Ricardo Pinto: ídolo que virou preparador de goleiros [foto: Julia Abdul-Hak]
Nos anos 90, coube a Ricardo Pinto a tarefa de resgatar a mística da camisa atleticana, encarnando com raça e paixão o lema que "a camisa rubro-negra, só se veste por amor". Uma das maiores unanimidades da história do Atlético, o goleiro foi também um dos símbolos do acesso à primeira divisão, em 1995, além da bela campanha na Série A no ano seguinte.
Sete anos depois, após a transferência de Almir Domingues para o futebol japonês, Ricardo reforçou a comissão técnica em setembro de 2001 na condição de treinador de goleiros do Furacão, reencontrando o goleiro Flávio, que foi seu reserva em 1995. “Conviver com ele e com os demais jogadores era uma sensação de simplesmente conviver com uma família. Era como se eu estivesse ao lado de filhos e irmãos. Era uma alegria imensa acordar e ir trabalhar. Eu ficava louco para chegar a hora de treinar, pois sabia que ia ter dedicação, resposta e, sobretudo, resultado”, relembrou.
Confira abaixo a entrevista exclusiva do ídolo Ricardo Pinto à Furacao.com:
O que representou o título brasileiro de 2001 na sua carreira e na sua vida?
Foi importantíssimo porque apesar de eu ter ganhado em 95 como jogador, tive a possibilidade de trabalhar com um grupo fantástico e totalmente focado que foi aquele time de 2001. Aquele tipo de situação me ensinou muito, tanto para a minha carreira, como também homem. Depois que parei de jogar já tinha a ideia de ser treinador e aquele ano representou muito não só pelo título em si, mas a convivência para chegar ao título. Foi de extrema importância a convivência com todo o grupo e mais o Geninho.
Qual a melhor lembrança que você tem daquele Campeonato Brasileiro?
Foi quando o Geninho fez a preleção no hotel em São Paulo, antes da partida contra o São Caetano, na final. Chegou uma caixa, que estava lotada de faixas, e ele parou a preleção. E começou a dizer que, na opinião dele, o time já era campeão, que só restava confirmar com aquela faixa. Aquilo me marcou muito Todo mundo comentava que aquele título ninguém ia tirar da gente.
Qual foi o momento mais difícil na campanha?
Quando nós chegamos, em setembro, junto com a Suzy Fleury
(psicóloga) e o Geninho. O grupo estava precisando de um líder fora de campo. Dentro tinha o Nem, que comandava junto com Cocito, Gustavo, Kléber e Flávio. Mas o time precisava de um líder também fora de campo, uma pessoa que organizasse as ideias e desse liberdade pra jogar. E foi assim que o Geninho chegou, numa hora muito boa. Cheguei no mesmo dia que ele. O grupo em si não passou por grandes dificuldades porque eles simplesmente não sabiam o que era isso. Mas se houvesse alguma, o Geninho logo tratava de tirar qualquer dificuldade da frente.
Você entrou na comissão técnica no meio da competição, em setembro. Como foi substituir o Almir Domingues?
O Almir é uma figura que gosto muito. É alguém que se não sabe absolutamente tudo sobre futebol, está bem próximo disso. Hoje ele é auxiliar do Caio Jr e sempre teve uma responsabilidade muito grande. Mas é aquela coisa, o futebol sempre promove algumas surpresas. Eu já tinha jogado com o Flávio dois anos e meio antes, e ele já estava junto comigo. Então não tinha vaidade ou preocupação. Um convencia o outro para que pudesse fazer o seu melhor. Quando substitui o Almir procurei não alterar muito a forma de trabalhar para que o Flávio não sentisse muito. Procurei colocar a minha forma de trabalhar, até porque tinha parado de jogar em 99 e sabia exatamente o que um goleiro precisaria naquele momento.
Você nunca tinha trabalhado como preparador de goleiros até então. Como surgiu a proposta e como você fez para aprender o que teria de fazer?
O Ademir Adur me ligou no dia 10 de setembro daquele ano me pedindo um nome de treinador de goleiros, que a diretoria estava mudando a comissão técnica com a chegada do Geninho. Aí eu respondi: “O nome do treinador é Ricardo Pinto”. Falei que estava falando sério e do quanto gostaria de participar, que tinha total interesse. Aí na manhã do dia seguinte ele me ligou e disse: “Se apresente amanhã que você vai ser o nosso treinador”. Eu não tive dificuldades porque durante a minha carreira sempre vivi momentos excelentes e só coloquei em prática o que aprendi.
