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Entrevista | quarta-feira, 10 de maio de 2006, 15h22

Ciência vermelha e preta

Por: Furacao.com

Foto Destaque

Antonio Carlos Gomes: "Esse ano vamos ter coisa boa" [foto: FURACAO.COM/arquivo]

Antonio Carlos Gomes é funcionário do Atlético desde novembro de 2000. Sob sua supervisão, estão todos os profissionais ligados ao setor técnico do clube, desde o departamento de formação de atletas até o departamento de futebol. Em pouco mais de cinco anos de trabalho, o diretor técnico participou da conquista do Campeonato Brasileiro de 2001 e do avanço promovido pelo clube em sua gestão administrativa. Porém, ainda há muitos torcedores que desconhecem qual é exatamente a atividade desenvolvida por Gomes e sua equipe no CT do Caju. Tentando oferecer mais informações à torcida atleticana, a Furacao.com procurou o professor Antonio Carlos Gomes e isso resultou na entrevista que pode ser lida abaixo.

Durante mais de duas horas de conversa, o Doutor em Educação Física pela Academia Nacional de Cultura Física da Rússia fez um apanhado de sua trajetória no Atlético e revelou qual é o projeto que está sendo implementado no clube. Convidado por Mario Celso Petraglia e Ademir Adur, Antonio Carlos Gomes chegou ao Atlético no final do ano 2000, exatamente na metade do plano de dez anos elaborado pela diretoria em 1995. "O desafio daquela época era tentar implantar ou desenhar um conceito de um futebol científico na área de preparação de atletas. Isso era uma novidade no Brasil. Falava-se muito em ciência e várias modalidades já viviam o contexto científico, mas o futebol era a única modalidade que resistia à ciência", relembra.

Logo de cara, ele percebeu que teria muito trabalho pela frente. "O diagnóstico que a gente tinha era de que o futebol era regido por algumas leis: a lei da emoção, a lei do interesse financeiro, a lei do interesse político, a lei dos mitos (reza, vela, santo), a mídia e o entendimento que a mídia faz do esporte ao longo dos anos. Essas leis estão dentro de um conhecimento popular e não são possíveis para dirigir um esporte de alto rendimento na atualidade", explica Antonio Carlos Gomes. Para trocar o conhecimento popular pelo conhecimento acadêmico, foi estabelecido um plano que consistiu na mudança de conceito dos funcionários do clube: "O primeiro passo foi a reciclagem dos recursos humanos. Isso não significa ter cientista, mas pessoas com conhecimento científico".

Confira na exclusiva entrevista abaixo as reflexões de Antonio Carlos Gomes sobre o trabalho realizado no Atlético até o momento e também sua avaliação do desempenho do time profissional do Furacão na temporada de 2006.

Muitas pessoas criticam o seu trabalho. Você se incomoda com essas críticas e de ser tratado pela alcunha de "cientista"? Acha esse tratamento ofensivo?
Não, ele não me ofende pelo fato de que as pessoas não sabem o que estão falando. Cabe a mim, como operador do esporte, assimilar o termo. Evidentemente que eu tenho um título acadêmico na minha área, mas o cientista é alguem que respondeu a uma pergunta que o mundo ainda não conseguiu responder. É alguém que descobriu algo eminentemente novo. Você tem ramos da ciência. O grande negócio de um cientista é saber usar as áreas da atividade humana e compô-la numa atividade específica, que é o futebol. É um título que é um exagero e que as pessoas usam pejorativamente. A imprensa usa isso mal colocado porque isso ofende outras pessoas da área cientifica. Eu não me ofendo porque eu entendo a ignorância do conhecimento popular nessa área.

