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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Marcos, essa torcida já sofreu demais!
23/03/2009
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Março de 1997. Eu tinha 21 anos. Quintanista de Direito. Fui estagiar na Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Educação. Oito horas por dia, quarenta horas por semana. Nos primeiros cinco dias, botaram-me para bater carimbo nas vias dos convênios e nas páginas dos volumosos processos administrativos. A chefe, Drª Cecília Aparecida Veiga de Macedo, estava em Foz do Iguaçu.
Retornando de viagem, pegou-me batendo os carimbos, e não disse nada. Eu, em constrangido silêncio, carimbava caprichosamente o material que me era passado. Carimbo, rubrica e a vontade de não estar ali. Mais uma semana e os dedos sujos de tinta azul. Eu, que me julgava tão capaz de elaborar os pareceres daqueles processos, passava os dias no ofício de carimbador-maluco. Na cabeça, tocava Raul: “É preciso o meu carimbo dando o sim, sim, sim...”.
Certa manhã, a Drª Cecília me chamou no Gabinete e perguntou se eu podia fazer um parecer. Estendeu-me o processo com uma gentileza que a gente só encontra nas pessoas que mudam a vida da gente. Agarrei o processo como se agarrasse uma grande chance, daquelas que mudam a vida da gente. Li e reli o processo, depois redigi um parecer caprichado. Utilizei meus melhores conhecimentos jurídicos e de Língua Portuguesa, imprimi duas vias da peça opinativa, repassei para a Assessora dela, Maria Doroti, Advogada e Professora de Português e fiquei esperando na minha sala.
Eu confiava nos meus conhecimentos jurídicos e lingüísticos, sentia-me capacitado a emitir os pareceres, afinal era quintanista de Direito. Duas horas mais tarde, fui chamado à sala da Chefe. A Assessora, Maria Doroti, estava com uma via do meu parecer em mãos. A distância, pude ver diversos círculos feitos com caneta vermelha. Minha peça opinativa, salpicada fartamente de vermelho, parecia ter contraído sarampo. A Doroti puxou uma cadeira ao lado da mesa dela, pediu que eu me sentasse e iniciou a preleção.
Rafael, você gosta de escrever, escreve bem, mas comete erros gramaticais imperdoáveis para um quintanista de Direito. Eu, que me julgava dono de um Português no mínimo competente, estava diante de alguém que apontava meus erros, com tinta vermelha, daquelas que marcam a gente e o papel. Diversos círculos vermelhos em torno das minhas construções frasais, das construções que, até então, eu julgava serem boas. Eu estava vermelho de vergonha diante daquele papel – já nem era um parecer – era apenas um papel a me encher de vergonha.
Diante da crítica, a gente pode assumir duas atitudes: i. Reconhecer, humildemente, os erros e corrigi-los; ii. Rechaçar a crítica, com arrogância, e seguir errando, orgulhosamente.
Eu tinha 21 anos, era Quintanista de Direito, acreditava ser dono de um Português impecável, quando alguém, que sabia muito mais do que eu, apontou-me os erros mais grosseiros, durante meia hora que me pareceu durar uma eternidade. Acabada a preleção, eu pedi “A Senhora me ensina a Gramática?”. Ela aceitou a missão e as lições foram acontecendo.
Eu redigia os pareceres, cada vez mais caprichados, e os submetia à Assessora, Maria Doroti, que passou a ser chamada, simplesmente, de Doro. Deixava com ela os pareceres, ia para a minha sala e esperava o chamado. Todos os dias, eu ia à sala dela.
- Rafael, olha aqui ó, não se separa o Sujeito do Predicado com vírgulas!
- Ah é, Doro?
- É!
- Então me mostra por quê!
Ela pegava a caneta vermelha, grifava o verbo com dois traços e dava início à explicação:
- Está vendo o verbo? Pergunte “quem” para achar o sujeito. Achou o sujeito? Ótimo! O que sobra é o Predicado! Há três tipos de Predicado...
