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Juliano Ribas
Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.
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Deus ou demônio
16/05/2005
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Lembro agora dos meados da extravagante década de oitenta, quando foi lançado o Gol GT, carro que deixou a piazada da época com o queixo arrastando no chão. Quem tem trinta anos ou mais lembra do lançamento deste esportivo que veio para rivalizar com o Escort XR3, em uma época em que os automóveis brasileiros eram, em matéria de sofisticação, poucos estágios acima das carroças. Esse carro vinha com um item de série que era um dos seus diferenciais: bancos Recaro.
Desde essa época, os bancos Recaro são conhecidos pelo público brasileiro como sÃmbolo de sofisticação e esportividade. Recentemente, estes itens de conforto automotivo voltaram à voga, pelo menos nas cercanias paranaenses, pela instalação de um conjunto deles no estádio "Major" Antônio Couto Pereira. Vimos, em fotos e com ampla cobertura da imprensa, aquele que foi cantado em prosa e verso como o "banco de reservas mais moderno do Brasil". Não sei se os bancos verdes são realmente da grife Recaro, mas esta ignóbil tentativa de imitar o Real Madrid deu muito o que falar nas páginas e ondas médias paranaenses.
O Petraglia tem razão de estar irritado com a imprensa. O Atlético realizou um congresso internacional sobre futebol e pouco mais que algumas notas de pé de página registraram o evento. Ninguém deu muita bola para os americanos. Assim como ninguém deu muita bola para o bicampeonato da Dallas Cup. Os bancos Recaro são mais notÃcia. O ambiente atleticano é registrado com mais destaque, na maioria das vezes, quando há crise, que ganha tons de desgraça nas tintas de parte da imprensa. A manchete de um jornal que acompanha festivamente o futebol do estado, um dia após a goleada pelo Independiente, era "Atlético no Chinelo", e mostrava o jogador Rodrigo Souto deixando o Umbará desolado, de chinelos de dedo, calça surrada de moleton, saco preto de lixo nas costas, cabelo desgrenhado e lágrimas nos olhos. Uma cena de cortar o coração. Para muitos foi uma crueldade. Para mim, foi sensacionalismo barato.
Rodrigo Souto ganha, por baixo, de quinze a vinte e cinco mil reais mensais. Não teria dinheiro para ter uma mochila decente? Um tênis? Um jeans? Não podia ter pegado o táxi com o mÃnimo de dignidade? Precisava apresentar-se como um indigente? Onde estava o seu carro, o Audi, o Golf ou a Pajero que qualquer boleiro de hoje tem? Rodrigo Souto deveria ter um pouco mais de orgulho, de brios. Mas o Atlético, leia-se Petraglia, é que foi colocado como carrasco na história. Chego a pensar se tudo ocorreu da forma como foi relatado. Ainda mais que depois o Rodrigo Souto foi reintegrado. E ainda tem a história do Dagoberto, que ficam levantando suspeitas e supondo fracasso na cirurgia, sabendo-se que, levando-se em conta a gravidade da lesão, a recuperação não seria mesmo rápida. Quem já jogou uma pelada na vida sabe que com ligamento de joelho não se brinca. A diretoria, por sua parte, deveria ter informado com mais clareza sobre a recuperação do valioso atleta, já sabendo do interesse que ele desperta. Mas nada justifica as insinuações de desastre cirúrgico e até a possÃvel inutilização de Dagoberto.
Na tentativa de demonizar a figura de Mário Celso Petraglia vale tudo. Vale pegar suas expressões faciais mais esquisitas e transtornadas e colocá-las numa seqüência de fotos no caderno esportivo. Vale colocar toda a imprensa como vÃtima, mesmo que nela existam pessoas que desonrem a bela profissão e que exercem um jornalismo empÃrico e tendencioso. Já ouvi até gente dizendo, atleticanos, pasmem, que dirigente bom é o Gionédis, que assiste jogo no meio da galera e que deu um banho de aparência no Tremendão. Um dirigente que quebrou o clube ainda mais, contratando "estrelas" a peso de ouro que só habitaram o departamento médico, que montou um time medÃocre eliminado pelo Treze de Campina Grande, que levou o time para jogar a quatrocentos quilômetros de Curitiba num naufrágio de marketing e é investigado na justiça por supostas ações fraudulentas. Este não é odiado por sua torcida, muito pelo contrário, é festejado, mesmo tendo oferecido a ela pouco mais do que um conjunto de bancos esportivos. Vai entender.
