Sérgio Tavares Filho

Sérgio Juarez Tavares Filho, 45 anos, é jornalista e morou até os 12 anos em Matinhos, litoral do Paraná. Acompanha o Atlético desde que nasceu e vive numa família 100% rubro-negra. Até os cachorros se chamam Furacão e Furacão Júnior. Foi colunista da Furacao.com entre 2001 e 2009.

 

 

Pequenas histórias atleticanas

26/03/2009


Dia 02 de agosto de 1990. Matinhos. Inverno. Frio. Como sempre fazia, ligava o rádio ao menos uma hora antes de uma partida para que já pudesse entrar no clima do jogo. Naquela noite não foi diferente. Às 19h30, mesmo com a Voz do Brasil em cadeia, sabia que naquele espacinho do dial ficava a saudosa Rádio Clube Paranaense. Às 20h00, a abertura da jornada com o também saudoso e amigo Lombardi Júnior foi a adrenalina necessária para que um pequeno coraçãozinho pudesse bater mais forte. Quem é atleticano sabe do que eu estou falando. O nervosismo e a ansiedade do nosso povo é diferente. A magia que toma conta da multidão vermelha e preta não é comparável a nada.

Volto ao jogo. Crise de bronquite. Como os meus pais sofreram na minha infância. "Saia do sereno", "coloque um gorro", "não fique na chuva", "não saia suado do ginásio depois de jogar bola", "não beba gelado" e outras frases já manjadas por um garoto de apenas 10 anos saiam ao natural da boca dos velhos. Seguia os conselhos, mas naquela noite de Atletiba decisivo não consegui esconder a tosse e o chiado no peito. Há quase vinte anos não tínhamos o popular inalador. Tínhamos que nos deslocar até o Hospital Nossa Senhora dos Navegantes e pedir para as médicas Djamedes, Yaskara ou Denise (essa até hoje por lá em Matinhos! Um abraço) o soro fisiológico com três gotas de Berotec.

Não quis sair de casa. Sabia que se fosse ao hospital não coneguiria mais ouvir a partida. Apesar do rádio no carro, a Clube e o Lombardi não eram sintozinados "em movimento". Era apenas num canto do quarto ou em cima da mesinha da sala os locais estratégicos. Sintonia no carro apenas lá no Ferry-Boat, entre Caiobá e Guaratuba. Quantas vezes passeamos aos domingos e às 15h30 ficávamos por lá para escutar um Atlético x Batel de Guarapuava da vida. Mas naquela noite não havia ninguém que me tirasse de casa. Nem mesmo a bronquite.

Idiota, logo pensei. Os coxas haviam aberto o placar. E eu lá com a tosse, falta de ar e o chiado no peito. Minha mãe não aguentou. Tinha que fazer alguma coisa. O "saia do sereno", "coloque um gorro", "não fique na chuva", "não saia suado do ginásio depois de jogar bola", "não beba gelado" não adiantou. Eu já estava mal. Levantou-se da cama , foi até a cozinha preparar um leite quente com mel e margarina. Enquanto isso a partida se encaminhava para os minutos finais. Ao chegar com a xícara muito quente, o iluminado Dirceu recebeu um cruzamento de Gilberto Costa e empatou a partida aos 45 finais. O leite esfriou sem precisar ser bebido com fé.

Naquela noite o Atlético curou a minha crise de bronquite. Três dias depois, no meu aniversário, Berg me presenteou com o título Paranaense. Dia 05 de agosto de 1990. Matinhos. Inverno. Frio. E eu feliz da vida.

Na piscina não, vó!

Já nasci atleticano, mas a paixão aumentou por causa de duas pessoas: meu tio-avô Hailton Fantinato e a minha avó Hilda. Ele foi um dos diretores do Atlético na década que mais levamos chapuletada dos coxas. Em 70 não era fácil jogar contra eles e contra a direção do Evangelino.

Minha avó nunca perdeu a esperança de ver um Atlético forte. Em 95, logo após a já conhecida derrota no Couto para eles, chegou a profetizar que "com esse moço que está entrando agora, tudo vai se encaminhar". Ela tinha razão. Mário Celso Petraglia assumiu, transformou o Rubro-Negro numa potência que hoje é administrada com carinho pela dupla Geara-Malucelli.

Volto quatro anos antes do Petraglia assumir. Em 1991 o Atlético começou o Campeonato Brasileiro de forma impecável. Venceu o Flamengo por 3 a 0 no Pinheirão (participei desse jogo, com 11 anos, ao lado do Lombardi, Fernando Gomes e Raul Mazza. Pela amizade que tínhamos com o narrador, ele me fez o convite numa caranguejada lá no litoral. De bate-pronto, topei e fui muito bem recebido na cabine da Clube. Ê, saudades. Tenho até hoje essa partida gravada em K-7. Minha voz era mais fina do que a Tetê Espíndola cantando Escrito nas Estrelas).