E eu ia absorvendo tudo, ia aprendendo e reaprendendo regras gramaticais. A gente acha que sabe tudo, mas, no fundo, a gente é sempre aprendiz.
Ela pegava a caneta vermelha, circulava os erros e me chamava:
- Rafael, tomou sopa de “que”? Olha quantos “quês” existem neste seu texto! Isso não pode acontecer, Rafael!
- Ah é, Doro?
- É!
- E como é que a gente elimina os “quês”?
- Já ouviu falar em Orações Reduzidas de Gerúndio, Infinitivo e de Particípio?
- Não!
- Então veja só...
E eu ia absorvendo tudo, aprendendo e reaprendendo. Passei a escrever com o dicionário e com a Gramática sempre ao meu lado. Ia para casa e estudava a Gramática, inclusive nos sábados e domingos. Passei a escrever pareceres mais longos e mais contundentes. Eles iam para a Doro, eu ia até a sala dela e as aulas aconteciam, conforme o combinado. Eu pegava o parecer corrigido, passava a limpo, imprimia as vias definitivas e entregava para ela passar à Chefe, Drª Cecília, para assinatura e encaminhamento ao Senhor Secretário.
Em agosto de 1997, eu já estava com 22 anos, escrevi um parecer de seis páginas, imprimi as duas vias, passei para a correção da Doro e fui para a minha sala esperar o chamado, as correções, os círculos vermelhos, as aulas, etc. Passaram-se dois dias, e nada de ela me chamar. Impaciente, fui lá.
- Doro, não corrigiu ainda aquele meu parecer de seis páginas?
- Corrigi!
- E por que até agora você não me chamou?
Perguntei isso para ela, sem disfarçar a impaciência e a brabeza. Era o melhor parecer que eu tinha escrito, seis páginas, peça contundente, forte, daquelas que a gente escreve como se estivesse tomado por um espírito muito superior. Ela ouviu minha pergunta e riu. Repeti:
- Doroti, por que até agora você não me chamou?
- Rafael, o parecer já foi assinado pela Drª Cecília e já foi encaminhado ao Senhor Secretário. Eu não te chamei porque não tinha erro a ser consertado, nem uma vírgula fora do lugar, nem um acento, nem um erro de grafia, nada de “quês” em excesso, nada a ser corrigido. Estava perfeito, jurídica e linguisticamente falando. Parabéns, meu filho!
Depois daquele dia, escrevi mais uma centena de pareceres na Secretaria de Estado da Educação. Todos passaram pelo crivo da Doro e era muito difícil aparecer um erro. Quando aparecia, ela me chamava, corrigia e dava a preciosa lição. Humildemente, aprendia tudo e aquelas aulas me foram úteis pelo resto da vida.
Em 2004, uma escola particular, depois de testar dezenas de professores egressos das faculdades de Letras, encontrou neste pobre advogado, estudioso da Língua Portuguesa, a solução para a vaga aberta em seu corpo docente.
Eu, que estava desempregado, fui lá me valendo dos conhecimentos adquiridos na Secretaria da Educação e não fiz feio. Três anos de aulas inesquecíveis para mim e para os meus alunos. “Olhem aqui ó, não se separa o Sujeito do Predicado com vírgulas! Estão vendo o verbo? Pergunte “quem?” para o verbo para achar o sujeito. Acharam o sujeito? Ótimo! O que sobra é o Predicado! Há três tipos de Predicado...”.
Em 2004, resolvi escrever colunas nesta Furacao.com. Uma vez mais a Língua Portuguesa, (re)aprendida na Secretaria da Educação, fez com que eu não fizesse muito feio, pois, por incrível quer pareça, há pessoas que gostam da minha coluninha.
Era Março de 1997. Eu tinha 21 anos. Quintanista de Direito. Fui estagiar na Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado da Educação. Tinha sido um excelente aluno de Português em todos os colégios por que passara, mas o fato de não exercitar a Língua Portuguesa fez com que eu esquecesse o que sabia, ou julgava saber, e fez com que eu tivesse de (re) aprender o idioma pátrio. E eu aceitei aquelas preciosas lições com humildade e hoje posso dizer que me viro bem na Língua Portuguesa, Última Flor do Lácio, Inculta e Bela.
