Rogério Andrade

Rogério Andrade, 52 anos, é administrador. Atleticano de "berço", considera a inauguração da Arena da Baixada como o momento mais marcante do Atlético, ao ver um sonho acalentado por tantos anos tornar-se realidade.

 

 

A culpa é do sistema

07/01/2011


O futebol atual permite que os atletas não tenham mais aquele compromisso, aquela fidelidade, aquele carinho pelo clube. Ao contrário do saudoso futebol do passado, o atleta pede passagem no futebol atual, aperfeiçoa seu condicionamento físico diante da tecnologia milionária das academias dentro dos centros de treinamento, é assessorado por meio mundo, entre familiares, empresários e assessores de imprensa, tudo, mas tudo mesmo, em prol apenas do próprio atleta. Os demais são inclusos como beneficiários, mas o último beneficiado, em qualquer ocasião, é o clube.

O jogador não joga mais pelo clube, evidente. Joga por ele, pela família, pelo seu futuro e sempre, sempre, em qualquer entrevista, estufa o peito e diz que está em busca de um sonho. Qual sonho? Jogar no exterior. Atualmente, alcançar uma vaga em um clube do exterior está acima inclusive do sonho de chegar à seleção brasileira. Inconcebível para o país do futebol. Hoje, país de um futebol de negócios.

Poucos, poucos mesmo, são aqueles atletas que ainda conseguem manter algum vínculo sentimental com o clube, fortalecer os laços com a torcida e fazer prevalecer a sua vontade. Não estou aqui dizendo que jogador de futebol não pode pensar em ganhar dinheiro e garantir seu futuro, seu bom carro, seu bom apartamento, suas aquisições materiais. Não, não é nada disso, mas tudo isso precisa ser conseqüência do seu trabalho e de sua dedicação, e não prioridade absoluta em sua vida. A questão do reconhecimento ao clube, por exemplo, é fundamental. Simplesmente virar as costas, fazer birra, jogar sujo, fazer as malas no final da temporada sem saber qual será o seu futuro no próximo ano, é no mínimo uma grande imaturidade.

O problema é que nos dias atuais há uma escassez terrível de respeito. E aí meus amigos, fica fácil criticar os dirigentes do clube, mas há um processo muito delicado dentro do clube que só se quebrará o dia em que cair a Lei Pelé e o dia em que na recepção das sedes administrativas não haja uma fila de empresários de jogadores. Os jogadores são tratados como pérolas, verdadeiras preciosidades, tesouros. E sabem disso. Sabem que chegam no vestiário e estão com suas toalhas limpinhas, cheirosas, camisas, calções e meias reluzindo. Podem escolher suas chuteiras, vermelhas, rosas, violetas, verdes, azuis, laranjas ou amarelas. Gel no cabelo, corrente no pescoço e brinco na orelha. Vaidade, acima de qualquer coisa. Só pra jogar futebol. Imaginem do portão pra fora.

Por isso e pelos “mimos” que o atleta de hoje recebe, é que a situação no futebol tornou-se insustentável. Não estamos apenas nas mãos do desejo do jogador, em permanecer ou não no clube. Estamos nas mãos das centenas de empresários que super valorizam seus pupilos, abrem negócios e atrapalham todo o planejamento do clube. Nem tanto o céu, nem tanto o inferno, mas enquanto os negócios do futebol só tenderem para um lado, quem mais continuará sofrendo será o próprio torcedor, aquele que contribui com o clube, que é sócio, que compra produtos oficiais e que têm, acima de tudo e de qualquer proposta, a sua paixão pelo clube.

Não veremos, por um bom tempo, ídolos que se doam ao clube, que beijam o escudo na hora do gol com sinceridade, que agradecem os torcedores, a comissão técnica e os dirigentes pela oportunidade recebida e pela demonstração de apoio.

O processo está errado, e ao chegar no ponto em que chegamos, com as movimentações bilionárias e inúmeros envolvidos que se lambuzam de ganhar dinheiro, dificilmente mudaremos a história em curto ou médio prazo. A maneira como as coisas são conduzidas está anulando o crescimento pessoal dos atletas, está muitas vezes rompendo pela metade uma carreira profissional, cultivando sonhos de atletas a curto prazo e decepando planos dos clubes de futebol. Está, principalmente, destruindo a maior paixão do brasileiro.

Podemos culpar Neto, Manoel e muitos outros por estes problemas? Não, e nem nos conforta culpar este ou aquele. A culpa é do sistema.


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