Ricardo Campelo

Ricardo de Oliveira Campelo, 44 anos, é advogado e atleticano desde o parto. Tem uma família inteira apaixonada pelo Atlético. Considera o dia 23/12/2001 o mais feliz de sua vida. Foi colunista da Furacao.com entre 2001 e 2011.

 

 

Ingratidão x Orgulho

07/06/2006


O atual estágio do caso Dagoberto me remete a duas outras situações.

A primeira delas é uma audiência judicial. Especificamente, a do Juizado Especial, ou “Tribunal de pequenas causas”. Atuei como conciliador no JE, como parte do estágio obrigatório na UFPR. Foi uma pequena experiência na área jurídica, e uma grande experiência na área de relações humanas.

No chamado tribunal de pequenas causas, são comuns discussões entre conhecidos. Familiares, vizinhos, amigos... Ás vezes a questão é patrimonial, outras vezes vai bem além disso. Presenciei audiências em que o orgulho e a ingratidão se sobrepuseram a valores maiores, causando irremediáveis estragos na alma. Como o da sobrinha órfã, criada pelo tio. Assessorada por um advogado malicioso, voltou-se contra quem a criou, em busca de trocados. As lágrimas nos olhos do senhor me causaram uma emoção que nem o mais pesado drama foi capaz. Ok, com exceção de ‘Mar Adentro’. Em outro caso, uma briga de ex-amigos, era ingratidão de um lado, e orgulho de outro. Resultado: impasse e tristeza. Até hoje devem estar de desgastando em brigas judiciais.

Dagoberto e a torcida do Atlético estão em situação parecida. De um lado, vai ficando nítida a ingratidão do jogador. Do lado do Clube, torcedores com o orgulho ferido passam a se manifestar de forma mais ríspidas, com xingamentos ao ex-ídolo. Nós, colunistas, há tempo tentamos sugerir a Dagoberto que deixe a ingratidão de lado. Aos poucos, o tom vai ficando mais duro, começa-se a remexer o passado. Passa-se a visar o íntimo do jogador, dizendo que Dagoberto não ganhou nenhum título, não disputou nenhuma decisão pelo Atlético. Chega-se a um estágio perigoso, pois cresce a tensão e a ingratidão pode passar de um lado pro outro.

Outra situação que a novela Dagoberto me lembra é o jogo de poker. De um lado, a Massa Sports. De outro, a diretoria do Atlético. Cada atitude contém uma insinuação. Uma ameaça. Cada jogador procura se impor para subjugar o adversário. Muitas vezes com base no medo. Desde o início, esta negociação foi um jogo. A Massa pede X. O Atlético joga outro valor para negociar. Depois, vem à tona a questão da iminente redução na multa rescisória. Um duro golpe para cima do Atlético. Mas o jogador de poker sabe que não se pode mudar a postura no decorrer de uma mão. Fraqueje, e será engolido pelo adversário. Então o Atlético contra-ameaça com a possibilidade de levar o caso à Justiça, e depois com a negativa de férias.

No poker, também é difícil saber quem está blefando. Assim como é difícil saber se a última contusão de Dagoberto é um blefe para não exceder o limite de partidas que o impediria de se transferir para outro clube da Primeira Divisão, ou se é real, decorrente da quantidade de pancadas que ele recebe nos jogos (e nós sabemos disso).

O prolongamento desta situação é que me preocupa. No Judiciário, quanto mais longa a lide, maior é o desgaste psicológico e até mesmo financeiro da parte. No poker, quanto maiores as apostas, maior a chance de uma parte sair com tudo, e outra sair de mãos vazias.

Não vou mais mandar recados para Dagoberto. Muito menos diminuí-lo, isso é o que menos adianta para influenciá-lo a renovar com o Atlético. Minha preocupação é com a possibilidade, ainda que remota, de o jogador permanecer no Clube. Que clima o ex-ídolo encontrará? Será que vamos atingir um ponto em que não haverá mais solução eficaz para nenhuma das partes?

Da minha parte, vou me abster de remexer este assunto. Se Dagoberto renovar, ótimo. O apoiarei enquanto jogador do Atlético e torcerei para que futuramente encontre sucesso em um grande clube estrangeiro, como na Seleção Brasileira. Se rescindir seu contrato e for para um time paulista da vida, uma pena. Torcer contra ou desejar o mal é uma coisa que a vida me ensinou que não compensa. Neste caso, não vou torcer por nada, a vida cuidará de mostrá-lo se tomou a decisão certa ou não.


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