Em Março de 1997, eu era apenas um menino. Trazia comigo qualidades e defeitos. Precisava de uma oportunidade, mínima que fosse, para mostrar que eu era capaz. Trazia comigo – vivas e incandescentes – as lições do Direito. Escrevia pareceres que, se eram bons no conteúdo, esbarravam na forma, pecavam pelo Português que eu havia esquecido pelo desuso e que eu só recobrei com as lições da Doro. Na Secretaria da Educação, entrei menino, em Março de 97, e saí homem, catorze meses depois. Homem de Letras. Homem que ensinou centenas de meninos e meninas durante três anos que me são inesquecíveis.
Prezado Marcos Malucelli, eis que faço, uma vez mais, severa crítica, pois essa é a missão pesada afeta a nós, colunistas. Nosso Atlético, hoje, é um Clube grande com um time pequeno. As carências coletivas e individuais saltam aos olhos, o padrão tático há tempos deu lugar a um corre-corre infrutífero e atabalhoado. Não vemos nem sequer uma jogada ensaiada. Nossas peças são neutralizadas com facilidade. O Atlético, hoje, está longe de ser um time campeão.
Os meninos, que se sagraram vice-campeões da Copa São Paulo de Juniores-2009, não tiveram chance no time de cima, apesar das enormes carências do time principal, carências essas que se fazem notar desde a primeira rodada do estadual.
Dentre aqueles meninos vice-campeões, há jogadores que apenas esperam uma chance para explodir para o futebol e o campeonato paranaense seria o laboratório perfeito para o lançamento desses guris. Evidente que, pelo noviciado, eles precisariam deste ou daquele conselho, desta ou daquela lapidação e isso poderia ter sido feito pelo experiente Geninho e sua Comissão Técnica.
No entanto, sem que nos fosse dada suficiente justificativa, nossos meninos permanecem no time de baixo, provavelmente pensando “Se me fosse dada uma chance, eu faria melhor do que os profissionais que estão em cima!”.
Talvez seja ousadia dos meninos pensar que são melhores que os de cima; talvez seja teimosia da Direção pensar que eles não são. Diante da crítica, Prezado Marcos Malucelli, a gente pode assumir duas atitudes: i. Reconhecer, humildemente, os erros e corrigi-los; ii. Rechaçar a crítica, com arrogância, e seguir errando, orgulhosamente.
Fazer futebol é uma arte que poucos dominam e não basta estar dentro de um Clube de futebol para aprender essa arte. Fazer futebol é um dom raro, como raros são todos os dons. Fazer futebol, assim como aprender na marra a Língua Portuguesa, é ofício que exige humildade, observação, ouvidos e olhos atentos, noites de sono perdidas, tentativas e erros, estudo e professores dedicados que conheçam a matéria e resolvam nos ensinar.
O Direito, meu caro Marcos, nos ensina muita coisa de tudo, mas nenhuma coisa de Português e de Futebol. Uma vez mais faço a crítica, ofício duro que pesa sobre os colunistas, sempre no intuito de ver o Atlético mais forte.
O senhor, preclaro Marcos, pode aceitar a crítica, reconhecendo e corrigindo os erros, com humildade e coragem.
Pode trazer para o Atlético pessoas que conhecem de bola, como fizemos em 1998 ao trazer o genial Rubens Minelli para assessorar o competente Abel Braga ou como fizemos em 1995 ao confiar nosso time ao não menos genial José Macia, imortalizado no mundo da bola como Pepe, parceiraço do Pelé.
O senhor, estimado Marcos, só não pode ficar parado vendo um time pequeno vestir as cores de um Clube grande. O senhor só não pode ficar parado vendo um time apequenado entregar para os verdes, de bandeja, mais um título estadual que tinha tudo para ser nosso!
Marcos, essa torcida já sofreu demais!
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