Quais são os exemplos práticos da contribuição da ciência para o time profissional de futebol do Atlético?
Infelizmente na nossa cultura a avaliação dessa contribuição é apenas ganhar títulos. O Atlético vai ganhar muitos títulos, mas vai perder muitos títulos. Isso porque se trata de um esporte que, de certa forma, é subjetivo. A natação e o atletismo são esportes objetivos; o mais veloz é campeão. Agora, no futebol nós podemos ter a melhor equipe e podemos não ser campeões. Há outros fatores externos influenciadores, como a arbitragem, por exemplo. Por ter uma grande dose de subjetividade, não vamos conseguir ganhar tudo por mais organizados que estivermos. Mas a organização vai nos dar um poder maior de estar próximo da vitória, como aconteceu nos últimos cinco anos. Nesse período, o Atlético foi campeão em 2001, vice-campeão em 2004 e o vice-campeão da Libertadores em 2005. O ano de 2006 está em pauta ainda. Tudo o que estamos fazendo esse ano é nos organizando para estarmos entre os quatro no Brasileiro e na Sul-Americana.

Recentemente, o senhor participou de um encontro mundial de treinadores no Rio de Janeiro. Como foi a sua palestra e quais os benefícios que o Atlético obteve com essa sua participação?
Foi um encontro internacional de técnicos de futebol e eu fui para falar do processo de preparação de atletas para o esporte de alto rendimento. Acho que foi uma surpresa para todos porque minha produção literária é praticamente sobre treinamento esportivo, mas eu falei sobre outros aspectos que não o treino esportivo. A preparação dos atletas envolve outras questões, mas o pessoal do futebol não está muito acostumado a isso. O que isso traz de positivo ao Atlético é que estamos vendendo a marca Atlético em outra perspectiva, de preocupação com a formação do ser humano. Hoje o Atlético é visto lá fora como um clube que se preocupa com a formação integral dos seus atletas. Um exemplo clássico dos problemas que podem advir de uma má preparação é o Kleberson. Por que ele não ficou no Manchester? Será que ele não tinha futebol para jogar lá? Claro que tinha. Mas ele não ficou porque faltaram muitas outras coisas: falar a língua, experiência internacional, faltou espírito psicólogico-emocional. Faltou muita coisa para ele encarar isso. Isso criou um choque cultural no cara. Se a cabeça não funciona, a fisiologia vai para o espaço. Então, temos de nos preocupar com todas essas questões na preparação de um atleta.

E como o Atlético prepara seus atletas?
Nós temos aqui uma escola de formação de atletas. Nós não temos como formar o garoto desde os 3, 4 anos de idade. O garoto chega aqui entre 13 e 15 anos. Nessa idade, ele entra numa etapa de especialização inicial. Ainda é preciso criar pressupostos de atividade motora. Ele passa por um enriquecimento de vocabulário motor. Nessa etapa, ainda conseguimos fazer um trabalho de habilidade motora com o jovem. São habilidades esportivas de uma forma geral e futebol. Depois, aos 16, 17 anos, ele passa por uma etapa de especialização profunda. O jogador vai ser treinado especificamente para sua posição. Esse é o momento de maior dificuldade, pois é nessa fase que a personalidade vai se moldar, de fato. Começam a surgir alguns problemas sociais, psicológicos. É nessa hora que o clube precisa agir com muita categoria, com pedagogo, com sociólogo, com psicólogo. Isso é tudo ciência acadêmica. Nós corrigimos os eventuais defeitos com regras, com normas. O garoto tem de estudar. Então, temos uma escola aqui dentro onde nós fazemos o acompanhamento escolar. Há uma preocupação com a formação do ser humano. A partir dos 18, 19 anos, nós estamos na etapa de alto rendimento. Aqui, temos de botar em pauta toda a indumentária científica que o mundo dispõe hoje. Precisamos buscar o resultado. Aos 19 anos, os jovens já estão no profissional. Esse garoto precisa ter toda a formação motora, técnica e tática moldada aos 19 anos de idade, porque a partir daí ele vai se desenvolver. Nesta fase, precisamos de um grande centro de fisiologia. Fazemos avaliação antropométrica, utilizamos a biomecânica. Nesse ponto, o contato com o esporte apura e eles começam a se lesionar. Por isso, precisamos de uma medicina preventiva boa, além da curativa. Ciência acadêmica é isso. Eu diria que ciência tem alguns pilares: organização, filosofia e planejamento. O que nós pretendemos? Ter uma equipe de alto nível. Esse é o nosso sonho. Mas ainda não temos uma estrutura de manter uma equipe com atletas de alto nível aqui dentro porque o atleta é que rende dinheiro para o clube. Mas quando tivermos verba suficiente para agregar verbas para o clube, os atletas ficarão aqui por mais tempo. Hoje, o principal produto para manter o clube é o jogador.

