Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Podemos terminar a peleia noutra hora?

26/06/2009


O Rio de Janeiro é o cartão postal do Brasil, lar da Bossa Nova e do Samba, da ginga e do charme. São Paulo, por sua vez, faz-se valer pela força de trabalho e poder econômico. A ponte aérea mais movimentada do mundo transporta os jornalistas mais renomados, que, em declarações de puro reflexo, bajulam o maior mercado consumidor.

Enquanto isso, gaúchos e mineiros disputam a semifinal da Libertadores. Se não contam com o apelo da mídia, como Cruzeiro e Grêmio chegaram lá? Como é que o Internacional conseguiu montar um time de craques? Como pode o Atlético Mineiro ser líder do Brasileirão?

Os gaúchos protegem seus costumes e valorizam os pampas. Preparam um mate bem comprido, vestem a bombacha e o lenço maragato. Celebram a Semana Farroupilha ao som de milongas tradicionalistas. 'O Sul é o Rio Grande. O resto,' Santa Catarina e Paraná, já dizia o Sr. Zancanaro, de Erechim, região metropolitana de Barão de Cotegipe, 'não passa de um pedacinho de terra que separa o Brasilzinho deste meu vasto rincão.' Para o caso de um repentino apocalipse, alguns editores da Zero Hora garantem que a manchete já está pronta: 'O Rio Grande vai acabar!'

A mineirice também tem lá suas particularidades. Todos conhecem a figura do caipira astuto, pacato e hospitaleiro, mascando uma ponta de capim e comendo pão de queijo pelas berada. Certa feita, um espertalhão da cidade grande estava interessado em comprar do Sr. Faria R$ 1.000,00 de suas terras, em Dores do Indaiá, pertinho da Serra da Saudade. De pronto, sentado debaixo de uma queresmeira, nem sequer levantou o chapéu de páia. 'Traiz aí um carrimdimão que eu encho pro sinhô.'

Este é mais um capítulo sobre os verdadeiros problemas do nosso Atlético, que não se resolvem apenas trocando de técnico. Dividimos com Coritiba, Goiás, Sport, Guarani e outros da mesma estirpe as menores cotas da Globo. Não temos torcida no interior, ao contrário do que ocorre no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.

A massa rubro-negra é uma das mais apaixonadas, isto já é fato, atestado até por não atleticanos como Vanderlei Luxemburgo. Só nos falta quantidade, representatividade e, principalmente, orgulho.

É cultural, eu sei. Gaúchos e mineiros têm um sentimento de pertencimento à terra e às suas coisas. Tentaram se emancipar. Protegeram e expandiram suas fronteiras até o implacável contra-ataque imperial. Lutaram por um ideal, como Bento Gonçalves. Entregaram até suas próprias vidas, como Tiradentes.

Dentro de nossas veias paranaenses, não corre um sangue assim. Simplesmente estamos aí, para o que der e vier. Quem sabe para servir de passagem.

O pessoal já perdeu completamente o respeito. Vêm aqui, trocam-se no melhor vestiário da América Latina, beneficiam-se de nossa impaciência, de um empurrãozinho dos árbitros, e mesmo assim não deixam de aproveitar a oportunidade, diante de setenta e dois microfones, para reclamar da má sorte e enaltecer o brio do grupo de jogadores, tenham feito boa partida ou não. E sorriem um sorriso amarelo.

Enquanto isso, usamos a pouca atenção que nos é oferecida para dizer o quanto estamos abalados e perplexos, em feição de súplica, feito o Gato de Botas do Shrek. PelamordeDeus! Não podemos ter pena de nós mesmos.

Quando éramos crianças, eu e meu primo, o famoso arquiteto Rafael Cardoso, pai da Gigi, vivíamos nos quebrando de porrada. Coisa de cusquinho macho marcando território. Mas se entrasse alguém no meio para nos desmerecer ou nos separar, nós dois surrávamos o sujeito. Terminávamos a peleia noutra hora ou fazíamos as pazes. A relação dos atleticanos com o Atlético deveria ser assim também.

Temos o direito de reclamar, cobrar e protestar contra nosso time, mas não podemos permitir que façam isso por nós.


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