Depois enfrentou o Grêmio, também em casa e meteu um 4 a 2. Nessa partida, minha avó fez um desafio. Se o Atlético ganhasse dos gaúchos, iria se jogar na piscina do meu tio que passava férias lá na praia. Eu, meu pai e ele subimos a serra para ver o jogo.

Na volta, com os 4 a 2 e a segunda vitória consecutiva no Brasileirão, vimos cenas tragicômicas gravadas na filmadora. Assim que o árbitro encerrou a partida, minha avó se jogou com roupa e tudo na piscina. Sob os gritos de "ganhamos mais uma. Eu falei que ia pular", a avó não conseguia subir as escadas para sair. Apesar de dar pé, ela assustou os primos mais novos e as mulheres que cuidavam da casa. "Sai, vó. Sai, vó". "Coloque o pé na escada". "Eu não consigo". Depois de muita paciência e contida a euforia, a avó saiu e o final foi feliz.

"Tem que ter dom para ser atleticano", diria ela. Onde quer que eles estejam, meu tio e minha avó continuam com o coração atleticano. Tenho certeza.

Carnaval em Antonina

Comecei a amizade com o Marçal e com o Cleverson - outros dois administradores da Furacao.com - por causa da história que vem a seguir. Era 1999. Já estava trabalhando e contava os dias para a chegada do Carnaval. Descobri que a Escola de Samba Leões de Ouro, em Antonina, iria homenagear o Atlético. Liguei para dois amigos e organizei a viagem. "7h40 a gente sai daqui de Curitiba. Pegamos o ônibus na rodoviária e descemos a serra".

Ideia fantástica. Às 9h eu, Eduardo e Fábio já estávamos no litoral. Antonina, por tradição, é atleticana. E a homenagem da Leões foi o começo da brasa para esquentar a noite que viria.

Agora eu pergunto, atleticano. O que fazer das 9h até às 20h? Para quem estava com bandeira, camisa, boné e tudo o que era possível do Atlético, eu a dupla de amigos resolvemos caminhar até a Ponta da Pita. No meio do caminho, uma chuva de verão. Encharcados, um olhou para o outro e fez cara de "olha a merda que a gente resolver fazer". Por sorte, a água parou e lá fomos nós tal qual Geraldo Vandré: caminhando e cantando.

Numa rua, achamos uma casa com roda de samba. Para quem estava perdido, pedimos licença e começamos a batucar. A minha experiência musical se resume a bater palmas. Gosto de um bom samba, mas na terceira batucada no tamborim, estraguei o instrumento de uma "mulher-homem". Antes que apanhasse, agradecemos pela gentileza de receber três malucos de Curitiba, conseguimos uma carona e voltamos para o centro, onde seria o desile da Leões.

Já caindo a tarde, vimos Sicupira, Washington e Amauri ensaiando uns versinhos para, ao menos, mexer a boca na homenagem ao Atlético. Era mais ou menos assim:

Lá vem a minha escola querida
Passando como um Furacão
E o meu povão está em festa
É o Rubro-Negro dentro do meu coração

Palco de grandes emoções
Minha Baixada é um cenário sem igual
Grandes cartolas e histórias
Celebridades como Jofre Cabral

Clássico das multidões
Rivais que coloriram momentos de alegria
Na Vila tem o tricolor
Balança o povo quando é um Atletiba

Ecoa um canto no céu
Explode de emoção
Atlético é só paixão
Minha torcida feliz
Sempre a cantar o refrão
Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe Furacão

Gonçalves, Cecattos, Gotardis
Famílias de uma só paixão
Ilustres antoninenses
Orgulho e consagração

Estrelas de chuteiras
Astros que fizeram sonhar
Caju a Majestade do Arco
Tocou a bola pra Cireno catimbar

Dos pés nasceram jogadas
Que fizeram a torcida delirar
De Zé Roberto a Sicupira
E o Casal Vinte para golear

Vem cá, vem cá
Sonhar, sonhar
Rubro-negro é só paixão
Gritar, torcer, vibrar, vencer, ô
Fazendo o Caldeirão estremecer


O ensaio dos ex-jogadores deu certo. Fizemos um desfile magistral. A avenida colorida de vermelho e preto, integrantes da Fanáticos, eu com um apito na boca organizando o bloco da torcida, bateria fantástica, meus amigos em êxtase. Não tinha como dar errado.

Já de volta a Curitiba, descobri que ganhamos o Carnaval 99. E eu quis informar o pessoal da Furacao.com do feito. No primeiro contato com Cleverson, ele pensou que eu era integrante da Leões de Ouro. Fiz um textinho, mandei a notícia e a partir disso minha caminhada no site foi mais frequente.

Tudo por causa do Atlético. Só o Atlético.

Causos como esses acima, também fazem parte da sua história, torcedor. Não tem como escapar da realidade. Vivemos o clube todos os dias. Somos apaixonados. O combustível que abastece o coração do atleticano, é abastecido com exclusividade no posto da Arena da Baixada. Mesmo quem está longe de Curitiba sabe o que eu estou falando.

Parabéns, meu clube.


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