Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Piá de prédio

11/12/2009


A mãe não sabe o motivo. Ultimamente, já não entende o comportamento do filho mais velho. Pergunta-se todo dia quando, como e onde falhou. No fundo, sabe que não é exemplo para ninguém, mas ao menos se esforça. O certo mesmo seria um puxão de orelha, mas não se sente digna. É mais cômodo se fingir de companheira, moderninha: 'E aí, Marcelinho? Para que servem essas pulserinhas coloridas?' O moleque é largado na porta da escola, mas hoje é sexta, então ele acena um tchau e toma o rumo do Estação. Fica ali, cheio de marra, esperando na escadaria até às 10, orgulhoso da tinta amarela nos cabelos duros, igual ao do xará e ídolo Paraíba.

No caderno, ao invés de anotações e equações, apologias à guerra e à violência, vários desenhos do Eddie (do Iron Maiden, aquele morto-vivo descabelado), de tudo quanto é jeito: Eddie acorrentado, Eddie múmia, Eddie ceifador, Eddie ciborgue, Eddie eletrocutado, Eddie cavaleiro do apocalipse. Para que aprender a escrever direito? Afinal, qual é o propósito da soma, da subtração, da multiplicação e da divisão? Legal mesmo é teclar acrônimos e emoticons na net e no cel. Mais bacana ainda ele considera um espetáculo chamado Inferno Verde.

Passou o ano todo sem estudar. Não fez a lição de casa. Sem alternativas, foi tomar aulas de reforço: Língua Portuguesa, Matemática e Estudos Sociais.

Mas esta história começa muito antes. Criou-se guacho, coitado. Desmamou muito cedo. Para piorar a situação, a mãe tirou o dinheiro do leite Nan e comprou-lhe brinquedos, muitos brinquedos. Inocentemente, negligenciou a saúde do guri. Preferiu mimá-lo. Então brincou a infância inteira dentro de um parque de diversões privativo. Orgulhava-se especialmente da majestosa piscina de bolinhas: dois andares no centro, três nos cantos, cachoeiras e escorregadores. Ali surrava os vizinhos pobres, e por isso se achava o tal. Típico piá de prédio.

Foi reconhecido por muito tempo como o mais pródigo da região. Quando ganhava meia dúzia de figurinhas no bafo, logo o tachavam de glorioso. Quando perdia, inconformado, partia para a briga. A mãe deu corda, acreditou naquela fantasia. O pobre dito cresceu elegante e rechonchudo, porém desnutrido. Ninguém podia imaginar que, na verdade, o garoto havia sido submetido a uma dieta calórica, porém hipoprotéica.

Passou a vida toda sem se alimentar direito. Só comeu McLanche Feliz e outras porcarias. Sem alternativas, o pediatra receitou reforços: Sadol, Biotônico Fontoura e óleo de fígado de bacalhau.

Reforços. Este triste conto me fez lembrar: para 2010, o Atlético precisa de reforços.


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