Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Jet-ski

10/07/2006


Lá vai o jet-ski, cortando o oceano. Deixa atrás dele um rastro de espuma branca, enquanto faz seu zig-zag frenético. O cheiro de óleo dois tempos queimado inebria o jovem piloto. O rapaz acelera ainda mais, mostra grande perícia no comando da máquina. Tanta agilidade só vem depois de muito treino. E como ele treina.

O rapaz também é fera no tênis. Gosta de bater sua bolinha, sempre que pode. Até cabula o trabalho para estar lá. Ele vai bem na bolinha, mas ainda está longe de apresentar o mesmo talento que tem com a bola nos pés. Joga muita bola, mas, sabe como é, futebol virou emprego. Quando uma coisa que a gente gosta vira obrigação, não é a mesma coisa. Mas ele agora tem mais tempo pra se dedicar ao saibro. Está de licença médica do trabalho. E como veio a calhar essa licença. Agora ele tem mais tempo para aproveitar a "la dolce vita".

Num estalar de dedos tem tudo o que precisa. Roupa, comida, bebida, mulher. Não esquenta a cabeça com nada, contas a pagar, limpeza da casa, seguro do carro, supermercado, não precisa se preocupar com nenhuma dessas coisas enfadonhas. Deixa à cargo de sua entourage. Se não estiver a fim nem de amarrar os sapatos, tem sempre alguém que pode fazer este serviço. Tanta mordomia, tanta facilidade, tanta conveniência, deixaram o rapaz mimado. Ele começou a se sentir total. Tanta badalação em torno dele, o deixou auto-indulgente. "Tudo posso porque sou quem sou". Sempre há uma desculpa para suas inconseqüências, nunca faz nada errado, tudo é permitido. Afinal, ele é dinheiro vivo.

Ouve o clamor e sente o calor do povo gritando seu nome. Pensa: "isso, gritem meu nome, eu sou realmente um gênio". Sabe que basta fazer uns malabarismos que a massa enlouquece. Sente-se o senhor do espetáculo, acima do bem e do mal. E as pessoas que estão por trás dele deliram. Sonham com os milhões que, após uma esperta manobra contratual, vão chover em suas hortas. Mimar e estragar o rapaz vai dar resultado. E que resultado. Pela bagatela de pouco mais de cinco milhões de Reais, tornam-se donos da maior mina de ouro do estado. Baita negócio. Pegam o rapaz, compram suas vontades e pouco depois o rapaz já é, em alma, deles. Falta só documentar o fato.

Quem são essas pessoas vestidas de vermelho e preto para acharem que têm direito sobre a mina de ouro?, pensam seus assessores. Só por que o descobriram no interior, sempre acreditaram nele, deram todo o apoio necessário? Acham que têm direito sobre a mina só porque deram todo o apoio na sua cirurgia nos Estados Unidos e durante a seqüência de meses que seria para a recuperação, pagando salário religiosamente? Acham que ele deve alguma coisa só porque jogou apenas 40% das partidas disputadas pelo clube até hoje? Se o apoiaram, não fizeram mais que obrigação, pensam os assessores. Ele está acima do clube, acima de qualquer coisa. Não precisa nem se dedicar à fisioterapia, pode faltar às sessões para ir a churrascadas, jogar pelada. Muita gente viu, mas ele não está nem aí. Mesmo assim, seu empregador ofereceu a ele 60 mil de salário, mais 50 mil em luvas a cada mês que ficasse. Dá 110 mil por mês. Mais 30% de uma transação futura. Seus assessores aconselharam: não aceite. Vamos ganhar muito mais contigo, guri. Vamos encher as burras.

O rapaz parecia o garoto de ouro de John Milton, sentia-se o maior entre os maiores. Sua turma babava pelos dólares que viriam facilmente, quando, num golpe duro para suas pretensões, a justiça disse: "ei, calma lá, camundongos. A vida não é assim não. Não é essa moleza". Eles, que estavam passando por cima de uma multidão de mais de milhão, tiveram que brecar. O jet-ski teve que dar meia volta. O rapaz começa a pensar: "será que valeu a pena tudo isso? Valeu a pena sujar meu nome, manchar minha pouca história perante essa gente que sempre gritou meu nome?". Uma boa reflexão, à bordo do jet-ski, pode dar alguma respostas.


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