Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Reflexões de uma noite de chuva

19/02/2010


Ontem foi uma noite de muita chuva. Ontem tive uma noite de reflexões. Ontem à noite, lá estava eu na Arena da Baixada, debaixo de chuva, a refletir sobre o meu Atlético.

Mas ainda não havia chuva às 7 e meia. Ainda não havia noite.

- E aí, jovem, vai uma cervejinha antes de entrar?
- Cervejinha, não. Passa logo aí um cervejão.
- Só tem essa aqui.
- E presta?
- Boooooa pergunta.

Tomei, entrei. Fui ver o meu velho Atletiquinho contra o poderoso Beltrão.

- Atletiquinho, não. Atleticão.

E o meu velho Furacão Atleticão, por uns quinze minutos, mostrou vontade e dignidade. Também não havia reflexão, ainda: partida movimentada, pênalti não marcado, bola na trave, boas defesas do goleiro adversário. Não deu tempo de pensar.

- Esse time não é ruim, Osmar. Será que engrena pro Brasileirão?
- Boooooa pergunta.

Mas aí, de repente, não mais do que de repente, caiu a chuva. Caiu a noite. Começaram os chutões, os passes errados, as vaias. E as reflexões. Tudo de uma só vez.

Havia muitos e muitos chatos nas arquibancadas. Sabe o cara que só xinga, xinga, xinga, daí quando o jogador acerta, parece que o cara fica triste?

- Quem é esse grandão ali?
- É o Serna.
- Serna?
- É. Serna, colombiano.
- Ah, esse é o colombiano? Ruim ele, né? Pior que o Alex Mineiro.

Não respondi. Só não voei no pescoço do infeliz porque diriam que a culpa é da cerveja.

Pô, eu também sou chato. Eu também reclamo, mas aqui neste humilde espaço, depois do jogo, com certa etiqueta, digamos. O cara que só vai ao estádio para reclamar é mais chato ainda.

Enfim, o jogo também já estava chato. Indaguei-me a respeito das expectativas da torcida. Será que somos chatos porque nos foi prometido um grande time? A conclusão: sim, só que mais do que isso. Somos chatos porque nos enfiaram goela abaixo uma mania de grandeza que não nos pertence. A torcida atleticana e o próprio Atlético, por essência e definição, nunca foram assim. Somos guerreiros sem vaidades. Simplesmente batalhamos, não importa a partida, custe o que custe.

Acordei com um chapéu (ou chaleira, como diria o meu avô), meio de calcanhar, do Márcio Azevedo, seguida de firme finalização. Uma pintura, só quem viu.

Daí me ocorreu que o lateral cabeludo, bem como o zagueiro Manoel, são jogadores muito acima do tamanho da nossa república. Aproveitemos para vê-los enquanto estão por aí.

Terminou o primeiro tempo: zero a zero. Durante o intervalo, lembrei que o Beltrão já havia sofrido 20 gols em 7 jogos. E que ainda não havíamos conseguido furar tão competente defesa.

Comecei a fazer contas. O Coritiba empatou com o Paranavaí. Se empatarem também com o Paraná na próxima rodada, ainda longe do Couto Pereira, podemos terminar em primeiro. Nada improvável, mas aí precisamos vencer praticamente todas as partidas restantes, com sobras no saldo de gols. Isso sim parecia mais difícil.

Pratiquei um pouco mais a minha matemática. Somei quatro estrangeiros no elenco. Valencia, Serna, Venegas, Toledo. Mas só três podem ser escalados para a mesma partida. Algumas hipóteses, portanto, devem ser consideradas, uma delas é verdadeira. Ou o Valencia será vendido; ou o Serna é muito ruim (desconsideremos a apresentação de ontem, tenhamos mais paciência); ou o Venegas é muito ruim; ou o Toledo é muito ruim. Em resumo: se uma das novas caras é muito ruim, não entendo para quê trazer; ou, se os três são bons, a torcida deverá se contentar com a liberação do Valencia. Pura lógica dedutiva de Holmes. Elementar, meu caro torcedor atleticano.

O rubro-negro voltou para o segundo tempo do jeito que saiu do primeiro: em marcha lenta. Então voltei às reflexões.

O Wallyson ainda não conseguiu mostrar o que dele se espera. Algo me diz, entretanto, que quando sair daqui vai brilhar em outro clube, como aconteceu com Rodrigo Souto, Edno, Morais, Cristian e Jorge Henrique. Por que será? A diretoria deve descobrir, se é que já não sabe, o motivo do mau rendimento de alguns bons jogadores. Sinceramente, não creio que sejam os ares frios de Curitiba.

Mas aí o Lopes adiantou o Tartá. O guri é liso e marrento. Fez um auê mais perto da grande área e meteu dois golaços. Esse sim uma boa novidade, uma boa contratação. No outro gol, Netinho cruzou e Alan Bahia desviou de cabeça.

Netinho cruzou e Alan Bahia desviou de cabeça. Déjà vu. Acho que já vi esse filme antes. Entra ano, sai ano, e nossas esperanças se resumem ao Netinho cruzando e Alan Bahia desviando de cabeça. Aliás, entra ano, sai ano, passa sempre o mesmo filme. Já enjoei.

Não muda o Atlético, não muda o Beltrão (Zafira na meia-cancha) e não muda o Campeonato Paranaense. Quando é que a imprensa vai parar de querer encontrar o bicho papão da vez do interior? Quando irá reduzir-se à insignificância do nosso futebol e constatar, de uma vez por todas, que todos os times são fracos, os campos são grandes potreiros e a FPF é uma piada? Quando mudo de canal, vejo o campeonato inglês, espanhol, até o paulista: parece outro esporte.

Enfim, acabou o jogo. Vencemos, mas não fiquei com a sensação de vitória. Voltei a pé, debaixo da noite e da chuva, refletindo sobre o meu Atlético.


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