Sergio Surugi

Sergio Surugi de Siqueira, 66 anos, é Atleticano desde que nasceu. Neto de um dos fundadores, filho de um ex-presidente do Atlético, pai e avô de Atleticanos apaixonados, é doutor em Fisiologia e professor. Foi colunista da Furacao.com entre 2005 e 2009.

 

 

Argentina sem vergonha

12/06/2005


A derrota do Brasil por 3 a 1 em Buenos Aires pode ser facilmente resumida em dois fatos incontestáveis e emblemáticos em relação ao atributo de defender-se: a incrível eficiência argentina e a impressionante incompetência brasileira. Mais além do jogo e do resultado, somos levados a analisar mais profundamente o conceito de defesa no futebol.

Culturalmente o brasileiro está condicionado à demonizar a defesa e os defensores, afinal, ganhamos cinco Copas com zagueiros que variavam do razoável para o horroroso. No Brasil confunde-se defesa com retranca, somos o país da irreverência irresponsável e talentosa que (quase sempre) dá certo.

Os bons temperos tupiniquins vieram da velha escola gaúcha, que mesmo importando zagueiros uruguaios, chilenos, argentinos e paraguaios, formou times vitoriosos e encantadores, apesar do preconceito e da rejeição da crônica Rio-SP, contumaz apologista do futebol arte-circense. Coincidência ou não, a decadência do futebol gaúcho foi marcada pelo desaparecimento de bons zagueiros nativos ou estrangeiros.

Além do fator cultural, o mercado de jogadores também está inibindo o surgimento de bons defensores. Jogador brasileiro para ganhar noteriedade, fama internacional e dinheiro rápido deve ser goleador e/ou malabarista, o que faz com que desde as escolinhas nenhum menino com talento se sacrifique a escolher a zaga como posição.

A Argentina, entre outras coisas, mostrou ao Brasil na última quarta-feira que não existe incompatibilidade entre atacar com quatro ou cinco jogadores, preencher espaços tocando a bola com categoria no meio e, pasmem, defender com onze, suprema vergonha para os padrões verde-amarelos.

Por outro lado, a falta de vergonha não parou por aí e na verdade começou muito antes do apito inicial em Nuñez. Diego Armando Maradona foi à concentração canarinho pedir autógrafo à Ronaldinho Gaúcho, a imprensa, técnicos e jogadores reconheceram que o Brasil é o "dream-team" do momento. O clima que na nossa cabeça seria de guerra, foi de um tal reconhecimento da nossa superioridade, que para muitos poderia se confundir com submissão.

Entre a quarta-feira passada e a próxima existe uma semana. Espero que tempo suficiente para que a lição argentina possa ser assimilada pelo Atlético, até porque o Santos é indiscutivelmente hoje o time que melhor representa o futebol brasileiro típico. As evidências foram claras e os resultados não deram margem à contestações. É possível defender-se sem ser retranqueiro e medroso, é possível reconhecer a superioridade do adversário sem ser submisso, é possível vencer um time de talento quando existe determinação, disciplina tática e principalmente concentração total durante os noventa minutos. A propósito, a Argentina destes 3 a 1 só não foi perfeita porque depois dos sessenta minutos de jogo, deixou-se contaminar pela sua (também cultural) arrogância, desconcentrou-se da partida e em quinze minutos quase cedeu o empate, mostrando que a lição da Copa América ainda não está na ponta da língua.

Enfim, os bons e vitoriosos exemplos, assim como os maus, estão aí para que se tire proveito deles.

Que a determinação, a concentração e a perspicácia vindas da Argentina acompanhem o Atlético e a frente fria, chegando à Santos no próximo dia 15. É possível sim, sair da Vila Belmiro com a classificação para as semifinais da Libertadores, mas talvez, para que o feito histórico e heróico seja alcançado, seja preciso perder a vergonha. Sem contudo e como mostraram muito bem "nuestros hermanitos", deixar de ser inteligente.


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