Jones Rossi

Jones Rossi, 46 anos, é repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, e um dos fundadores do blog De Primeira. Foi colunista da Furacao.com entre 2005 e 2008.

 

 

William, o monstro

24/02/2005


Ao craque e à mulher bonita tudo se perdoa, já dizia Nelson Rodrigues. Deve ser por isso que muita gente ainda está crucificando William por não ter avisado o árbitro de que a bola não entrou contra o Império, domingo. William não é nenhum craque, ninguém melhor que a torcida atleticana para saber disso. Mas daí a transformá-lo num mau-caráter ou no símbolo do jeitinho brasileiro como estão fazendo é outra coisa.

Acho que não é necessário explicar, mas vou fazê-lo por motivos didáticos: não aprovo o que William fez. Porém é fácil compreender o motivo que levou o jogador a se omitir. Na hora do jogo, provavelmente a única coisa que tenha passado pela sua cabeça seja o desejo de ganhar. Como profissional - bom ou não - ele entra em campo para vencer. Pode até ser, e aí seria o caso de perguntar para ele, que tenha se arrependido da decisão ali mesmo, ainda durante a partida. Como poderia acontecer a qualquer um no seu lugar.

Eis que, de repente, surge gente como Juca Kfouri dando uma de moralista e dizendo que só se pode esperar de um atleta brasileiro "a mentira, a dissimulação, a ideologia do que o feio é perder". Ah, faça-me o favor. Tem gente que leva futebol a sério demais. Outro dia mesmo, na VEJA, Diogo Mainardi criticou a mania de querer transformar o futebol em metáfora explicativa da alma brasileira. Ele tem razão. Futebol só serve para explicar o próprio futebol.

E tem mais. Isso é coisa de quem não conhece sequer a própria história. Nunca vi uma linha de Juca Kfouri criticando Nilton Santos por ter feito pênalti no espanhol Collar no jogo Brasil x Espanha pelas quartas-de-final da Copa de 62, no Chile e ter dado um passo para fora da área para enganar o árbitro. Malandragem mais consciente que isso é impossível. E não era uma peleja qualquer de campeonato paranaense. Tratava-se de um jogo decisivo de Copa do Mundo. Perdíamos por 1 a 0. Com 2 a 0 seria bem mais difícil reverter a placar. Nem por isso o dono da verdade Kfouri disse que o melhor lateral-esquerdo da história é um exemplo de todo o mal que aflige a humanidade. Até porque realmente não é, pelo contrário. Nilton é uma figura respeitadíssima até hoje (enquanto escrevo a coluna o vejo participando de uma mesa-redonda na TV) e este episódio de maneira alguma manchou sua biografia.

Criticar a atitude do William é válida. Mas não se pode transformá-lo num monstro sem ética. Até porque não faltam milhares de exemplos melhores por aí. Não é preciso andar muito. É só ir até a banca mais próxima e comprar jornais com exclamação no título.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.