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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Éramos três amigos sentados à mesa, e não me perguntem como a conversa – que começou em futebol – acabou em Gilberto Gil. E acabou mal. O fato é que em determinado momento a Ana Luísa (se) entregou:
- Eu adoro o Gilberto Gil! Adoro!
Como sou meio político, eu disse apenas:
- Não gosto de Gilberto Gil, Ana, mas tem duas músicas dele que acho geniais: Drão e A Paz!
Aí o Paulo César radicalizou:
- Porra! O Gilberto Gil é o compositor mais imoral da MPB. É um pulha, um podre, é um degenerado!
A fúria do Paulo César nos causou justificado espanto e aí perguntamos:
- O Gilberto Gil é o compositor mais imoral da MPB, é um pulha, um podre e é um degenerado por quê?
Veio a resposta do Paulo:
- Porque esse imbecil teve a audácia de escrever uma música escandalosamente pornográfica! Declaradamente pornográfica! Propositadamente pornográfica! Um acinte contra a moral média da sociedade brasileira e contra os bons costumes!
Diante da fúria do bom amigo Paulo, eu e a Ana fizemos outra pergunta:
- Mas que música pornográfica é essa, Paulão?
E o Paulão nos respondeu:
- Te empurrei!
- Como é que é, Paulo? – eu quis saber, pálido de espanto!
- Te empurrei! Te empurrei! – ele repetiu como se a repetição, por si só, fosse esclarecer alguma coisa! A Ana Luísa permanecia imóvel, sustentando a tulipa de chope paralisada no ar.
- Você está falando sério, Paulo? – perguntei, perplexo, diante da afirmação do amigo.
- Seriíssimo, Rafael! O Gilberto Gil é tão sujo, tão pervertido e tão descarado, que compôs: “Te empurrei, ó, te empurrei, ó, te empurrei!”. E você acha que ele estava fazendo alusão a quê? Ora, Rafael, “Te empurrei!” é uma metáfora para descrever o ato sexual!
Ao ouvir a explicação do Paulo, não pude me conter:
- Animal! Você, sim, é um degenerado! A música do Gil não fala nada disso aí, sua besta! A música é linda e diz assim: “Tempo Rei, ó, Tempo Rei, ó, Tempo Rei! Transformai as velhas formas do viver! Ensinai-me, ó, Pai, o que eu ainda não sei! Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei!” – e disse isso quase a ponto de dar uma porrada no Paulo.
A Ana Luísa assistia a tudo, e dela não se ouvia uma palavra. A tulipa de chope suspensa no ar.
- Rafael, estou te dizendo, eu tenho o disco, e o Gil canta, exatamente: “Te empurrei, ó, te empurrei, ó, te empurrei!” – e dito isso, o Paulão se levantou e foi para o banheiro lavar o rosto, pois estava vermelho, quase a ponto de explodir por conta da nossa discussão.
Aproveitando a saída do Paulo, virei para a Ana Luísa e desabafei:
- Ana, como o Paulo é teimoso! Teimoso e completamente louco! Onde já se viu acreditar que o Gilberto Gil teria gravado um deboche desse porte? “Te empurrei, ó, te empurrei, ó, te empurrei!” – só na cabeça podre do Paulo! Onde já se viu, Ana? Cara maluco!
E aí a Ana Luísa, saindo do transe no qual mergulhara, levou aos lábios a tulipa de chope, deu um gole curto, botou a tulipa na mesa e detonou:
- Rafael, eu não quis falar nada enquanto vocês estavam discutindo, até porque você sabe que não sou muito fã do Paulo César, mas ele está certo. O Gil canta, direitinho: “Te empurrei, ó, te empurrei, ó, te empurrei!” – eu tenho o disco lá em casa, mas nem escuto muito por causa dessa música imoral, podre e degenerada, que estraga tudo!
E aí eu, que já estava pálido de espanto por conta da burrice do Paulo César, quase caí da cadeira em face das palavras da Ana Luísa que, inacreditavelmente, ratificavam a tese do Paulão (a Ana também escutava o que só o Paulo César – podre e degenerado, mas meu amigo - conseguia ouvir).
Esse episódio aconteceu lá por 2002 e desde então eu nunca mais havia provado a sensação de máxima perplexidade como aquela. Porém, agora há pouco, lendo a versão digital da Gazeta do Povo, deparei-me com a seguinte notícia, transcrita em apertada síntese:
“O esperado reforço do Atlético Paranaense para a próxima fase do Estadual já tem nome: o atacante Wesley, de 21 anos. O jogador está treinando em separado no Santos, clube que o revelou, e chega para atender a uma demanda do técnico Geninho, que se queixou da falta de um avante de velocidade. A expectativa é de que os últimos detalhes da negociação sejam fechados nesta quarta-feira. O jogador já participou de 47 partidas pelo Peixe, porém marcou apenas um gol. Foi no Campeonato Paulista de 2008, em 21 de fevereiro, quando os santistas venceram o Guarani por 3 a 1”.
Dada a notícia, explico as razões da minha perplexidade máxima:
1. A notícia usa o termo reforço, quando deveria ter usado revelação. Ora, reforço é o termo correto a ser utilizado quando um time contrata um jogador para vir e resolver os problemas, pois o cara é, reconhecidamente, alguém que vem e resolve a parada. Se o problema do time é a falta de gols, o time vai lá e contrata o Kleber Pereira ou o Alex Mineiro. Aí dá pra falar: chegou reforço! Mas quando faltam gols e aí trazem do Santos o atacante Wesley, de 21 anos, não dá pra dizer que reforçaram o time, pois se trata, quando muito, de uma revelação contratada.
2. O jogador – atacante qualificado como reforço – marcou 1 gol em 47 partidas, e notem que o tento solitário aconteceu há 14 meses! Ora, Amigos, 1 mísero gol, em 47 partidas? Isso não é currículo que orgulhe nenhum atacante!
3. Será que a Diretoria aposta em Wesley na esperança de formar a promissora dupla de ataque “Wesley-Jorge Preá”?
Não sei por que hoje fui lembrar do Paulo César e da Ana Luísa. Vai ver que tem alguém cantando por aí "Te empurrei, ó, te empurrei, ó, te empurrei!”. Será em Santos? Tomara que não!
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