Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Padre, eu pequei

18/12/2009


Já deixei bem clara minha lhana opinião sobre a politicagem em que se transformou o futebol brasileiro. Falei da postura da diretoria, sobre reforços e expectativas para 2010. Àqueles que se dão por satisfeitos com meias palavras, ofereci também a minha versão de uma biografia verde.

Hoje, preciso confessar. Sinto uma traiçoeira, irresistível vontade de falar um pouco mais sobre o rebaixamento centenário. Só mais hoje, prometo. Semana que vem, venho para desejar Feliz Natal.

Alguns acham que é mais prudente ocupar-se com o próprio umbigo. Por que olhamos tanto para o terreno do vizinho, se temos uma casa para arrumar? Veja o que escreveu meu amigo colunista: 'Enquanto nos preocupamos com a agonia dos outros, deixamos para trás nossas dificuldades.' Perfeito, preciso, brilhante.

Perdoe-me, Abud, mas eu não consigo. Recentemente, sei que você ganhou, em importante sorteio, a camisa atleticana do Liga Retrô. Por favor, desculpe-me, ou eu conto para todo mundo que foi chuncho.

Enfim, outro colega acredita que devemos analisar friamente os acontecimentos. Os coxas são culpados, segundo ele. Devem pagar pela baderna promovida, porém dentro dos limites da lei: 'Não, não achei justa a punição. Não, não achei certo pegarem um clube com pouca ou nenhuma representatividade política para servir de exemplo.' Primoroso, distinto, notável.

Perdoe-me, Juarez, mas nada, além disso, passa na minha cabeça: 'Bem feito, bem feito, bem feito.' Por favor, desculpe-me, ou eu coloco água no chope da sua festa de aniversário. Eu conheço o dono do bar.

Bem feito, bem feito, bem feito.

Definitivamente, o Papai Noel não se orgulharia de mim. Não consigo ser politicamente correto em um momento como este.

Minha bisavó, mãe da mãe da minha mãe, era uma italiana tempestuosa. Dizia: 'Aqui se faz, aqui se paga.'

Outra bisavó, mãe da mãe do meu pai, insistia que o dom da sentença cabe a poucos mortais (quem sabe, a um único imortal), todos muito atarefados: 'A justiça tarda, mas não falha.'

Outra, esta a mãe do pai da minha mãe, sutilmente perversa, ensinava: 'Quien siembra vientos, recoge tempestades.' (Ela veio do Uruguai.)

Por outro lado, outra bisavó, mãe do pai do meu pai, meiga e doce, tinha um coração enorme: 'Não devemos desejar mal aos outros. Depois, volta tudo em dobro.'

Como consequência direta que sou, a respeito do infortúnio ano 100 do rival, colidem sentimentos antagônicos no meu papalvo cérebro.

Tento discernir merecimento de acontecimento. Tem gente que merece uma boa lição, é verdade. Mas isto não implica, necessariamente, que eu deseje que esta boa lição aconteça de fato. O Berlusconi, por exemplo, mereceu levar uma estatuada do Duomo de Milão na cara. No fundo, porém, a agressão em si foi uma atitude completamente deplorável.

Partir do merecimento ao acontecimento, ou ao anseio pelo mesmo, como no caso em questão, é pecado. Pecado dos grandes.

- Pois confesso, padre, eu pequei. Desejei a desgraça alheia.
- É mesmo, meu filho? De quem?
- Do... e isso importa, padre?
- (Tosse, tosse.) Não, não importa. Mas... de quem, afinal?
- Do meu coirmão.
- Coirmão?
- Sim, padre. Não é irmão de sangue, mas ele deveria ser um aliado, sabe? Para batalharmos juntos por causas comuns...
- Estou ouvindo.
- E eu estou falando. Pois então. Eu não quero me aproximar dele. Mais do que isso, eu quero que ele se exploda!
- Isto é grave, meu filho.
- Eu sei, padre.
- Reze 15 Pai Nosso e 20 Ave Maria.
- Só isso?
- Como "só isso"?
- Eu não apenas desejei a desgraça alheia. A desgraça, pra mim, teve muita graça.
- Isto é muito grave, meu filho.
- E não foi só isso.
- Não? E o que poderia ser pior?
- A desgraça, padre, que para mim foi graça, de fato aconteceu.
- Filho do céu! Isto é muitíssimo grave! Diga-me: e a culpa foi sua?
- Não sei, padre. Acho que não.
- Pois saiba que nossas vontades são dotadas de incríveis poderes.
- Bom saber! Quero dizer, vou tentar me lembrar disso sempre.
- Pois reze 45 Pai Nosso e 80 Ave Maria.
- Amém.


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