Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

O fio do bigode

28/05/2010


Em um tempo muito, muito distante... ainda antes da criptografia digital e da identificação por radiofrequência... antes do escaneamento de retinas e dos códigos de barras... antes dos lacres, contratos, carimbos e cartórios... antes até das canetas esferográficas, assinaturas e rubricas...

...neste tempo só havia o fio do bigode.

Alguns tinham fio no bigode, outros não tinham fio no bigode. Mulheres também tinham fio no bigode. Aliás, as mulheres tinham - e ainda têm - muito mais fio no bigode do que os homens.

Media-se a integridade de um cidadão pela verdade das palavras.

Eram só as flechas e as palavras, que uma vez lançadas nunca mais retornavam.

Se alguém abria a boca, era para dizer alguma coisa. Se alguém abria a boca, todos ouviam com atenção.

Na dúvida, ficavam quietos. Pois uma vez dito, para sempre dito estava.

Se fulano fizesse jus a suas afirmações, então fulano tinha fio no bigode. Se não, fulano não tinha fio no bigode.

Caso siclano dissesse 'comprarei sua propriedade por vinte cabeças de cabra,' e beltrano respondesse 'combinado,' estendendo ao siclano a mão direita, nada mais nem ninguém poderia desfazer o negócio. Siclano não poderia desistir da venda, e beltrano não poderia trocar uma das cabras, na calada da noite, por um bode.

A reputação de um homem era o curriculum vitae.

Hoje é diferente. Tem muita gente por aí que fala, fala, fala, e não diz nada. É tanta falação que não se ouve mais ninguém.

Evidentemente, porém, não é o caso dos gestores do Atlético. Prometeram prioridade ao futebol, investimento em chuteiras, jogadores consagrados. Eles são donos dos poucos fios de bigode que ainda restam no mundo.

'Montaremos um grande time,' disseram-me, 'grandes alegrias nos aguardam.'

De fato, aí está o Atlético dos atleticanos, irreconhecível - de azul paranista, ou gremista -, a desfilar craques comandados por um experiente treinador, que, por sua vez, é comandado por um onipresente diretor. Venceu e convenceu, com sobras, um outro Atlético rubro-negro.

A evolução é visível. Em 2008, foi na última rodada. Em 2009, na penúltima. Desta vez, fugiremos do rebaixamento até a antepenúltima rodada, no máximo. Ano que vem, nem precisaremos nos esforçar muito.

Só queremos que nos orgulhem pelo comprometimento, pela força do espírito atleticano; e não necessariamente pelos resultados. Não queremos palavras, é melhor o silêncio.

Está afiado demais o fio do bigode desta gente.


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