Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Sabedoria das multidões

28/08/2009


Em 1906, um sujeito chamado Francis foi a um leilão de animais. Boi, porco, cavalo, essas coisas. E dá-lhe 100, e dá-lhe 120, e dá-lhe 180, 200! Vendido para o Sr. Francis! Arrematou todas as raridades o referido lorde inglês.

Francis era antropólogo, meteorologista, geógrafo, eugenicista, protogeneticista, psicometrista, inventor, explorador tropical, matemático e estatístico. Capanga podre de rico, excêntrico, gozava de invejáveis faculdades intelectuais. Naquele dia, propôs um desafio ao público. Quem acertasse o peso exato de um belíssimo Devon, recém-adquirido, poderia carregar o exemplar como prêmio. Olhou a balança de revesgueio, através de um monóculo de ouro: 1198 libras.

Cerca de 800 viventes começaram a gritar quantias esparsas, meras suposições cegas e absurdas. 'Cambada de roceiros insignificantes,' pensava, enquanto escrevia os palpites em uma caderneta. Eis que ninguém acertou o tamanho do bicho, e Francis se foi para sua fazenda, faceiro e saltitante.

Mais tarde, de certa forma obcecado pela curiosa amostra de números, ordenou um bule de chá, trancou-se na sala de estudos, puxou as anotações do bolso e espantou-se com uma incrível descoberta. A média aritmética de todos os registros era, precisamente, 1198. Fez e refez os cálculos: 1198. Incrível. Ninguém em particular chegou perto de cravar as 1198 libras, mas todos, em conjunto, eram merecedores de sua promessa.

Arrependeu-se de sua prepotência e arrogância, do pouco caso que fez do povo. E então largou o boi, na calada da noite, amarrado em um pequeno poste, na praça central do vilarejo mais próximo, com o recado: 'Tal cabeça de gado não pertence a nenhum homem, mas a todos os homens'.

Não sei que fim levou o Tio Francis, ou o pobre bovino abandonado. Mas ficou a lição: nunca devemos subestimar a sabedoria das multidões.

Por isso, seja um ignorante ou um estudado, um humilde marginalizado ou um pomposo conselheiro, tenha 2 ou 32 dentes na boca, o torcedor de futebol é imensamente coletivamente inteligente. Se o Seu Lopes quiser um parecer sensato em relação ao time titular, que lance uma enquete. Vai aparecer um monte de bobagem, mas, no fim das contas, somados e divididos os pitacos, eis a escalação ideal.

Outra implicação da moral da história: boleiro algum tem o direito de questionar e menosprezar a opinião da massa (não confundir com a opinião da Massa). Se dois ou três não gostam de você, então esses dois ou três que se explodam. Mas se um mar de gente lhe odeia, então alguma coisa muito errada você fez, pode ter certeza. Dagoberto, por exemplo, trocou o antigo prestígio pelo sombrio caminho da ganância. Até aí vai. É feio, mas passa. O caso é que depois vieram discursos hipócritas de um falso profissionalismo e, por fim, as baixas demonstrações de falta de caráter e desrespeito do último domingo. Em relação ao Washington, não estou certo, mas parece que também corrompeu seu coração valente. Em compensação, outros, como Paulo Baier, têm diante dos pés, quicando, a oportunidade da consagração. É só chutar. Afinal, para se consagrar no Furacão, não precisa ser craque. Basta pular e cair nas graças da torcida.

OBS.: Todos os personagens, inclusive o Francis, não são fictícios. Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência. Nenhum animal, bovino ou cervídeo, foi ferido durante a confecção desta coluna.


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