Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Exorcismo

29/05/2006


Tem coisas que só o Atlético faz por você. Foi um sábado de aleluia, depois de um longo calvário, arre égua, sai zica, xô uruca, saiu a vitória em casa com todas as nuanças de dramaticidade possíveis. Pênalti não marcado, bola no travessão, chute adversário tirado na linha, inúmeras chances perdidas e gol redentor do contestado, pelo corte de cabelo e pelas fracas atuações neste ano, Dênis Marques. Tinha que ser dele, não poderia ser de outro sujeito. Tinha que ser nos estertores, no pau da goiaba, de joelho ou cabeça ou coxa ou trança, aos quarenta e oito minutos da etapa final. Tinha que ser.

Parecia um longo exorcismo, uma sessão de luta conta o capeta por noventa e poucos longos minutos. No final, vem aquele grito: "sai!" ou melhor, "gol!". Depois a alegria volta ao rosto de todos, o pescoço pára de girar 360 graus, somem o olho vermelho e a voz gutural, desaparecem os estigmas corpóreos, volta a face de ternura de Linda Blair nos pouco mais de oito mil atleticanos presentes à sessão de descarrego. A alegria foi tanta que se vendesse só Malt 90 na Arena, não sobraria uma latinha pra contar a história. Por empolgação, loucura, adrenalina, grau etílico, ou por uma iluminação divina prevendo um futuro cheio de alvíssaras, tinha muita gente gritando "Bicampeão". Com Dênis Marques artilheiro da competição e Givanildo cotado para assumir o Real Madrid na próxima temporada.

Esse é o Atlético e é isso que forma o DNA desse time inexplicável, sem meios termos, de céu e de inferno. O morno faz o atleticano vomitar, em jatos, como a Linda Blair do Exorcista. O tépido aborrece, atleticano sente falta de drama, de emoções fortes, não gosta da coisa acontecendo normalmente, se está indo tudo muito na manha, na maciota, o atleticano teme que alguma coisa dê tragicamente errado. Se está tudo mal, o atleticano espera uma saída redentora, algo arrebatador e divino que o tire da situação. Vai ser difícil uma missa que tenha tanta gente ajoelhada como havia neste sábado na Kyocera Arena e em frente a televisores e rádios espalhados por todo país. O atleticano esperou que a vitória viesse dos céus, e ela veio. Nossa Senhora de Salete, padroeira do Atlético, convenceu a todos na reunião do board divino.

Talvez devêssemos ter mais equilíbrio, ser mais zens, estilo Buda, caminho do meio, temperança e tal. Talvez o atleticano, se buscasse ver as coisas com um ar de contemplação, conseguisse dar ao time a tranqüilidade para conseguir vitórias ou sair de crises. Mas todos sabemos que é impossível. As cores vermelho e preta são como gasolina e fogo, uma mistura que explode ao menor contato de uma com a outra.

Vestiu o manto Rubro-negro, o camarada fica automaticamente inflamável. Uma faísca e as labaredas flamejam, o caldeirão borbulha, a lenha estala. E é assim que vive o Atlético. Dá medo em quem é de fora. Assusta que está acostumado com mares menos revoltos. O Givanildo só agora deve estar começando a perceber o que é o Atlético. O Atlético é calor no frio curitibano, é o ponto mais quente da cidade. É a pimenta mais braba, daquelas que o sujeito faz cara feia quando come, mas adora.

É bom ter uma diretoria como essa, que é mais razão. Os caras lá não entram nessas ondas cataclísmicas que emergem da massa atleticana. Porque é unindo esta emoção incomensurável, com uma razão pragmática e objetiva, que o Atlético fica gigante. Toda pimenta precisa de um bom copo de água gelada. Depois de comer o sal, a gente precisa do açúcar.

O Atlético, nos últimos onze anos, conseguiu fazer a melhor união entre a sua enorme paixão e a razão que é necessária para administrar um clube grande e que deseja ser maior ainda. É a razão que dirige a paixão para que esta seja uma aliada. Uma não vive sem a outra, mesmo que vivam brigando. Ninguém pode agir com a razão sem deixar de ouvir o que o coração está dizendo. Fazer o que tem que ser feito, mas sem deixar de ouvir a torcida. Buscar a melhor química entre os sentimentos e os raciocínios. No Atlético é assim que funciona.


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