Silvio Rauth Filho

Silvio Rauth Filho, 50 anos, descobriu sua paixão pelo Atlético em um dia de 1983, quando assistiu, com mais 65 mil pessoas ao seu lado, ao massacre de um certo time que tinha um tal de Zico. Deste então, seu amor vem crescendo. Exerce a profissão de jornalista desde 1995 e, desde 1996, trabalha no Jornal do Estado. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2009.

 

 

Uma cruz para muitos carregarem

23/04/2004


O maniqueísmo barato e a atribuição de culpa são marcas fortes da Igreja Católica. No Brasil, um país de religiosidade fervorosa, estas características predominam em nossa cultura. Em todo e cada fato polêmico começa a caça de um culpado e a tentativa de estabelecer dois lados (o bem e o mal). No futebol, não é diferente. Analisando todos os casos, vemos que os vencedores são eleitos os bonzinhos, os mocinhos. Os vilões são os perdedores. O julgamento - quase que imediato - não seria injusto se fosse feito com um mínimo de critério. Mas não é.

Muitos fatos e argumentos fundamentais são esquecidos na ânsia de crucificar alguém. É quase como uma doença, que cega a visão, bloqueia a mente e exige do portador do "vírus" uma sentença instantânea. Na Copa de 1990, foi assim. Crucificaram o Dunga, com base em um lance. Tratava-se de uma injustiça lamentável, já que a grande falha daquele gol de Caniggia foi de um zagueiro, que subiu ao ataque sem a autorização de Lazzaroni. Quatro anos depois, o mesmo Dunga foi personagem do maniqueísmo barato. Ergueu a taça de campeão, com todo mérito do mundo, e tornou-se um herói nacional.

Dez anos se passaram e a pobreza cultural em nosso país continua a mesma. A polêmica pós-Atletiba é mais uma mostra disso. Antes mesmo do árbitro apitar o final do jogo muitos já tinham crucificado Mário Sérgio. É verdade que não faltam argumentos para atacá-lo, mas também sobram muitos para defendê-lo. O primeiro deles refere-se ao jogo no Couto Pereira. Mário Sérgio não cotovelou Rodrigo Batatinha, nem tinha o apito para expulsar Vanderson. Se sua estratégia era defensiva demais, sequer pode ser testada nesta partida, que tornou-se atípica a partir dos 17 minutos do primeiro tempo. Em outras palavras: o primeiro jogo da final não pode ser considerado e a vitória por 2 a 1 do Coritiba foi pura sorte.

A segunda partida foi extremamente equilibrada e dificilmente qualquer outro técnico faria o Atlético jogar mais do que aquilo. Se é necessário estabelecer culpados pelo 3 a 3, então teremos uma lista longa. Como exemplos principais podemos citar Igor, que não conseguiu impedir Tuta no terceiro gol, e Dagoberto, que jogou mal e sequer acertou o gol naquela cobrança de falta. Em outras palavras, todos cometeram erros e todos são responsáveis pelo empate. Atribuir um peso maior ou menor para cada erro é subjetivo demais, é um exercício inócuo do "achismo". Para evoluir e conquistar títulos, o Atlético precisa mais do que isso. Precisa de uma avaliação criteriosa, não de uma inquisição infantil inspirada na frustração e na derrota.

Por isso, prefiro agradecer ao técnico Mário Sérgio pelo excelente trabalho no Atlético, por ter ajudado a salvar o time do rebaixamento em 2003, por ter resgatado o profissionalismo e a disciplina no departamento de futebol e por contribuído na invencibilidade de novembro de 2003 a abril de 2004. Faço essa saudação mesmo tendo discordado de várias medidas, como a saída de Jadson nos minutos finais.

Também prefiro exaltar os momentos brilhantes que Igor teve em 2004 e Dagoberto em 2003, assim como os feitos de todos os outros jogadores. Todos eles cometeram erros nessa frustrante final, mas foram valentes. Esse discurso suave pode parecer conformismo ou insensibilidade. Garanto que não se trata disso. Fiquei triste, irado e revoltado com a perda do título, principalmente por ter sido para o insuportável rival. Mas não sou infantil nem injusto como a inquisição da Igreja Católica. Sou cristão e concedo o benefício do perdão aos meus ídolos.

Prefiro agradecer pela campanha do time no Paranaense de 2004, por sinal, melhor que a do Coritiba (empatamos em pontos, mas vencemos no saldo de gols) e rezar para que, no Brasileiro deste ano, o maniqueísmo barato não leve o Atlético a desmontar um time já abençoado por uma invencibilidade de 19 jogos. Que Deus, Alá e Buda iluminem nossos comandantes. Amém.


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