Cahuê Miranda

Cahuê Miranda, 46 anos, é jornalista. Atleticano de pai, mãe e avós, cresceu ouvindo histórias sobre Alberto, Marreco e Levoratto. Esteve em todas as finais disputadas pelo Atlético desde 1985 e sabe, de cabeça, a escalação do Furacão de 49.

 

 

Jogo do absurdo

05/07/2005


A final da Libertadores deste ano pode ficar marcada como uma mancha negra na história do maior campeonato do continente. Através de um jogo sujo de bastidores, um momento que deveria ser apenas de alegria para o futebol brasileiro está comprometido ética e esportivamente.

Ao empurrarem goela a baixo do Atlético o Beira-Rio, como o "seu" estádio na grande decisão, a Conmebol e a CBF, em benefício do São Paulo, deram ao torneio um rumo que pode acabar sendo negativo para o próprio clube paulista, mesmo em caso de título tricolor.

Se já não era favorito, o Atlético passa a ser agora o grande azarão da final. De maneira vergonhosa, está sendo afastado, em mais de 700 quilômetros, de seu estádio e principalmente de sua torcida. Mas passou a ter a seu favor a vantagem moral. Se perder o título, ficará na história como um time que foi injustiçado, vítima de interesses escusos. Se for campeão, o será de forma heróica, pois terá superado muito mais que um forte time adversário.

Já o São Paulo, desde o início apontado como um dos principais candidatos ao troféu, tem agora o status de favorito absoluto. O título se tornou praticamente uma obrigação para tricolor paulista, que jogará em seu estádio depois do primeiro confronto em campo neutro. Mesmo se der a volta olímpica diante de sua grande torcida, o time do Morumbi ficará com o gosto amargo de um mérito discutível, pois conquistado em disputa desigual.

Quando marcou a partida desta quarta-feira em território gaúcho, a Conmebol rasgou o próprio regulamento, que seria justamente o motivo irrevogável para a transferência. O Atlético tem hoje um estádio com capacidade para 40.800 pessoas. Apresentou à CBF e à confederação continental os laudos que comprovam a segurança das arquibancadas metálicas. Arquibancadas idênticas às utilizadas em campeonatos internacionais de vôlei de praia, em corridas de Fórmula 1, e mesmo em jogos de futebol, como acontece no Rio e Janeiro e aconteceu nesta mesma Libertadores, em Santo André. O Atlético só as construiu após receber um comunicado da CBF que solicitava, para a liberação, os mesmos laudos apresentados nesta segunda-feira.

Além de proibir o Atlético de jogar em seu estádio, que está adequado às normas da competição, a Conmebol quebrou suas próprias regras ao transferir o jogo para fora de Curitiba. Está lá escrito, no mesmo capítulo que trata da capacidade dos estádios, que a mudança de um jogo para outra cidade, que não a do clube mandante, deve ser feita com no mínimo dez dias de antecedência. De uma hora para outra, o regulamento, antes soberano e imutável, passou a ser vulgar e descartável.

A segurança do torcedor foi usada para como argumento para o veto à Arena, o mais seguro estádio do Brasil. Mas não foi lembrada na hora de marcar o jogo a milhas de distância de Curitiba, fazendo com que milhares de pessoas se desloquem até o Rio Grande do Sul, em estradas com padrão brasileiro de qualidade. E com a grande possibilidade de um confronto entre duas enormes torcidas durante a viagem.

Acima de tudo, fica o ultrajante desrespeito ao torcedor atleticano que passou noites dormindo ao relento em busca de um ingresso. E a falta de consideração com quem trabalha e não pode se deslocar até os pampas no meio da semana, e com está impedido de acompanhar este momento histórico para o futebol de seu clube, seu estado e seu país.

Mais uma vez o jogo sujo e absurdo dos cartolas está sendo mais decisivo que o talento e a superação dos atletas. Mais do que nunca, torço pela reviravolta, pala a consagração de um campeão limpo e indiscutível.


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