"No futebol, nós podemos ter a melhor equipe e podemos não ser campeões" [foto: FURACAO.COM]

Qual é o diferencial do Atlético para os outros clubes brasileiros?
Costumo dizer que o diferencial é que o Atlético conseguiu unir pessoas com conhecimento acadêmico no esporte e tem uma diretoria que entendeu que esse caminho pode encurtar a distância da vitória. A cada dia estamos operacionalizando a ciência aqui dentro. Aqui nós não vamos fazer descobertas mirabolantes. O que estamos fazendo é usar a ciência a nosso favor. Outros clubes têm isso também, mas não conseguiram criar a multidisciplinariedade das áreas. Nós já conseguimos. Temos um laboratório em que estamos fazendo um apoio aos técnicos de todas as categorias. O nosso laboratório consegue avaliar o atleta e faz toda a prescrição do treinamento. Ele dá o apoio aos preparadores técnicos e físicos. Ele diz quem tem de treinar mais força, velocidade. O laboratório dá as orientações. Outro trabalho é de apoio ao técnico. Tem um setor de análise das equipes adversárias. Criamos um relatório que vai para a mão do técnico quatro dias antes de um jogo. Dá tempo de ele estudar e aplicar isso nos treinamentos. Temos também um laboratório que faz a avaliação do nosso time quando joga na Baixada. Isso garante que dará tudo certo? Não, mas é uma possibilidade de acertarmos mais. Nossa equipe é muito jovem, sempre foi. Os figurões nós fabricamos aqui, com a nossa torcida.

Qual o seu diagnóstico para o fracasso do Atlético no Campeonato Paranaense e na Copa do Brasil em 2006? Em sua opinião, houve falha de planejamento ou falha de execução do que havia sido planejado?
Tudo o que nós falarmos desse início de temporada são suposições. Como vamos dizer se erramos no planejamento se o planejamento foi feito para a temporada toda e não só para o Paranaense? Começamos bem e houve alguns desacertos no meio. Um dos problemas foi a saída brusca do técnico alemão. É simples de entender: é uma questão de comando. Vocês hão de convir que ele (Lothar Matthäus) é um nome muito forte. Por isso, ele tinha um comando pelo próprio nome. A simples presença dele era muito forte. Ele criou um espírito competitivo no grupo. Os meninos jogavam bola para o Lothar Matthäus. Primeiro que ele está dentro da Europa. Nenhum menino é bobo para não entender que ele poderia levar alguém para lá. Quando ele viajou, fragilizou o grupo. Uma coisa é jogar para o Lothar, outra é jogar pra quem? Quando ele saiu, o grupo se desagregou. Nós demoramos um período, os resultados não vieram, mas os meninos receberam o Givanildo muito bem. Ele é uma pessoa que sabe lidar com o grupo. Ele está indo muito bem. O que nós precisamos é dar um pouco de tranqüilidade, porque esporte não se faz em um mês. Nós não vamos ganhar tudo. A equipe não desaprendeu a jogar bola, para mim o que houve foi isso. Mas já estamos reorganizados. Nós vamos perder, vamos empatar, mas vamos ganhar também. Já passamos dessa fase de reestruturação. A nossa pré-temporada foi feita para o planejamento do ano inteiro. A Copa do Brasil era uma prioridade também porque era um campeonato curto. Mas não fizemos um planejamento somente para a Copa do Brasil, e sim para a temporada toda. Vamos com tudo para o Brasileiro e para a Sul-Americana, pode ser que dê certo nessas.

