Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Arapuca

23/10/2009


Rosivaldo foi expulso duas vezes da escola. Uma porque desconectou os fios da campainha durante o recreio. Ninguém voltou para as aulas naquele dia. A segunda foi pior. Subiu no telhado e despejou Ki-Suco na caixa d'água. Apertavam a descarga e saia refresco do vaso, sabor tutifruti. Dava chá de cueca e colava a bunda dos colegas nas carteiras. Rosivaldo era um menino mau.

Ribonei foi cúmplice algumas vezes, mas não era um menino mau. Cabulava as classes para tomar banho de chafariz. Levava bombinhas de São João para o colégio. Para Ribonei, o prazer maior estava na artimanha por si mesma, e não no resultado final. Ribonei não precisava de provas para sua astúcia. Nunca prejudicou ninguém, pelo menos intencionalmente. Ribonei era um menino bom.

Em relação à técnica para caçar passarinhos, por exemplo, Ribonei tentou explicar a Rosivaldo que a arapuca era um instrumento muito mais nobre e elegante. A engenhoca indígena, que para ser construída demandava apenas um punhado de pequenos galhos roliços e alguns metros de barbante, era capaz de preservar a vida do animal apreendido. O estilingue de Rosivaldo, por outro lado, havia sido inventado com a intenção explícita de ferir, talvez até matar.

- Você coloca o alpiste ali, amarra o barbante no pauzinho aqui, e fica escondido lá, quieto, esperando. Quando aparecer uma rolinha, você puxa bem rápido. Entendeu? Não precisa machucar ela. Primeiro você prova que é mais esperto, depois você solta a pobre coitadinha.

Lembrei das horas e mais horas que passaram Rosivaldo e Ribonei atrás do arbusto (no bom sentido, claro), esperando o instante ideal para o ataque da arapuca.

Pois, neste fim de semana, tudo o que o Atlético precisa diante do Coritiba é de uma armadilha bem preparada. A responsabilidade é deles. O campo é deles. Eles são os centagenários. Eles é quem estão cinco pontos atrás na tabela, em situação pior que a nossa.

Devemos preparar a ceva e chamá-los para dentro da arapuca. Devemos esperá-los no campo de defesa, feito um joão-sem-braço, conforme receita adotada nos últimos confrontos fora de casa.

Que o Seu Lopes tenha habilidade para armar uma arapuca daquelas no clássico. Que nossos atletas obedeçam à risca suas ordens. Que tenham sabedoria para reconhecer o momento exato do bote. Que sejam eficientes no último golpe.

A arapuca requer destreza para construir, paciência para esperar, e precisão para disparar.

O autor da arapuca, conforme já ressaltado, prova superioridade diante da vítima. Captura ela viva, em sinal de respeito. Depois de um certo tempo, quando a vítima se dá por vencida, deixa que ela lute por sobrevivência na natureza, por conta própria.


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