Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

Campinho

26/03/2009


"Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto".

Vou de arrasto nas palavras do grande Armando Nogueira.

Minha vida sem o Atlético seria um campinho de pelada vazio. Uma pracinha sem o alarido da piazada brincando de bola. Sem o barulho do couro batendo no saibro áspero. Sem risos, sem gritos, sem graça.

Às vezes me pego absorto, imaginando como seria viver sem o meu Atlético. Se na realidade que me foi dada pra viver não existisse essa bruma vermelha e negra que preenche a totalidade dos meus dias.

Não teria usado, sem querer tirar do corpo, durante mais de uma semana, sem nem pensar que um dia teria que ser lavada, a minha primeira camisa do Atlético.

Não teria, no primeiro dia de aula na escola nova, me sentido forte e seguro ao reconhecer como meus pares, garotos que cantavam o estribilho do hino Rubro-negro.

Não teria tanta pena dessas pobres almas coxas-brancas, que vivem um inferno em vida sem saber.

Não teria, agarrado à grade do alambrado, visto pelejas à altura dos olhos, xingado noventa gerações do bandeirinha à um braço de distância, sentido de forma tão intensa o cheiro de grama se desprendendo do solo na Velha Baixada.

Não teria respirado aliviado com aquele milagre do Roberto Costa. Com aquele tapa salvador do Gilmar. Com a ponte heróica do Ricardo Pinto.

Joel não seria um carrasco idolatrado. Nem Dirceu. Não teria saboreado com alegria e sadismo todo o mal que eles fizeram ao povo verde.

Não me sentiria vingado pelo Pateta. Nem teria reconhecido a intrepidez do Araxá.

Não teria aplaudido quando o Fião isolou aquela bola.

Não teria me emocionado com o choro do Sabiá. Nem com o urro do Gabiru ajoelhado.

Não teria ouvido o pobre povo verde gritar o nome do Oséas e ele agradecer fazendo um gol no último minuto.

Nem me sentido grande quando o Rink bateu na saída do goleiro lá em Mogi.

Não teria visto Alberto como um autêntico ninja lutando contra os exércitos do mal nas laranjeiras.

Não teria testemunhado, como em um milagre, como se fosse o Mar Vermelho se abrindo, o nosso povo voltar de forma definitiva à terra prometida.

Não teria visto tão de perto as idéias de um homem mudarem o destino de uma gente sofrida, mas guerreira e orgulhosa.

Não teria o dia 23 de dezembro de 2001 como um dos mais felizes da minha vida.

Não teria feito gols incríveis na Baixada, gols de raça, gols de puro talento, gols salvadores. E ter lamentado, como uma criança da qual tiraram o doce, ter acordado em um quarto escuro.

Meu campinho, esse que bate aqui meio pra esquerda, é repleto de crianças brincando e vibrando com a pelota que rola. Tem vida, tem barulho, tem risada, tem alegria. Tem a poeira da terra batida suspensa no ar, movimentada por pezinhos ligeiros que perseguem a bola.

Minha vida tem Atlético. Graças a Deus.


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