Este maniqueÃsmo, que transformou Petraglia em Belzebu e Fleury em Cérbero, está turvando a formação da opinião de muitos. O slogan "ei, Petraglia...", principal, senão única criação em meses da Torcida Os Fanáticos, cantado desde o semestre passado, é hoje, graças à má fase em campo e a pintura que se faz do dirigente, cantado por pessoas que estão apenas querendo um time melhor e resultados, que não estão preocupadas sobre o desenrolar da questão da bateria. O grito ganhou apoio e infelizmente está mais forte que os gritos de "Atlético". Tudo parece que saiu do controle e muitos atleticanos estão perdidos no meio disso tudo, torcendo e rezando silenciosamente para que isso tudo passe logo.
Petraglia não é um dirigente, nem um homem qualquer. Todas as suas ações são grandiosas, tanto no sucesso, quanto na crise. Uma crise com o Atlético de Petraglia não é qualquer crise. Porque o Atlético desperta interesse não só em sua nação de mais de um milhão de pessoas. Por isso acho natural a vontade de setores da imprensa em ver notÃcia onde não tem. Ajudada em parte por esta imprensa e em parte pela Torcida Os Fanáticos e seu "delicado" slogan, a sucessão de erros cometidos pela diretoria atleticana transformou-se em uma crise de enormes proporções. Pois agora, além do desejo mórbido de alguns repórteres em procurar carniça, existe uma desarmonia sem precedentes nas arquibancadas encadeiradas da Baixada. Torcedores xingam por vontade de tocar pandeiro, torcedores xingam porque não gostam de ouvir os xingamentos, outros xingam por esporte, outros por falta de paciência, outros por falta de atleticanismo. E no gramado, quem sofre com isso tudo, é o Atlético, representado por alguns atletas que, independente de julgamentos de qualidade, vestem nosso manto. Hoje, muitos olham para o campo e não vêem o Atlético, vêem Petraglia, vêem bateria, vêem seus problemas pessoais, mas não vêem o que importa, que é a camisa rubro-negra e o amor que ela evoca, independente de quem a vista.
O descontentamento com Petraglia acontece porque muitos sabem que ele pode fazer melhor do que fez este ano. Ninguém esperava que depois de um vice-campeonato nacional o Atlético substituÃsse aquele time excelente por este time deficiente, que sofreu com desfalques, é verdade, principalmente os de Dagoberto, Denis Marques e Fernandinho, mas que é assim mesmo um time de contratações incrivelmente equivocadas, incluindo os técnicos, e que não se concretizaram como reforços para esta temporada importante quem tem quatro competições, duas delas internacionais. Todo mundo esperava mais de você, Petraglia. Por outro lado, folgo em saber que a diretoria continua buscando outras formas de levantar recursos para manter a saúde financeira do Atlético, como promover intercâmbios com gente de outros paÃses, incrementar o patrimônio, ter uma polÃtica de revelação de jovens valores e buscar uma forma de patrocÃnio nunca feita antes no Brasil.
Sonhar com outros no comando atleticano é perigoso, até porque não saberÃamos quem poderia estar nas cadeiras de chefia dos conselhos Gestor e Deliberativo. Nunca apareceu ninguém, nunca teve bate-chapa, nunca foi personificada a insatisfação. Assumir um clube como o Atlético, saneado financeiramente e com projeção nacional é fácil. Assumir um clube quebrado e humilhado é outra coisa. Mário Celso Petraglia fez isto e transformou um Clube Atlético Paranaense de honra pisoteada em uma potência em apenas dez anos. Só por isso, merecia um pouco mais de respeito pelos torcedores, não merecia ser ofendido da maneira que estão fazendo, com palavras chulas. Mereceria ter ao menos um adversário com nome, CIC e RG, não adversários que se escondem por trás da massa. Mereceria ser tratado como homem, passÃvel de erro, falho, como todos nós. Mas com Petraglia é assim: ou é um deus, infalÃvel, magnânimo e sobrenatural, ou é um demônio, causador de todo o mal e desgraça, vilipendiador do patrimônio, espezinhador de atletas e algoz de grupos de torcedores e de jornalistas. Acho que ele merecia um julgamento mais justo pelos atleticanos aos quais ele devolveu o orgulho e que hoje o querem defenestrado.
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