Como estão as obras de reforma do CT do Caju? O centro já está funcionando com sua capacidade total?
Dentro de uns cinco meses, estaremos funcionando 100% do que se propôs até o momento. O CT nunca estará 100% porque sempre poderá melhorar. O que estamos fazendo é a hotelaria de primeiro mundo. Já era boa, mas para ampliarmos o nosso negócio entendemos que precisaríamos sair do Brasil e ir para o exterior. Estamos preparando um CT para receber o mundo inteiro, para o mundo inteiro vir aprender futebol aqui. Já está funcionando um hotel com 100 lugares para os nossos atletas. Aqui serão feitas suítes para recebemos técnicos, dirigentes do mundo todo; nós estamos construindo um centro médico que pode ser um dos maiores do futebol brasileiro em estrutura física, fizemos uma sala de preparação neuromuscular, estamos fazendo uma piscina adequada para o esporte de alto rendimento. Aumentamos os campos de futebol, fizemos o primeiro campo de treinamento de goleiro da América do Sul, assim como fizemos o paredão no passado, que é tema de tese de doutorado e tem nos ajudado a melhorar a habilidade motora dos atletas. A partir de agosto, setembro, estaremos prontos para receber jovens do mundo todo e as equipes do Japão, da China para fazer a pré-temporada conosco. Como que eu estou entendendo o futebol? Nós temos o slogan de melhor futebol do mundo, mas ninguém vem aqui para aprender futebol. Para estudar futebol, a gente lê livro de finlandês! Como que nós temos de sair disso? Vender conhecimento científico, equipamentos, know-how.

"Queremos montar cursos superiores aqui dentro" [foto: FURACAO.COM]

Em que estágio está a implementação de uma universidade no CT do Caju em parceria com a Ulbra?
Nós chegamos num ponto em que temos nossa escola aqui dentro e escolas conveniadas para atender os nossos meninos. Mas isso não basta para o nosso projeto. Como que nós estaríamos preparados para ensinar futebol para meninos do mundo inteiro? Teríamos de certificar esses atletas. O negócio do Atlético não é ensino, então conversamos com algumas universidades, com a Ulbra, com a Univale, com a Trevisan, de São Paulo, e estamos buscando o parceiro bom para fazer a parceria com a gente na universidade. Queremos montar cursos superiores aqui dentro, todos destinados à formação de preparação do futebol: nutrição, mídia, técnico, preparador físico. O camarada viveria o futebol. Para o ano que vem podemos conseguir isso. Aqui onde nós estamos (sala de troféus) vai virar sala de aula, mas as aulas não precisam ser todas aqui.

Mas o objetivo do Atlético com essa universidade é obter uma fonte de renda através do ensino ou apenas utilizá-lo como auxílio ao futebol?
Um pouco de cada coisa. Nós vamos ter primeiro uma forma de divulgar nosso trabalho e estimular outras instituições a partirem para a área acadêmica. O segundo ponto é uma base de entrada de dinheiro. É mais um projeto de receita para o Atlético. Oferecer curso para estrangeiros e brasileiros é uma boa fonte de renda. Na minha opinião, não podemos continuar vivendo só de venda de jogador. Por isso estamos melhorando o CT.

No ano passado, houve uma alteração no comando do departamento de formação de atletas do clube. Como está funcionando este departamento atualmente? Quais são os frutos em termos de revelação de atletas?
Nosso setor de formação de atletas está dentro do projeto. Ele tem uma estrutura de funcionamento. É um setor muito delicado para trabalhar porque todos os jovens que chegam aqui para fazer testes acham que têm de ficar aqui. Só que temos um limite. Muitos meninos bons de bola vêm para cá, mas não ficam aqui. Não temos como alojar todos. Nosso sistema de seleção é muito criterioso. Aqui não ficam os meninos bons; ficam os espetaculares. Na administração direta temos o professor Marcos Biasotto, e paralelo a ele temos o professor Oscar (Erichsen) na área científica e que nos ajuda em toda a formatação da preparação dos meninos. O departamento tem hoje meninos espetaculares. Agora, quantos vão jogar na equipe de cima? A ciência não chegou a ponto de nos dizer isso. Mas um percentual altíssimo deles vão jogar no time profissional. Os garotos que aqui estão não vão jogar todos na nossa equipe, mas podem atuar em outras equipes.

