Baixada 4 São Caetano 2
por Sérgio Xavier Filho, da Revista Placar
Não foram apenas 11 jogadores do Atlético que venceram a primeira partida da decisão do Brasileiro: foi todo um povo unido em torno do estádio mais argentino do Brasil
O São Caetano começou a cozinhar muito antes de a bola rolar. Faltava uma hora para o primeiro jogo da decisão do Brasileirão 2001. Esquerdinha, Adãozinho e Daniel entraram em campo para aliviar a tensão, enfrentar logo o tal Caldeirão da Baixada. Péssima idéia. Apesar de estarem de chinelão e sem uniforme do Azulão, eles foram logo reconhecidos pela galera e tomaram uma vaia digna de vilões. Sentiram o calor do caldeirão e rapidinho voltaram para o vestiário.
De fato a Baixada não é um estádio convencional. A vaia ali é mais doída. A Baixada é o estádio mais argentino do Brasil, o mais vertical. É como se fossem vários predinhos cercando um campo de futebol, com o agravante de as arquibancadas serem cobertas e o som não ter para onde ir. Da platéia ou do campo, o barulho é infernal. E isso vai piorar quando o lado oposto às cabines de rádio terminar de ser construído. A vaia será ainda mais contundente.
Baixada: estádio jogou junto em 2001 [foto: arquivo]
É claro que o São Caetano, o melhor time do Campeonato Brasileiro, não tomou de 4 x 2 apenas porque o estádio do Atlético-PR é barulhento. A receita para o caldeirão ferver envolve vários ingredientes além do aplauso e da vaia, a lenha dos torcedores. A fanática torcida paranaense criou um conjunto de rituais que provocam a combustão dos mais sérios espectadores. O sistema de som do estádio emenda o hino do Atlético a uma série de músicas do time. O locutor nem se envergonha de dizer “Atlético Paranaense informa: agora é hora de fazer a melhor ola do Brasil.” As organizadas são boas de cântico, adaptam até melodias do Pink Floyd em uma “homenagem” ao rival coxa-branca que utiliza em poucos versos grande parte dos palavrões encontrados na língua portuguesa.
Vinte minutos antes de todo jogo na Baixada, um garotinho com o uniforme do Atlético sai do túnel e entra correndo no gramado com uma bola. Atravessa o campo com ela dominada, invade a área e chuta para o gol vazio. A torcida entra em surto, comemora como o gol do título. As rádios narram o feito como se aquilo fosse de verdade. O garoto repete a façanha no outro gol. Novo delírio. Contado assim, parece meio bobo, não? Mas no campo funciona, a vibração vai crescendo.
O time também faz a sua parte. Três zagueiros (Nem, Rogério Corrêa e Gustavo) que não deixam os atacantes adversários respirarem e dão bicões sem vergonha. Os laterais corredores (Alessandro e Fabiano) se apresentam e os meias (Kléberson e Adriano) são voluntariosos. Na prática, uma equipe capaz de pressionar qualquer um no calor do caldeirão. Até o São Caetano, o melhor time do Brasil.
Foi o que aconteceu no último domingo. O Azulão mal entrou em campo e já perdia o jogo. Não é mole tomar um gol aos 4 minutos. Mas o São Caetano conseguiu sair da enrascada da melhor forma possível: empatou em um frango do goleiro Flávio, uma ducha que quase apagou o Caldeirão. A equipe paulista ainda ficou em vantagem, mas aí foi o Atlético que saiu do buraco de um jeito brilhante: três gols em sequência do ídolo do momento, o Papai Noel Alex Mineiro. Não houve mais tempo de reação. Apesar de todas as suas qualidades, apesar de todo o seu conjunto e de seus bons jogadores, o Azulão não estava preparado para a panela de pressão.
A vitória por dois gols de vantagem também foi construída no gogó, ao longo da semana. Os espertos dirigentes paranaenses passaram os dias anteriores ao primeiro jogo da decisão “incendiando” os torcedores com um confronto Brasil x Paraná. Não foi difícil: a imprensa “do centro” deu uma bela força. Alguns comentaristas lamentando a ausência de fundadores do Clube dos 13 na final; uma reportagem na Folha de S. Paulo dizendo que São Caetano e Atlético faziam a “menor final” da história do campeonato, e o caldo estava pronto. “A imprensa do centro desdenha dos dois melhores times do campeonato, isso é imperdoável”, disse Mário Celso Cunha, comentarista da Rádio Eldorado de Curitiba. Uma faixa colocada domingo nas arquibancadas da Baixada mostrava que o povão captou bem o espírito da coisa: “Galvão, a sua torcida foi em vão. Você veio narrar a final no Caldeirão.” Os telespectadores da Rede Globo, tão acostumados a lerem faixas citando o narrador Galvão Bueno, ficaram sem ler essa.
O campeonato ainda não terminou, o São Caetano segue sendo a melhor equipe do Brasileirão. Dos 15 jogos que disputou em casa no Brasileiro, o Azulão venceu sete por dois ou mais gols de diferença. Um bom motivo para ter esperança. Até porque o jogo deverá mesmo acontecer em São Caetano, no alçapão do Anacleto. O troco pode ser dado na mesma moeda, a pressão pode simplesmente virar de lado. “Eu vou levar meu filho pra ver o segundo jogo. Não tem perigo daquilo cair?”, perguntava após o jogo Mauro Singer, dono de uma churrascaria em São José dos Pinhais onde os atleticanos faziam a festa no domingo.
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