Alexandre Sugamosto

Alexandre Sugamosto e Silva, 39 anos, é produtor cultural e consultor. Vê o futebol como uma guerra estratégica e acredita que a heráldica atleticana deve ser motivo de temor e reverência por parte dos adversários. Adepto do jogo ofensivo, sonha em rever os dias gloriosos do Furacão das Américas.

 

 

Crônica do dilúvio

23/09/2013


Bem antes da abertura dos portões da Vila, os portões do céu já estavam escancarados e não havia o menor sinal de trégua no escoamento divino. Domingo era o dia predestinado para o encontro entre um fenômeno da natureza e uma criação humana: o Furacão teria que atravessar a Ponte para seguir caçando a esquadra do Cruzeiro do Sul (que não é do Sul, mas a imagem é bonita). Quando zuniu o hino estadual, de canções e flores pela estrada, já sabíamos que iríamos precisar de trajes especiais: Luiz Alberto veio munido de touca de natação e deu o tom da peleja que logo se iniciaria.

Bola rolando... mas onde está a bola? Água daqui, poças acolá e um verdadeiro festival de passos e passes acrobáticos. Na arquibancada, a multidão fingia que a chuva era efeito especial e seguia a festa como se não houvesse amanhã. Só que havia; de repente, em meio ao balé aquoso não ensaiado por ninguém, Ederson Arantes do Nascimento aparece, iluminado, e decide ensinar uma nova dança aos figurantes da Macaca: cabeça levantada, olhos atentos e lá vai a pelota voando, fugindo do naufrágio terrestre e da violência de poucos minutos atrás. Não menos artisticamente, o Maestro aceita a contradança improvisada e sem interromper o voo da redonda a empurra elegantemente para o filó adversário. Festa geral na Arca do Capanema.

O que se viu depois foi o time bruto tentando invadir a trincheira atleticana ao modo antigo. Chutes longos, trancos, cabeçadas. A impressão que tínhamos é que uma horda viking estava tentando interromper a nossa dança a qualquer custo. Tínhamos, no entanto, o homem da touca, Manelckenbauer esbanjando habilidade e um arqueiro voador que decidiu defender a própria meta como se disso dependesse a própria sobrevivência. Resistimos. No banco de reservas, já muito quente pelo calor da contenda, podíamos ver um sereno chefe da orquestra que dava ordens pontuais, como que sabendo que nenhum poder da terra pode controlar o Furacão.

Quando trinou o apito final, a euforia tomou conta: o Furacão havia cruzado a Ponte estreita e escorregadia e os poderes da natureza, a água e o vento, estavam novamente em harmonia. Todos os presentes tinham certeza de aquela noite não era apenas mais uma noite de chuva, mas de Furacão, que chegou para mostrar seu verdadeiro poder.


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