Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Mês do cachorro louco

01/08/2005


Agosto é o mês do cachorro louco. E também do jogador louco, do dirigente louco e do empresário louco. Até dia 31 de agosto, os times da Europa e Ásia definem seus elencos para a disputa de mais uma temporada de futebol. O frisson das especulações já começou. E no Atlético não poderia ser diferente. Os jogadores do vice-campeão da América já são sondados para integrar elencos de times estrangeiros.

Esse grande feirão de ofertas já é comum, absolutamente integrado à cultura do futebol brasileiro dos últimos anos. Geralmente, a torcida coloca a culpa do desmembramento de seus times no meio da temporada nos dirigentes. Os acusam de só pensar em dinheiro, em lucro. No Atlético também é assim. Petraglia e Fleury, perante parte da torcida atleticana, tornaram-se implacáveis mercadores que recheavam navios negreiros de atletas. É a paixão mais uma vez vindo antes da compreensão.

Fernandinho acabou de ir para o Shakhtar Donetsk. Gosto de futebol e acompanho o esporte em vários países, mas perdoem-me a ignorância, só com a venda do Jadson que eu fui saber que esse tal "chaquetar donétisqui" existia. Time da Ucrânia eu só lembrava do Dínamo de Kiev e olha lá. E Fernandinho saiu por oito milhões de euros, grana a dar com o pau. É para percebermos como as ofertas são tentadoras e vêm de todos os lados. Até dos mais inusitados.

O assédio para as bandas do Umbará não cessa. Lima, Aloísio, Evandro, Diego, Marcão e outros do elenco, podem ter certeza, já têm suas propostinhas debaixo do braço de seus respectivos representantes. Se o Brasil tem o melhor futebol do mundo, a maior vitrine, e o Atlético é um dos grandes do Brasil e o segundo da América no momento, é lógico que seus jogadores são motivo de cobiça dos endinheirados clubes de fora. Este momento de especulações é mais forte do que o do início do ano porque é agora que as equipes de fora são formadas.

Uma equipe demora meses até ser formada, entrosada e pronta para conquistas. Mesmo um time com grandes estrelas precisa de tempo para estar pronto. O time do Atlético, depois de vários meses, finalmente é um time realmente. Hoje sabemos a formação titular na ponta da língua, sabemos o que esperar de cada um do elenco. O time está prontinho. Cada jogador sabe onde o outro está dentro de campo. O técnico tem o time na mão. Os atletas já estão com ritmo. Depois de um grande desmanche no início do ano e com jogadores vindo aos montes para a formação da equipe, o time foi formado durante as competições que disputou. Das quartas-de-final da Libertadores para frente, o Atlético tornou-se o time que conhecemos hoje, depois de vários testes de jogadores e técnicos.

Muitos falam em planejamento, como se esta fosse a palavra mágica que faria tudo de bom acontecer a um time. Convenhamos, isto não existe no Brasil. Não dá para fazer planejamento aqui. Estamos à mercê do que move o mundo, que é o cascalho, grana, tutu, mânei. O tal Shakhtar estragou a cabeça de um jogador nosso por vários meses, o Fernandinho. Qual será o próximo clube estrangeiro a fazer desandar as coisas aqui no nosso lado? Estamos com o time certinho, pronto para decolar no campeonato nacional, mas a qualquer momento pode vir alguém e mudar o rumo das coisas.

Advogados ganham na justiça com certa facilidade as causas trabalhistas que liberam os jogadores a seguir seu caminho, se os clubes dificultarem as coisas. Os empresários leiloam os seus pupilos e os lances chegam a valores astronômicos até por jogadores comuns. A lei está escrita e segui-la à risca significa perder jogadores. Os clubes nacionais dependem quase que exclusivamente das receitas advindas de negociações. Os jogadores seduzem-se facilmente pela vida idealizada de belos carros, mansões e sucesso na Europa, que apenas alguns conquistam. Dinheiro no cofre dos clubes, na mala do empresário e no bolso dos jogadores.

Dinheiro conquistado, mas o sucesso profissional e a satisfação de fazer um bom trabalho e deixar marcas na história de um clube muitas vezes ficam para trás. O Atlético agora tem um time certinho. Jogar num time certinho ajuda todos a se destacarem. Um bom jogador num time irregular é uma coisa. Um bom jogador entrosado num time azeitado é outra. Sua reputação é valorizada. Muitos destroem suas reputações ao sair correndo para Europa e, ao chegar lá, amargam a falta de adaptação ao país, a barreira da língua, a falta de lugar no time e esquemas de treinamento diferentes. Reclamam da frieza do clima e dos companheiros de time. E aí, esquentam o banco de reservas ou nem para ele são relacionados.

Por isso, os nossos jogadores deveriam resistir às ofertas deste meio de temporada. E não é burrice ou ingenuidade ficar. É inteligência. Este time atleticano, arrumadinho como está, pode valorizar ainda mais seus integrantes, que terão melhores atuações devido ao bom conjunto. Pode chegar a conquistar uma vaga em algum torneio continental. Fica bom para todas as partes, jogadores, empresários e clubes. Não se deve pensar exclusivamente com o bolso, um pensamento a médio prazo pode fazer com que jogadores retardem suas transferências em prol de bons desempenhos profissionais.

Infelizmente, o mundo deixou o dinheiro falar sempre mais alto. Chega até a ser romântico este humilde texto, falando de priorização ao bom desempenho profissional, de resistir a ofertas de euros, dólares, ienes. Ainda mais em se tratando de uma categoria em que a massacrante maioria vem de classes sociais baixas e as transferências são a possibilidade de realização financeira em uma carreira fugaz. Mas quem está neste time atleticano hoje está tendo uma grande oportunidade de valorizar ainda mais suas carreiras. Deixar uma imagem de bons profissionais. Houve um tempo em que reputação e honra faziam parte da vida de um homem. Hoje o dinheiro está em primeiro lugar.

Em um Brasil que vive dias de malas e cuecas de dinheiro, de caixas dois, de crises de moral e ética, causadas pela ambição desmedida ao dinheiro, pela busca priorizante ao vil metal, o momento é de reflexão. Será que o dinheiro deve ser sempre o único fim? É só por isso que trabalhamos, é só isso que buscamos? No caso dos jogadores, fazer parte de um excelente grupo, priorizando resultados e conquistas profissionais é menos importante do que ganhar dinheiro hoje, agora mesmo, custe o que custar e seja onde for? Até mesmo em países ameaçados por ataques terroristas, em uma Europa que se tornou quase tão perigosa quanto nosso país? Esta ânsia pode deixar rico aquele garoto bom de bola, que corria descalço nos campinhos de areia e terra batida e que o destino içou da pobreza. Mas pode deixá-lo infeliz num banco de reservas qualquer, sentindo o banzo da terra natal, rico, porém contando os dias para voltar. Mas não é aquele garoto que decide o destino da sua vida. Para falar a verdade, eu acho que ninguém mais decide os destinos de sua própria vida. É o dinheiro. Afinal, tudo é "business" *.

* palavra inglesa que significa "negócios"


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