E qual a sensação de trabalhar como preparador do Flávio, que foi seu reserva no Atlético em 95?
Foi difícil porque durante dois anos e meio ele ficou naquela expectativa de virar titular, aí foi jogar a final e já estava até passando do ponto. O Flávio sempre foi um goleiro muito rápido, nunca vi um goleiro tão rápido quanto ele, simplesmente fantástico. Conviver com ele e com os demais jogadores em 2001 era uma sensação de simplesmente conviver com uma família. Era como se eu estivesse ao lado de filhos e irmãos. O meu trabalho foi sempre bem aceito e o Flávio sempre procurou dar o máximo em tudo que eu sugeria. A conversa era sempre franca. Ele tinha a noção que precisava estar bem, sabia que ia estourar naquele campeonato e tinha um entendimento muito grande de tudo. Pra mim era uma alegria imensa acordar e ir trabalhar. Eu ficava louco para chegar a hora de treinar, pois sabia que ia ter dedicação, resposta e, sobretudo, resultado.
Já no prazo final de inscrições para o campeonato, o Atlético contratou mais um goleiro (André Luis, que veio do Ituano). Havia receio por parte da comissão técnica de que Émerson e Tiago Cardoso não eram bons o suficiente para substituir Flávio em um jogo de extrema importância na competição?
Isso daí foi uma questão clínica, uma questão médica. Não me recordo muito disso de desconfiança. Eu trabalhava direto com eles. O Emerson havia sido jogador de Seleção Brasileira enquanto esteve no Galo, então não houve receio. Eles tinham consciência absoluta que se o Flávio não pudesse jogar eles também dariam o seu melhor.
Na sua opinião, quem era o melhor jogador do time?
Ah, era o conjunto, que era espetacular. Os jogadores tinham uma ideia muito clara do que eles queriam, da oportunidade que eles tinham nas mãos. O time passou por São Paulo e Fluminense, grandes equipes de ponta. O melhor do time era a alegria em estar todo mundo junto. Se eu citar apenas um vou estar sendo injusto. Poderia citar o Flávio que não tomava gol, a defesa que ajudou, assim como o meio, fora o ataque, que fazia gol pra caramba. E o Geninho soube conduzir tudo. A diretoria também foi espetacular e sempre apoiou o time financeiramente, além de dar todas as condições para que pudéssemos ficar um mês concentrados no CT, lutando para que não caíssemos na rotina, não tivéssemos contratempos, brigas, nem nada.
Qual foi o fator essencial para a conquista do título?
Foi a qualidade dos jogadores. Eu diria que naquela época todos estavam no melhor das suas carreiras. Calhou também de todos estarem juntos, tendo um grande comandante, uma diretoria atenta e o resultado foi aquele, magnífico. Foi a união de ter grandes jogadores, naquele momento, a serviço do Atlético Paranaense.
Como você lidava com o descrédito da imprensa do eixo?
Na verdade ninguém se preocupava com isso. Esse descrédito todo surgiu depois. Desmereceram o fato da final contra o São Caetano, mas se fosse contra o São Paulo ou Corinthians o Atlético também ganharia. O fato do time ser desconhecido também foi, de certa forma, positivo, porque todos queriam buscar espaço no cenário nacional. Ninguém se preocupava onde um tinha jogado ou quem era quem. Um ajudava o outro independente de quem fosse, todos a serviço do time que ia ser campeão brasileiro, para chegar ao máximo naquele ano.
Qual foi a importância da Arena e da torcida nos jogos decisivos?
Quem criou toda essa situação para o time crescer, daquela forma que foi, foi a torcida do Atlético, que demonstrava confiança e ofereceu condições para que o time desse o seu melhor. As partidas foram vencidas em casa com a torcida empurrando o tempo inteiro e jogando junto com o time. Teve papel fundamental. Se a torcida não tivesse entrado nos jogos como ela entrou, não haveria título. Então foi uma troca de energia muito grande e os torcedores podem sim bater no peito e dizer que também ganharam aquele campeonato.
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