Ricardo Campelo

Ricardo de Oliveira Campelo, 44 anos, é advogado e atleticano desde o parto. Tem uma família inteira apaixonada pelo Atlético. Considera o dia 23/12/2001 o mais feliz de sua vida. Foi colunista da Furacao.com entre 2001 e 2011.

 

 

Sentido: Sul

05/07/2005


Sentido: Sul

Desde que se cogitou tirar o jogo da Arena, não passou pela minha cabeça jogar em outro estádio que não o Beira-Rio. Londrina seria loucura, pois, no norte do Paraná, os – me perdoem o termo – pela-sacos de paulistas são muitos. Na verdade, qualquer estádio que se localize para cima de Curitiba não seria adequado por guardar mais identidade com os paulistas do que com o Atlético.

Para o Sul: este é o nosso sentido. No Sul desse Brasil é que temos que jogar, mesmo. Esse Sul que é sempre menosprezado pelos paulistas, que cansaram de alcunhar os times daqui de “violentos”. Sul que é sempre visto pelos paulistas como região que só tem chimarrão, bombachas ou caipiras. Vejo jogadores do São Paulo agora dizendo que o Atlético é um time “gringo”, que joga diferente dos brasileiros. Por trás destes falsos elogios, que só têm a intenção de esfriar o clima, está o preconceito em achar que futebol de brasileiro não pode ser baseado na raça, como é baseado hoje o Atlético e sempre o foram os times daqui do Sul.

Tenho certeza que o Atlético será muito bem recebido em Porto Alegre e que envergará o espírito do Sul contra os “donos da bola” paulistas.

Vale-tudo

O que mais me decepcionou na atitude do São Paulo não foi a esquivada que deu para não jogar na Arena, mas sim os motivos alegados. Seria muito mais digno ter culhões ao menos para assumir: “não queremos jogar na Arena, pois nela o Atlético se fortalece. Vamos aproveitar a brecha no regulamento, como muitos aproveitariam.” A desculpa do dirigente tricolor Marco Aurélio Cunha, utilizando o desrespeitoso termo “puxadinho”, é hilária. Primeiro, porque o espaço das tubulares seria destinado à torcida do Atlético, sem riscos aos torcedores são-paulinos. Segundo, será que o São Paulo, quando for enfrentar os times cariocas, pelo Brasileiro, na Petrobrás Arena, vai pedir a mudança do regulamento e a transferência do jogo, alegando falta de segurança?

Pra quem não lembra, Marco Aurélio Cunha foi médico do Coritiba em 1996. Naquele ano, o Atlético venceu os verdes na Baixada na base do grito da torcida e no gol de Oséas. Desde então, o agora dirigente tricolor já conhece a força da Baixada. Tanto que chegou a afirmar que concordaria em jogar a final da Libertadores no Couto Pereira – que também não cumpre as exigências regulamentares. Ou seja, desde que o Atlético estivesse fora da Arena, aí o regulamento poderia ser deixado de lado.

Valeu de tudo para tirar o jogo da Baixada. Menos assumir o real motivo.

Dogmatismo

Vendo são-paulinos, ou os cronistas paulistas, escondidos atrás do regulamento, ocorre-me o exemplo, lembrado por um amigo, freqüentemente usado em cursos de Direito: um guarda de uma estação ferroviária viu-se questionado ao proibir a entrada de um Domador de circo com seu urso acorrentado.

- Mas seu guarda, o aviso proíbe a entrada de animais domésticos, o que não é o caso do urso, que é, sabidamente, um animal selvagem.

Ainda não concluída a discussão, o guarda permite o acesso de um cego com seu cão guia pela coleira.

Acertou o guarda, em ambos os casos, pois respeitou o espírito da lei. Sapiência que faltou aos cartolas paulistas e paraguaios na definição do local da final. Permitiram a entrada do urso (Morumbi, que apesar de ter capacidade para 40 mil pessoas, não oferece segurança – River Plate que o diga), e vetaram a entrada do cão guia (Baixada, que ofereceria segurança e modernidade para 23 mil pessoas).

Aliás, se o dogmatismo imperasse no futebol, o Brasil não teria enfrentado a Suécia, em 1994, pela primeira fase da Copa do Mundo, no estádio Pontiac Silverdome, em Detroit, cujo gramado tinha dimensões (largura) menores do que as regulamentares. A diferença é que o Brasil não temia por uma vitória da Suécia.


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