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André
André, 46 anos, é jornalista. Não abre mão de ser dono do seu Atlético. Vibrou quando o Fião matou no peito aquela bola que ia entrar e saiu jogando com categoria. Abraçou o Vivinho na goleada contra o Cascavel e, diariamente, reza por Alex Mineiro. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2005.
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Pinheirão, meu doce e tosco lar
29/03/2005
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Mas que saudade do Pinheirão! Puxa vida, como era horrÃvel assistir um jogo no estádio da Federação Paranaense de Futebol. PeraÃ, da Federação coisa nenhuma! Nosso! O Pinheirão era da torcida do Atlético. E era absolutamente impossÃvel ir ao estádio e voltar sem uma história pra contar. Eu nasci e cresci no Pinheirão, lá forjei minha paixão pelo Rubro-Negro. E, logicamente, não passei indiferente a esse perÃodo importante da história do clube. Por uma série de motivos, justos ou não, o Atlético deixou a Baixada e exilou-se no Tarumã. E se hoje o clube esbanja saúde, em parte deve-se a um grupo de Rubro-negros que, em meio a muitas dificuldades, jamais abandonaram o barco.
Lembro bem. Descia do ônibus e estava lá, uma grande placa com uma pintura que vislumbrava o Pinheirão concluÃdo. Um cenário que deixava os bons tempos do Maráca lotado dos anos 70 nas chinelas. Que Morumbi, que Mineirão, que nada! Ali estava o retrato do que num futuro próximo seria o maior estádio da Terra. Com direito a uma apoteótica representação das torcidas organizadas, um mar de gente entrecortado por centenas de bandeiras. Deixada a viagem futurista de lado, e atravessado o descampado multi-uso do estacionamento, era o momento de sacar o cascalho e dirigir-se aos guichês em forma de catacumbas. Cuidando, claro, para não ser surpreendido pela turma mulambenta do "um reale" e ficar de fora da festa.
Na seqüência vinha o momento de maior periculosidade. Passar, incólume e faceiro, pelo matadouro que eram as roletas de entrada. Em jogos lotados, todas as leis da fÃsica caiam por terra naquele lugar. Mas, ufa, lá estava o bar. Um bar não, um esqueleto de boteco. Banheiras lotadas de cervejas, refrigerantes e gelo. Muito gelo. Acompanhando o trajeto rumo à s internas do Pinheirão, a indefectÃvel muáfa de pão com bife que, matreira, se adonava de nossas narinas. Carrinhos roots de pipoca. Com bacon, óbito. Mas não era qualquer bacon, era aquele esponjoso, que você mordia e recebia nas papilas gustativas um esguicho de óleo quinta.
Quando se passava pelo corredor do bar era impossÃvel não se arrepiar com a visão a seguir. Lá estavam eles. À esquerda, lá embaixo, no começo da reta oposta à s cadeiras. Sempre eles. Os Fanáticos. Todos em pé nos bancos de madeira que serviam de trampolim para a rapaziada agitar. Bandeiras e mais bandeiras tremulando colorindo o céu de Rubro-negro. E lá estava ela: a bandeira preta. Clássica! E aquela, igualmente inesquecÃvel, com a inscrição "coxa só de mulher". E como eram lindas nossas bandeiras. Exceto quando algum lanfranhudo hasteava durante o jogo, atrapalhando a visão da massa, elas eram absolutamente indispensáveis. E aproveitando, demorou em se pesquisar a importância do bambu no futebol brasileiro. Tema de relevância inconteste. "O bambu no chutegol canarinho: a saga do caule oco enquanto suporte de estandartes e instrumento para o congraçamento entre as torcidas".
E a lonjura das arquibancadas em relação ao campo? Foi, foi, foi, foooooi ele! Ele quem? Quem balançou o barbante? Assistir ao jogo atrás dos gols era um espetáculo. Não se via nada. Era possÃvel deduzir, pelo burburinho, que uma partida de futebol estava acontecendo nas proximidades. Valia a pena sentar lá apenas quando o autor do tento corria pra comemorar com a galera próximo ao fosso. Todos, em desabalada carreira, desciam os degraus para uma saudável troca de energia.
Quando chovia, na reta, dependendo do humor dos ventos, a água passava entre o muro e a estrutura do teto, formando um spray que molhava geral. Nas curvas, quando o aguaceiro se pronunciava, rolava o tradicional galopar ensandecido subindo as arquibancadas para se aninhar sob meio metro de telhado. Mas chuva é detalhe, claro. Afinal, quem se importou com o temporal quando Tico fez o terceiro contra o Flamengo em 91? Aliás, louvemos a péssima drenagem do Pinheirão. Se não fosse por ela, jamais terÃamos a oportunidade de ver a melhor imagem da história do Mesa Redonda. Fim de jogo, túnel inundado, câmera ligada quando, não mais que de repente, Reginaldo dá um peitaço no metro e meio de água fétida e sai nadando em pânico rumo aos vestiários. Não lembro de outro ato de tamanha bravura com a camisa Rubro-negra. Ou melhor, com o calção do Atlético (e nada mais).
Mas nada era mais caracterÃstico do Pinheirão do que o frio. Ali sim, Curitiba era uma legÃtima cidade européia. Todos devidamente encapotados, com a camisa esgarçada sobre o moletom, apertados na arquibancada para espantar a sensação de estar congelando. Os sósias também merecem ser lembrados. Em que outro lugar você poderia desfrutar da companhia do Sicupira degustando uma mexerica (um patrimônio dos estádios brasileiros) ao seu lado, enquanto Rafael Camarotta passava com a grade de copos de cerveja atrás de clientes ávidos por uma loira chóca? Entre outros ilustres representantes do fantástico mundo da tosquêira. Havia ainda a companhia dos parques de diversão (ou circos), até hoje vizinhos do estádio, dando um toque todo especial ao cenário já naturalmente estranho. A peleja queimando e a turma gritando no alto da roda-gigante ou no topo da montanha-russa. Nos jogos noturnos, uma composição bacana.
O tempo foi passando, a Baixada foi subindo, e as reformas fizeram o Pinheirão perder todo o glamour tosco. A começar pela pista de atletismo, que quebrou o aspecto cinza caracterÃstico do cenário. O levante da geral melhorou a visualização do jogo, e assim, contrariou o objetivo do pessoal que se posicionava ali. Quem ficava naquele setor queria apenas desfrutar de um bate papo descontraÃdo, mandar um jogging no intervalo, sem crise. No tocante à s reformas mais recentes, do novo inquilino, não vou nem comentar. É simplesmente impossÃvel descrever o que se tornou o estádio, um mix psicodélico das mais vanguardistas expressões de arte abstrata.
Há muito tempo não piso no Pinheirão. Nem lembro quando foi a última vez. E embora esteja muito diferente de quando eu o freqüentava, voltar ao lugar onde vivi o inÃcio da relação com o Atlético é sempre muito legal. Hoje os tempos são outros. E não foi objetivo desse texto fazer uma comparação entre épocas tão distintas. Apenas lembrar de uma fase em que ser atleticano era quase um fardo, que carregávamos com um sorriso estampado no rosto.
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