Jones Rossi

Jones Rossi, 46 anos, é repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, e um dos fundadores do blog De Primeira. Foi colunista da Furacao.com entre 2005 e 2008.

 

 

Alguns têm Leão, nós temos Matthäus

09/02/2006


O estilo de Lothar Matthäus nas entrevistas coletivas evidencia a enorme distância dele para os técnicos brasileiros. Enquanto por aqui o costume é esbravejar contra a imprensa e a arbitragem, Matthäus se atém ao componente técnico das partidas e costuma ser claro e objetivo. Ainda é cedo para dizer se vai dar certo ou não - até porque não depende só dele, mas com certeza está acima dos similares nacionais.

A iniciativa de trazer Matthäus é boa justamente por romper com a monótona ciranda dos técnicos de sempre no futebol brasileiro. Sai Tite, entra Oswaldo de Oliveira, sai Oliveira, vem Abel Braga, vai Abelão, vem Tite, e assim o ciclo se completa e o futebol brasileiro segue no discurso batido dos técnicos "profissionais" e motivadores. Não sai disso porque não têm capacidade. E mesmo assim a imprensa os endeusa como sábios detentores dos segredos do futebol.

O primeiro sinal de que a coisa ia mal foi ver os jornalistas chamando os técnicos de "professores". Num futebol vazio de estrelas como o brasileiro (já que a maioria está no exterior), os treinadores ganharam ares de ganhadores do Prêmio Nobel. Embora quase todos sejam pouco mais que motivadores com uma biblioteca cheia de livros do Nuno Cobra, a bajulação da imprensa os fez acreditarem que eram todos Rinus Michels redivivos. Emerson Leão é o ponta de lança desse movimento. De tanto escutar que era professor começou a considerar-se mais, mestre e doutor. Na verdade é só mais um idiota que com o ego inflado pela imprensa.

O chilique que deu ontem após o empate do Palmeiras com o Guarani, quando empurrou um cinegrafista e agrediu um repórter, é coisa de xarope - para usar um gíria paulistana. Leão demonstrou não ter o mínimo respeito que uma pessoa deve ter pela outra, pelo menos para quem vive em uma sociedade mais ou menos civilizada. Sua atitude sociopata é típica de quem acredita-se superior - e, no caso de Leão, bota superior nisso.

Como expoente principal dos técnicos "de ponta" incensados pela imprensa (Luxemburgo, PC Gusmão, Muricy Ramalho, Abel Braga e mais uns dois aí que eu não lembro), Leão adota um comportamento de sargento de campo de concentração. Suas qualidades autoproclamadas são aquelas de sempre: disciplinador, motivador, gênio da tática e, acima de tudo, extremamente profissional. Claro que tudo não passa de balela. A faceta disciplinadora de Leão é a mesma de um pai que espanca os filhos, motiva na base do medo, tem o mesmo conhecimento tático que o técnico do Brasinhas da Zona Leste e seu profissionalismo pode ser comprado por um punhado de dólares que venham do Japão.

Se o espelho é o melhor amigo de Leão, os números não lhe são tão amistosos. Leão ganhou um campeonato nacional, o Brasileiro de 2002, no comando do Santos. Ou seja, está no mesmo nível que um monte de técnicos - Joel Santana também tem um Brasileiro, e atrás de um Oswaldo de Oliveira, por exemplo, que além de campeão brasileiro é mundial. E só um idiota colocaria aquele Brasileiro na conta do Leão. Aquele título é de Robinho, Diego e companhia. Jovens talentos que só entraram no time por absoluta falta de opção. Na outra passagem dele pelo Santos, em 1998, resolveu rechear o time com medalhões como Viola. Na época em que nem Brasileiro no currículo tinha, foi chamado para ser o técnico da Seleção nas Eliminatórias, sucedendo outro egomaníaco, Luxemburgo. O ex-técnico do Real Madri aprontou feio nas Olimpíadas - deixou Ronaldo fora do time, só para lembrar uma das bobagens cometidas - e foi defenestrado com justiça. No meio da crise, Leão veio. Falou em "futebol bailarino" e outras sandices e acabou escalando um "timaço" com Marcelinho Carioca, Everton, Alessandro e outros menos votados contra o Peru no Morumbi. Conseguiu um empate. Deixou mais uma vez os melhores de fora e levou um time meia boca - tinha até o Roni - para a Copa das Confederações de 2001, no Japão. O Brasil do "professor" Leão conseguiu perder para o Japão nas semifinais e para a Austrália na disputa do terceiro lugar. Foi despedido por telefone no avião que o trazia de volta. No São Paulo, onde começou a ficar mais chato que o de costume, ganhou o estadual do ano passado e foi embora para o Japão no meio da Libertadores. Não conseguiu livrar o time japonês do rebaixamento e voltou para fazer o Palmeiras quarto lugar no Brasileiro - mesma posição alcançado por Estevam Soares em 2004 com um elenco inferior ao de 2005.

Mesmo com estes números não mais que razoáveis - alguns bem ruins, na verdade - de forma surpreendente a imprensa sempre o teve em alta conta. Agora está tendo de agüentar o monstro que ela própria criou. Tomara que aprenda que poucos técnicos fazem a diferença. Leão, definitivamente, não é um deles.


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