Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Os Iluminados

12/12/2005


A Baixada estava iluminada. Passando pelo portão de entrada, já dava para ver o clarão embranquecendo a noite. Caminhando mais um pouco, paro no último degrau do lance de arquibancadas mais próximo à entrada e admiro, em singelo êxtase, sorrindo de orgulho: os novos refletores do estádio foram inaugurados. Naquele jogo contra o Barra do Garças, time do centro-oeste brasileiro, o Atlético colocava luz em sua vida.

Estávamos no começo da caminhada. Os primeiros passos, a gênese da grande revolução. Se, naquela noite, fosse contada a qualquer um a história desses dez anos que ali se iniciavam, poucos ousariam a acreditar verdadeiramente o que estaria reservado para nós no futuro. O Futuro daquela época é hoje, e lembrar daquele jogo na Baixada, o primeiro em casa daquela campanha, é entender porque tudo se realizou. A fé, o orgulho, a alegria e a simplicidade do povo Rubro-negro estavam naquelas arquibancadas abençoadas. Uma gente iluminada, de uma instituição iluminada.

Conhecemos de perto os jogadores que chegaram para defender as nossas cores naquela empreitada. Entre eles, o herói Ricardo Pinto apresentava-se à torcida atleticana. Paulo Rink, garoto da casa, após andar pela Chapecoense, estava de volta. Oséas, o baiano que chegou com um tal Cute, que não vingou, ainda estava longe de ser o astro das trancinhas, mas já tinha guardado uns tentos nos primeiros jogos fora de casa. A torcida estava animada, o Atlético, que vinha de um primeiro semestre melancólico e campanhas frustrantes nos anos anteriores da série B, tinha começado bem o campeonato, mesmo perdendo a primeira para o Goiatuba. Mas não eram as vitórias fora de casa contra o mesmo Barra do Garças e para o Novorizontino que deixavam a torcida esperançosa. Era um sentimento sincero que havia algo de bom reservado naquele ano. A inauguração do modesto sistema iluminatório era um símbolo de que, pouco-a-pouco, a gente iria avançar rumo ao topo. Não se sabia que "topo", mas hoje sabemos que é o topo do futebol nacional, onde nos encontramos atualmente.

O Atlético mete três naquele desconhecido time de camisas azuis a dali segue em diante, "abotoando" - termo bastante usado na época, popularizado no principal, senão único, veículo de informações amplas sobre o futebol paranaense na TV, o "Mesa Redonda" - seus adversários, um a um, seguindo em frente no campeonato. Após um empate com o Londrina e uma derrota para o Mogi, fora de casa, sai Zequinha e entra Pepe no comando técnico. E nenhum atleticano que lá estava esquece aqueles seis a zero contra o Mogi na estréia do Pepe. A tensão que havia antes do jogo e as dúvidas quanto ao futuro no campeonato foram dissipadas. Foi uma tarde de sol, futebol, cerveja, alegria e muitos, muitos gols. Ali, o Atlético embalou e a confiança de que seria catapultado à primeira divisão era indestrutível.

Não fui a Mogi Mirim para o decisivo embate. Fiquei com o ouvido colado no alto-falante do rádio do aparelho de som do meu quarto, sozinho, em pé. Sabia que seria difícil. No jogo anterior, contra o próprio Mogi, a gente ganhou suado, de pênalti, na Baixada, gol de Everaldo. E havia chegado a hora da verdade. Nas ondas da AM, a voz de Carneiro Neto dava o tom da emoção, que se agigantou incomensuravelmente com a fuzilada de Paulo Rink no único, mas mais do que necessário gol naquele dia 10 de dezembro de 1995. O iluminado Atlético galgava, em embalada toada, firme e decisivo, ao lugar que sempre pertenceu. Um sonho transfigurava-se em verdade, enquanto o hino atleticano soava magnânimo na freqüência do dial, com a voz do Carneiro, ensandecida e embargada, torporizando de alegria milhares de Rubro-negros ouvintes.

Hoje, participamos de pelejas maiores, mas aquela não foi menos grandiosa. O Atlético Campeão Brasileiro de 2001, dono da Kyocera Arena e vice-campeão da Libertadores da América, não seria nada sem aquele semestre da sua história, sem aquele dia 10 de dezembro de 1995, dez anos atrás. Se hoje chegamos num nível de excelência em que um descenso à uma série B se torna impensável, devido ao vigor da instituição, é porque um dia ousamos nos tornar fortes para valer e acreditar na força de um ideal. Um ideal que nos guiou e nos guia até hoje, como a luz de um farol em águas tormentosas na imensidão do mar dos nossos sonhos. Não acreditamos em um amor maquiado pela vaidade e por lágrimas de vergonha. O sentimento do povo Rubro-negro é baseado na confiança de que, sempre que quisermos sincera e verdadeiramente realizar nossa aspirações, nós conseguiremos. Foi este sentimento que iluminou nosso caminho naquela noite na Baixada e clareia a vida de multidões desde 26 de março de 1924.


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