Qual a importância desse departamento de formação de atletas para o clube?
O filé mignon do futebol está nas categorias de base. Ou você prepara bem o jovem lá ou está fadado ao insucesso. Normalmente em nosso país quem trabalha na formação de atletas são as pssoas com menos conhecimento. A gente precisa formar homens-atletas e não só atletas. Nós precisamos de professores com conhecimento em pedagogia no esporte, com conhecimento em várias áreas e com conhecimento do futebol. Começamos a reciclar o grupo com cursos, com orientação. Mudamos o nome para escola de formação de atletas. No Brasil, primeiro se pensa em formar o atleta para depois formar o homem. Mas aí já é tarde. Veja, o garoto que chega aqui já tem uma aptidão para o esporte. Aqui nós podemos mudar muito o comportamento dele como homem e pouco a genética dele. O Atlético começou a se beneficiar desse polimento.

"Eu não consegui colocar em pauta no Atlético nem 20% do que eu aprendi" [foto: FURACAO.COM]

O técnico Givanildo Oliveira comparou a psicologia a macumba, dizendo que ela não pode ser tão valorizada no futebol. Como diretor técnico do Atlético, qual a sua avaliação para essa declaração?
O Givanildo está aberto a tudo. Ele tem uma forma de lidar com os jogadores que me parece muito interessante. Ele me disse que nesse momento a intervenção tinha de ser feita por ele mesmo. Mas em nenhum momento ele deixou de utilizar todos os instrumentos que nós temos. Ele adota tudo o que passamos por ele. É um cara de grande experiência, que nos ensina muito e está sempre querendo aprender. Pela reportagem, pelo barulho, tivemos um revide do Gilberto (Gaertner, ex-psicólogo do clube), que deu a resposta dele em cima do que foi colocado, mas o próprio Givanildo disse que não foi bem isso que ele quis dizer. Um psicólogo, um fisioterapeuta sempre quer colocar 100% do seu conhecimento em pauta. No esporte individual isso é fácil. No coletivo, é impossível. Aliás, nem precisamos de 100% disso. As responsabilidades se distribuem.

Qual o seu comentário sobre as declarações do Gilberto Gaertner à Gazeta do Povo?
Eu respeito o diagnóstico do professor Gilberto. Ele é um especialista em psicologia, mestre, é um camarada que já foi um pouco além da formação acadêmica, e é um grande psicólogo. Então, eu respeito, mas tenho minha opinião. Todo diagnóstico é válido. Mas quero destacar alguns pontos. Primeiro que a pré-temporada não foi dirigida pelo professor Vinícius (Eutrópio), mas sim pela comissão técnica. A pré-temporada é praticamente preparação física, exames médicos, intervenção da nutrição. O técnico é integrante mesmo, não tem uma participação tão decisiva. Depois é que ele é o figurão. Precisamos assumir todos juntos, inclusive ele. Quanto ao comentário sobre ausência de comunicação interna, eu não consigo entender o que é essa crítica. Os jogadores ficam aqui 24 horas por dia. O que eu estou percebendo é que ele não conseguiu colocar em pauta 100% do que ele gostaria, devido à essa cultura do futebol brasileiro. Isso não depende só do técnico, do atleta, da receptividade dos atletas. Eu não consegui colocar em pauta no Atlético nem 20% do que eu aprendi. Ainda não temos tecnologia para isso. O Gilberto vem do voleibol, é diferente...

O Gilberto também disse que havia "questões que podiam ser facilmente resolvidas através de uma intervenção psicológica, mas que isso não pôde ser feito". Houve alguma espécie de impedimento ao trabalho do psicólogo no clube?
Eu concordo com ele nessa declaração. Nenhuma das áreas consegue intervir 100%. Ele estava fazendo uma intervenção muito legal com a gente, também nas categoris de base, mas é difícil. Não tenho nada a contrapor a ele, muito pelo contrário. Agora estamos pensando de que maneira a gente vai suprir essa necessidade da psicologia no clube. Precisamos de um grupo de psicólogos, de uma equipe com uma metodologia. No profissional, ele tem de atuar mais no fator motivacional.

