda. Eu achei ótimo e me empolguei. O Petraglia achou pequeno. E daí surgiu o Leão, que indicou a compra da Estância Papa João XXIII que se transformou no CT do Caju.

Você já teve desavenças com o Petraglia, tanto que chegaram a bater-boca após uma transmissão. Por que isso?
Aquilo foi tudo fofoca, briguinha política dentro do clube porque achavam que eu era muito próximo do Mário. Foi na época em que o Mirandinha fez aquele gol de calcanhar, eu critiquei o time, o Petraglia estava brabo e me desacatou. O que eu fiz? Contei até mil porque não iria ganhar absolutamente nada com aquilo e o Atlético poderia perder. Vai que ele se desgosta e vai embora? Eu sempre acreditei no que ele fez. Preferi pagar um baita de um mico e engoli seco. Sete meses depois ele me convidou para trabalhar na rádio dele. Eu fui, sou profissional.

O Petraglia foi o maior presidente do Atlético até hoje?
Eu costumo a dividir a história em etapas. No início os Guimarães, da família do Joaquim Américo. Depois o Cândido Mäder, que foi quem construiu aquela arquibancada de alvenaria, a primeira do Paraná, em 1939. Em seguida teve o Capitão Maneco Aranha, que chegou a brigar fisicamente com o Couto Pereira depois de um Atletiba. O Aranha usava muito a força do irmão, Osvaldo Aranha, que foi Ministro da Fazenda do Getúlio Vargas. E depois teve o Jofre Cabral, presidente do Atlético por apenas 6 meses e fez do rubro-negro notícia nacional. Ele resgatou a auto estima do atleticano que não era campeão há muito tempo e o Coritiba mandando no Estado. Ele mostrou um caminho para o Atlético. Foi uma pena a morte dele já que poderia ser feita até uma fusão com o Santa Mônica, clube que ele era o dono. Depois de tudo isso, passando pelo Moura e pelo Zimermann, a gente chega no Petraglia que foi o maior presidente do Atlético, sim. Ele transformou o clube numa marca muito forte. Hoje o time é referência para o Brasil.

E como você analisa essa gestão do Mário Celso Petraglia, que vem gerando muita polêmica?
Aí é uma experiência dele de querer ficar sozinho. Ele partiu para a profissionalização. Na minha opinião tem que ter profissionais competentes e tem que ter dirigentes-torcedores. Não se pode jogar toda história do Atlético somente para profissionais. Tem que ter um diretor de futebol que participe de churrascos, vá no aniversário da filha do jogador, leve presentes para a família do craque. Isso vale mais do que dobrar o bicho. O jogador gosta de ver o diretor. Ele tem que chegar com carrão, de terno e ser amigo do grupo. O Domingos Moro é ídolo no Coritiba porque faz exatamente isso. É uma coisa que falta no Atlético, isso é indiscutível.

Hoje você participa ainda do ambiente do Atlético?
Não. Pra vocês terem uma idéia eu fui uma vez no CT, só na inauguração. Eu não posso misturar as coisas, ter informações privilegiadas do clube e depois fazer crítica na rádio. Se fizer isso acabo perdendo a credibilidade com as torcidas dos outros clubes que sempre me respeitaram.

E o afastamento das pessoas que apoiavam o Petraglia? Por que sumiram?
Sinceramente eu não sei. Deve ter havido algum atrito entre eles. O Atlético fez muita coisa num espaço de tempo muito curto. Pode ter sido um desgaste natural. O que mais atrapalhou o Petraglia nestes últimos dois anos foi acabar com a comissão técnica campeã – essa transformação não foi bem operada. Se ele acerta o técnico já de cara era meio caminho andado. Ele tentou o Bonamigo, mas como demorou para tomar a decisão perdeu para o Coritiba. Se ele acertasse com o Bonamigo estava livre do tal de Heriberto da Cunha e do Vadão. Antes disso veio o Espinosa que fez uma boa campanha, ficou sozinho com o filho no CT, não agüentou o rojão e foi embora. O Petraglia estava sem tempo e só ia no clube nos fins de semana. Aí tentava resolver tudo na sexta-feira. Não é bem assim! Futebol tem que ser vivido 24 horas, é igual rádio. Outra coisa que atrapalhou foram as negociações do Kleberson e do Adriano. Foi uma confusão!

Vendo tudo isso, você não tem vontade de ser diretor de futebol?
Não tem o porquê de eu ser cartola. Agora, é evidente que lá pra frente, quando eu estiver desligado da imprensa, morando em Matinhos, talvez eu encare como um grande final! Só que daí o time perde duas seguidas e uuuuu (vaias e risos).

O Petraglia já teve várias crises com a imprensa. Atualmente é com o Mafuz. O que você acha disso?
Bom, eu não acho nada. Só acho que quem mais perde com isso é o próprio Atlético. Isso já deveria de ter sido resolvido há dois anos num belo jantar: os dois iam beber um bom vinho, cantar o hino, chorar, voltar para casa como amigos. Falta diálogo dos dois! A vida é muito rápida e precisa ser curtida numa boa, numa ótima. Por que eu vou brigar com uma pessoa que mora na mesma cidade, torce para o mesmo time que eu? Não consigo compreender.

Qual o seu efabulativo preferido envolvendo personagens do Atlético?
O meu personagem preferido dentro do Atlético é o Ivan Pereira, um homem, de quase 80 anos e que foi goleiro reserva do Caju e do Laio. Ele tem muitas histórias. Uma muito boa é a de um árbitro uruguaio chamado Júlio Salsamendi que era fanático pelo Atlético. Numa partida em Paranaguá o Júlio marcou um pênalti para o Rio Branco. O Ivan reclamou e o juiz falou que era a terceira vez que acontecia aquilo dentro da área. Ele não iria sair vivo da Estradinha. “Mas faz o seguinte. Quando eu apitar você faz o que você quiser”, disse o juiz. Quem foi cobrar o pênalti foi o Odair, o rei do pênalti. No que o Júlio apitou, o Ivan saiu correndo na marca da cal, se encontrou com o parnanguara, pegou a bola e chutou pra frente. Foi tudo ‘válido’. O Mafuz também tem uma muito boa. Na época que eu era narrador e ele repórter, eu disse que havia sido uma falta perigosa que quase atingiu o atleticano. O Mafuz me solta que “foi perigosa mesmo, quase atingiu o jogador do Atlético, mas vamos que a bola é nossa”.

O que a torcida pode esperar para 2004?
Vai haver uma grande festa por causa dos 80 anos do clube. O elenco já tem uma base e novos reforços deverão chegar. É só esperar.

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