ACG: ciência aplicada ao futebol
Londrinense transforma o futebol em ciência
por Jaime Kaster, da Folha de Londrina
O ex-atleta e ex-professor universitário Antônio Carlos Gomes, 47 anos, é hoje um dos "homens-fortes" do Atlético Paranaense e um dos responsáveis pela rápida ascensão do clube no panorama do futebol brasileiro e sul-americano. Diretor-técnico da equipe desde o ano 2000, o londrinense vem implantando uma nova filosofia de treinamento, que objetiva a proeza de "transformar o futebol em ciência".
"Fui convidado para encarar o desafio de fazer um trabalho científico na formação dos atletas, visando promover uma revolução nos métodos de treinamento. O futebol sempre foi cercado de muitos mitos e empirismo. Ainda hoje, na maioria dos clubes, ele é determinado pelo conhecimento popular dos treinadores e dirigentes", afirma Gomes, que conversou com a reportagem da Folha no último dia 28, quando esteve em Londrina na inauguração da primeira escolinha do Atlético-PR na cidade.
Além da bagagem acadêmica que trouxe ao clube, Gomes também vem sendo apontado como um dos mentores do chamado "projeto de internacionalização do Atlético". Como fala fluentemente o inglês e o russo morou em Moscou durante dez anos, onde fez mestrado e doutorado em Treinamento Esportivo de Alto Rendimento, e estudou com os melhores professores da antiga União Soviética Gomes é sempre requisitado pela diretoria quando é preciso entrar em contato com empresários e dirigentes de clubes do Leste Europeu. Assim foi, por exemplo, quando iniciaram as conversações para a negociação dos londrinenses Jádson e Fernandinho com o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia.
"Temos um departamento internacional que cuida das transações de jogadores e sempre me coloco à disposição quando precisam falar com países da Ásia e do Leste Europeu. Em função do período em que morei lá e viajei por vários países, estabeleci contato com muitos empresários do futebol, docentes e treinadores destas regiões", conta o diretor. "Não é por acaso que o clube tem ex-atletas jogando hoje em mercados emergentes do futebol, como China, Turquia, Coréia do Sul e Ucrânia", acrescenta.
Como o clube tem também atletas jogando em países de ponta, como França, Holanda, Inglaterra e Espanha, Gomes não hesita em dizer que o Atlético já é "referência internacional". Devido ao seu currículo, ele vem sendo convidado para dar palestras na Europa em eventos relacionados à área científica do futebol. As últimas foram na Espanha, Rússia e Portugal.
Sua participação mais importante foi na conferência de abertura da Eurocopa-2004, em Portugal. "O clube acaba ficando em evidência, pois sempre vou representando o Atlético. Para mim, isso mostra o reconhecimento da identidade acadêmica que o clube passou a ter entre os principais países do futebol", acredita Gomes.
Outra prova disso, segundo ele, são as visitas constantes que o clube recebe de profissionais de futebol de vários países. "Eles vêm conhecer o modelo de gestão científica que implantamos", discursa o professor.
Investimento na base é segredo para reposição
Recentemente, o Atlético-PR foi convidado para um intercâmbio com o Chivas Guadalajara, após o confronto que o time mexicano teve com o Rubro-Negro na semifinal da Libertadores-2005. Segundo o vice-presidente do Atlético, Antônio Carlos Bettega, o Chivas quer implantar a metodologia de formação do clube paranaense. Atualmente, o Furacão conta com 32 escolinhas parceiras espalhadas por seis estados do Brasil, nas quais treinam 4,5 mil alunos.
Segundo Antônio Carlos Gomes, os frutos que o clube vêm colhendo nos últimos anos (campeão brasileiro em 2001, vice do Nacional-2004 e vice da Libertadores-2005) são resultado de um grande investimento nas categorias de base. "Nosso trabalho visa tirar o máximo do atleta em termos de desenvolvimento físico, técnico e também como ser humano. A rotatividade de jogadores é grande, porque muitos são negociados com o exterior, mas em curto espaço de tempo se consegue a reposição, porque a formação tem uma base muito ampla", observou. Resultado de um trabalho de preparação diferenciado, Gomes cita que os "os últimos times do Atlético são mais velozes que a média dos outros clubes brasileiros"
‘Enterrei minha juventude no gelo de Moscou’
Nascido em Londrina em 1958, Antônio Carlos Gomes surgiu para o esporte aos 17 anos, como atleta de salto triplo, salto em distância e 110m com barreiras na equipe local de atletismo, que na época treinava no VGD. "Não havia ainda a pista da UEL, que na época era só um terrão", recorda.
Após servir o Exército, Gomes retornou ao Paraná em 1978 e se instalou em Apucarana para dirigir um projeto modelo de atletismo no município, que durou até 1984. "Eu trabalhava como técnico, mas também competia, pois fui atleta até 1985. Fomos a principal força do atletismo estadual", conta.
Em 84 foi convidado pela antiga Ametur para realizar em Londrina o mesmo trabalho desenvolvido em Apucarana. Assumiu a diretoria técnica da autarquia e foi também o treinador do atletismo local até 86. Sua carreira universitária começou anos antes, em 83, como professor da Faculdade de Educação Física de Arapongas.
Em 87 ganhou bolsa para fazer mestrado e doutorado na Rússia, onde ficou até 97. "Ao chegar lá sofri para me comunicar, porque se falasse inglês naquela época era escorraçado, afinal era a antiga União Soviética. Fiquei então dois anos num internato só estudando o idioma russo", lembra Gomes.
Ele diz que "enterrou" sua juventude "lá no gelo de Moscou" para adquirir o conhecimento que tem hoje. O sacrifício teve sua recompensa, porque Gomes se tornou o maior tradutor de livros técnicos de educação física do russo para o português e o espanhol, com 15 obras. "Fora isso escrevi outros 15 livros no Brasil sobre preparação física de alto rendimento", orgulha-se.
E por que ele escolheu a Rússia? "Porque a União Soviética tinha excelência em preparação de atletas de alto rendimento, tanto é que nos anos 80 foi a maior potência olímpica mundial"
Matéria do site Furacao.com:
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