O Atlético implementou um modelo de futebol que consistia na manutenção de uma comissão técnica de profissionais do clube, sem a intervenção do técnico. Há alguns anos, esse modelo foi abandonado e não houve bons resultados em campo. No ano passado, adotou-se novamente essa estratégia, com a recontratação do Riva e do Almir Domingues. Agora, novamente o clube desiste desse modelo. Há alguma razão para isso?
Não é bem assim. Primeiro, o que é comissão técnica? Técnico, preparador físico, auxiliar técnico, assistente de preparação física, médico, massagista, mordomo. Isso é tudo do clube. Só vieram o técnico e o preparador físico. Normalmente, os técnicos não abrem mão da preparação física e do asistente técnico. O jogador se abre muito com o preparador físico. E os técnicos não abrem mão de indicar esse profissional. O Atlético tem o Nilson Borges, que é nosso assistente técnico. Com a vinda do Givanildo, saíram o técnico e o preparador, que era o professor Riva, que é um excelente preparador. Nós abrimos mão dele em virtude da vinda do Givanildo. É um processo que ocorre no mundo inteiro. O que estamos tentando fazer é evitar que venha o técnico com sua comissão inteira. O nosso preparador de goleiros (Almir Domingues) pediu demissão, não foi demitido. O restante foi uma reformulação interna. Saíram o Riva, o Vinícius. Enquanto nós estivermos nesse conhecimento popular, eu não dou nem o direito de vocês perguntarem o porquê disso. Veja o técnico do Manchester (United, da Inglaterra), que está lá há 16 anos: ele não ganhou tudo. Esses dias havia um barulho de tirar o nosso treinador. Isso é a coisa mais incoerente do mundo. Quem tem de avaliar isso são os nossos diretores. O trabalho é resultado. E o que é resultado: ganhar um jogo ou ganhar um campeonato?

"Ninguém foi mandado embora por falta de competência" [foto: FURACAO.COM]

E qual a justificativa para a demissão de diversos profissionais do clube neste início de temporada?
O que aconteceu? Vamos por partes. Saíram alguns profissionais, realmente. O caso da medicina, por exemplo: tínhamos quatro médicos. A opção da diretoria foi ficar com três. Ninguém foi mandado embora por falta de competência, mas foi feita a opção de ficar só três médicos. Os médicos faziam sempre um rodízio. Agora nós temos um médico exclusivo para o Atlético. O Alexandre Cabral é um médico full time aqui, só trabalha no Atlético. Temos mais o Marco Pedroni e o Murilo Ribas. E mais o chefe, o Dr. Paulo Brofmann. Foi uma opção de corte porque tínhamos quatro médicos. Quanto ao dentista, é preciso esclarecer que estamos nesse momento em reforma. Nossa odontologia será no centro médico, que estamos construindo. Nesse momento, está tudo desmontado. E aí veio uma idéia: o nosso dentista atende o que dá pra atender aqui dentro, mas várias coisas mais complexas são mandadas para várias clínicas. Então, optou-se por fazer uma parceria com outras clínicas. São todos de alta competência, mas foi uma opção da diretoria de conveniar com um clínica. O fisiologista, Gregório (da Silva), tinha atividades acadêmicas que exigiam muito dele, não deu para ele continuar. O clube deu uma enxugada. O Vinícius Eutrópio saiu por questões de futebol, a qualquer momento ele está sujeito. Alguém tem de pagar e quem acaba pagando logo é quem está dirigindo o time.

Há um mês, o preparador físico Wellington Vero declarou que as dez primeiras rodadas serviriam de preparação para os jogadores atingirem o nível físico ideal. Como funciona essa questão do condicionamento físico dos atletas, é possível explicar para a torcida? É que fica a impressão de que com o início da pré-temporada ainda em 2005 já tenha havido tempo suficiente para um bom condicionamento em quatro meses de trabalho.
Aqui você trabalha igual a um supermercado: a gente dá um prazo sempre com sobra para se preservar (risos). Se o camarada começa a pré-temporada dia 3 ou 4 de janeiro significa que ele terminou a temporada anterior no início de dezembro e ficou um mês parado. Na pré-temporada, nós geramos uma carga muito grande no organismo dele. O que acontece com a capacidade competitiva dele? Ela piora. Quando termina a pré-temporada ele não está bem para jogar bola, ele está cansado. Essa carga é para criar novas adaptações para frente. O time está lento, pesado, o time ficou bastante tempo sem mexer com bola. Eles estão cansados. Quando a gente começa a temporada competitiva, esse volume de carga diminui e o organismo vai se restabelecendo. É uma forma de adaptação e vai melhorando a forma desportiva. Nesse processo todo, são organismos individualmente diferentes. Por isso os níveis são diferentes. Demora para todo grupo estar no mesmo nível. Esses primeiros jogos vão colocando ritmo do indivíduo, mas quando chega o Brasileiro é que a coisa pega mesmo. O Wellington falou sobre um período em que já está sendo beneficiado por tudo o que aconteceu anteriormente. Quando o jogador termina a pré-temporada, ele não está legal. Ela arrebenta o jogador, e é preciso isso. Durante a temporada ele vai melhorando, melhorando e vai entrando nos eixos. É um processo complexo, senão nós não treinariamos um atleta dois meses para ganhar.

