Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Humor negro

26/10/2005


Levado por um sentimento que misturava curiosidade e sadismo, parei em frente à TV para assistir a Coritiba e Cruzeiro. Fui testemunha de um cenário de profunda melancolia. De um vazio de esperança manifestada em cada ação do escrete verde e nos rostos vermelhos em desespero mostrados a cada close das câmeras.

Nem a narração de Jasson Goulart conseguia competir em desolação com as cenas mostradas no vídeo. Eram um registro de uma gente caminhando para o lodaçal. Era o Coritiba "Foot Ball Club" andando como um zumbi, friamente, rumo à segunda divisão. Meu sadismo aumentava a cada passe bisonhamente errado, a cada lançamento estapafúrdio, a cada chute "pela baliza", como diria o mentor-mor do jornalismo esmeraldino. Os closes na outrora altiva torcida verde representaram ainda mais diversão sádica após o gol de Kelly e do Gabiru, ex-atleticanos, carrascos verdes desde seus tempos rubro-negros.

Os coritibanos, sim, eles, tentavam não vaiar o time. Quase me condoí com a cena de algum grupo organizado verde que não sei o nome que tentava pular e dar força para o time. Ninguém quis seguí-los, assim como ninguém vaiou o time também. A torcida, tirando alguns que protestavam contra o dirigente turmalino, considerado d’antes canônico gênio realizador, parecia resignada, aceitando e já se conformando. O futebol que fora apresentado por aquele time fraquíssimo, realmente despertaria este tipo de melancolia naquele povo, que já ostentou posada arrogância.

Melancolia e vazio manifestadas nas faixas de torcida de cabeça para baixo. No jogador que foi cobrar o arremesso lateral e não conseguiu, a bola brigou com suas mãos como se dissesse: "não és digno de ter-me", e pulou de seus dedos, rebatendo em sua corcova e caindo no gramado e pererecando para fora novamente, causando uma reversão. Melancolia expressada em cada saltito comemorativo do "Vovô Coxa", um boneco cabeçudo, que parecia mais decoração do trem-fantasma do antigo Parque Alvorada, que a cada ataque pra lá de frustrado do time verde, lamentava como se dissesse: "quase!" e em seguida tentava animar o povo, que já aos 35’ do segundo tempo deixava o estádio.

O dirigente que "sabe fazer time", que "tem empatia com a torcida", que "não promove a elitização do futebol", assistia detrás de sua barba e de seu cabelo de São Nunca, dentro de um aquário VIP, o espetáculo de horrores do seu time e os gritos sôfregos da meia dúzia que se postava em frente ao vidro do aquário, xingando-o e o acusando de ladrão com o tradicional gesto de palma estendida, polegar no centro da palma e movimento giratório com o restante dos dedos. Em mais uma maquiagem do tremendo "Monumental", colocará Insulfilme no vidro do aquário para poder acompanhar mais tranqüilamente o próximo jogo dali?

O apito final é trilado e em mim o sentimento era de humor negro, e daquela sensação sádica que muitos atleticanos devem estar sentindo de: "aqui se faz, aqui se paga". Uma sensação de que tudo é merecido para aquela gente, principalmente para seus manipuladores dirigentes, que ao longo dos anos sustentaram, com malas de dinheiro a juízes, a arrogância daquele povo. Mas não me senti de alma lavada. Tomei o último gole de cerveja, desliguei a TV e fui tomar um banho para depois dormir. Sem sentir dó, nem alegria, nem nada. Só com a sensação de que o destino da gente é a gente mesmo que faz e procura. E isto me deixou com uma grande indiferença quanto ao sofrimento daquele povo.


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