Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Somos frustrados

19/03/2010


Aprendi na escola as fases do ciclo de vida. É simples assim: o homem nasce, cresce, reproduz e morre. Mas é uma vida meio sem sal essa vida do ciclo de vida. Até o mais politicamente correto poderia traçá-lo de forma mais emotiva. Seria: o homem nasce, observa, aprende, cresce, escolhe um time para torcer, experimenta, estuda, evolui, amadurece, vai ao estádio, toma decisões importantes, ama, trabalha duro para construir um lar, casa, faz filhinhos, joga bola com os filhinhos, começa a dirigir mal, fica gagá, adoece, toma remédio, melhora, adoece de novo e morre, enfim, com a bandeira do seu clube de coração sobre a lápide.

Percebe o futebol, ali, presente, até no ciclo de vida do mais politicamente correto dos homens? Futebol é futebol, entende? A vida do João da Silva, por exemplo, foi assim: João nasceu, quis ser jogador de futebol, cresceu, continuou querendo ser jogador de futebol, cresceu mais um pouco, desistiu de ser jogador de futebol, lidou no campo, arrependeu-se por não ter se tornado jogador de futebol, pois já era tarde, bateu bola com os amigos, estourou os ligamentos do joelho esquerdo, encheu a cara de cachaça e sonhou, até o dia da sua morte, que era um grande jogador de futebol.

Eu também já fui um guri que queria ser jogador de futebol, mas não tive talento suficiente. Fui desencorajado também, é verdade. Mandaram-me estudar, queriam que eu me tornasse médico, advogado, engenheiro, essas coisas que dispensam talento. Legal mesmo era ser jogador de futebol. Mas hoje não sou jogador de futebol, perdi o bonde. Hoje sou colunista de futebol. Só. Pobre de mim. Depois, eu quis ser cantor de banda de baile, mas rapidamente percebi que um gago desafinado, neste ramo, não costuma fazer sucesso. Desisti. Agora, meu objetivo é ser dee jay de coquetéis. Se estiver procurando um, estou às ordens. Enquanto isso, jogo futebol toda terça com um bando de gente que já quis ser jogador de futebol.

Todo guri que se preze já sonhou em ser jogador de futebol, ou, se não, pelo menos tornou-se um jovem que jogou futebol com os amigos, ou, se não, pelo menos tornou-se um senhor ranzinza que gosta de assistir ao futebol pela tevê.

Todo homem é um jogador de futebol frustrado.

Até dentro de campo: o meia-cancha é um artilheiro frustrado, o zagueiro é um volante frustrado, o goleiro é um lateral frustrado, o juiz é um suplente frustrado, o quarto árbitro é um bandeirinha frustrado.

E todos nós, torcedores do Atlético, somos jogadores do Atlético frustrados.

Somos frustrados porque, na verdade, não somos jogadores de futebol. Nem do Vilhena ou do Sampaio Corrêa. Somos frustrados, principalmente, porque não somos jogadores de futebol do Atlético.

Somos frustrados porque torcemos por um clube de futebol que não prioriza o futebol. Porque os atletas do nosso clube de futebol parecem que não gostam de viver do futebol. Porque os dirigentes do nosso clube de futebol profissional são amadores.

Somos frustrados porque todos só discursam e prometem. Porque não respeitam a inveja dos homens e os sonhos de milhares de meninos atleticanos.


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