Já há algum planejamento para o período de folga durante a Copa do Mundo?
Tudo montadinho. Nós vamos ter 37 dias parados. Nós vamos dar 10, 12 dias de folga para eles. Aí eles vão voltar e terão três semanas para se preparar. Vai haver uma queda, mas temos de ter cuidado para não ter uma queda tão brusca. Como se tem um período muito grande, dá tempo de recuperar. Vocês sabem que essas paradas não ruins, elas são boas. Se a gente tivesse essas paradas mais freqüentemente, teríamos espetáculos muito melhores.

"Esse ano vamos ter coisa boa" [foto: FURACAO.COM]

Um torcedor chamado Álvaro Kosinski nos enviou um e-mail com uma questão interessante. Ele perguntou se o clube não mantém um arquivo em vídeo das palestras e treinos táticos de antigos treinadores e se esse trabalho realizado por profissionais como Vadão, Antonio Lopes, Evaristo de Macedo não seria útil de ser apresentado aos jogadores? Às vezes temos a impressão de que um trabalho bem feito é interrompido com a saída de um profissional e o clube sofre com o início de toda uma nova metodologia de trabalho.
Nos temos arquivados todo o histórico de todas as competições que já passaram de alguns anos para cá desde 1996. Temos histórico de campeonatos, de cada atleta, cartão, quantos jogos ele fez, quanto tempo ficou, quando foi embora, histórico médico, histórico de resultado. Mas as palestras dos treinadores não são filmadas. Isso é uma arma muito específica de cada treinador. A mesma palestra para outro grupo é diferente, os jogadores são diferentes, as características diferentes. Isso nós não filmamos. Mas tudo o que acontece até o momento de entrar no vestiário nós temos filmado. Temos tudo. E fazemos isso aqui dentro. Mas as palestras mesmo são coisas muito intimas, não há como se aproveitar posteriormente.

Logo após ser reeleito, no final de 2005, o presidente Mário Celso Petraglia escreveu uma carta aberta ao senhor agradecendo-lhe por toda a contribuição para o Atlético. Qual foi sua reação a essa manifestação pública?
Eu agradeci-o após porque eu não sabia de nada disso e não acompanhei a entrevista no dia. Naquele momento, eu acho que ele não quis agradecer ao Antonio Carlos, mas sim através do meu nome agradecer o trabalho do Centro de Treinamentos, de todas as pessoas que aqui estavam. Aquela carta foi um manifesto de agradecimento do presidente a todo CT. Eu achei bacana porque se o presidente reconhece que esse trabalho pode nos dar grande resultado no futuro isso é um ponto positivo para a gente continuar. Porque eu vou passar algum dia. Estou aqui no momento, mas não sei até quando ficarei. Gostaria de ficar aqui até implementar esse conceito, um conceito de futebol. Quando estivermos perto disso, eu vou para outro lugar que esteja longe desse conceito. Minha vida é essa.

Para encerrar, qual a sua mensagem para o torcedor atleticano?
A mensagem que eu tenho para o torcedor é a seguinte: apoiar, ter um pouco de paciência, sei que nao é muito comum, mas o time começou a se acertar, o treinador começou a ter tempo, outros jogadores melhoraram e esse ano vamos ter coisa boa. A equipe vai reagir. Essa equipe tem vários jogadores que fizeram a alegria do torcedor no ano passado. Mas há momentos. É só o torcedor ter um pouquinho de calma que o Furacão vai fazer coisa boa.

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