Juliano Ribas

Juliano Ribas de Oliveira, 51 anos, é publicitário e Sócio Furacão. Foi colunista da Furacao.com entre 2004 e 2007 e depois entre março e junho de 2009.

 

 

A culpa é do pão com bife

20/03/2009


Adoro pão com bife. Lembro de bons pão com bife que já mandei ficha. Um deles encontro sempre no Restaurante Girassol, em Palmeira. Sempre que ia a jogos do Furacão em Ponta Grossa ou em Iraty, ou em viagens pela região, dava uma colada lá e mandava um, com ovo estalado acompanhando. Nas inúmeras viagens que faço entre São Paulo e Curitiba, encontro a iguaria bem feitinha no restaurante do posto Petropen ou no do Buenos Aires. Nesses lugares, chamam-na de “churrasco”. Sei lá porque chamam assim um sanduba de carne feita na chapa.

Não quero com este texto transformar esse amigo dos esfomeados em vilão. Não mesmo.

É que o pão com bife é um símbolo dos tempos em que os atleticanos assistiam futebol sem conforto. Quando se digladiavam para matar a fome no estádio com um pão chocho, recheado com um bifaço sola de sapato com uma bela guarnição de sebo, preparado num cercadinho de tijolos identificado com a singela placa “Bar”. Lá também encontrava-se a cerveja e o refri, dentro de latas de lixo de ferro, escondidos debaixo de grossas traves de gelo. É daquele pão com bife, que já me custou obturações no esforço em rasgá-lo e triturá-lo, que estou falando. Ele é a cara do futebol que ainda se faz no Brasil, esse país que daqui a cinco anos quer sediar uma Copa do Mundo. Um pão com bife seboso e feio.

Dentro desse cenário que ainda persiste na grande maioria dos estádios brasileiros, o governo teve a brilhante idéia de criar um cadastro de torcedores com o mimoso nome de “Torcida Legal”, que será obrigatório a partir do ano que vem, com o intuito de reduzir a selvageria que reina nos estádios e fora deles no país. É uma ideia inviável, para não dizer idiota, e que pune o bom torcedor. Mais um paliativo inócuo.

A violência no futebol não é privilégio do Brasil. Já foi um câncer na Inglaterra, o país com o futebol mais desenvolvido do mundo. Mas lá, ela foi resolvida com um plano de ações bastante eficaz, que tinha o nome pomposo de “Relatório Taylor”.

Pomposo no nome, afinal, é inglês. Mas bastante simples na formulação, afinal, é inglês.

A idéia básica partia da premissa de que é impossível se exigir um comportamento adequado em condições inadequadas. É muito mais complicado você exigir ordem social em uma favela onde faltam condições básicas de sobrevivência, por exemplo. Por isso favelas são considerados territórios hostis, não são as pessoas que lá estão que são más, mas é o ambiente que se torna propício à vilania.

A linha mestra do Relatório Taylor era: humanizar o ambiente hostil do futebol. Coisa que se faz no Atlético Paranaense desde a inauguração da Arena. Nós fizemos isso antes de todos aqui, trouxemos as famílias de volta ao campo e tratamos todos bem quando isso parecia heresia no Brasil.

Mas antes desse relatório, houve outra tentativa mal-sucedida do governo inglês. Após uma tragédia em que torcedores do Liverpool provocaram a morte de 39 torcedores da Juventus no estádio Haysel, em Bruxelas, pela Copa dos Campeões, os clubes ingleses foram banidos por cinco anos de todas as competições européias. O Liverpool, por dez. Os ingleses, preocupados com os rumos de seu futebol, buscaram resolver o problema. E foi escrito o Relatório Popplewell. Que depois se mostrou ineficaz.

E qual foi uma das medidas desse relatório Popplewell? O cadastramento dos torcedores.

E qual foi a outra medida “inteligente” adotada nesse relatório que deu com burros n’água? Uma cerveja gelada pra quem adivinhar. A proibição do consumo de álcool nos estádios! Genial!

Esse relatório era carregado de um empedernido preconceito contra os torcedores, estereotipava o fã de futebol como rude, bêbado e mal-educado. Os estádios passaram a ter tantas câmeras de segurança quanto o mais seguro presídio inglês. Mas ao mesmo tempo, continuavam a ser verdadeiras pocilgas.

O relatório Popplewell foi substituído. O escrito pelo Lord Peter Taylor foi adotado a partir de 1989, e o cadastro de torcedores, o “Torcida Legal” inglês, foi abandonado devido a ineficácia. Decidiram então combater as causas não os efeitos.

Foi o fim de estádios sem estrutura, com arquibancadas de madeira ou sem assentos numerados, com banheiros imundos, cozinhas podres servindo gororobas horrendas; com acessos estreitos, sujos e mal conservados e iluminados, sem distinção clara das entradas do time da casa e do visitante. A cerveja voltou a ser parte do espetáculo e fonte de renda. Quem vai ao estádio passou a se comportar como gente, pois começou a receber tratamento de gente. Foi o fim do pão-com-bife-e-sebo inglês.

Não se encontram mais hooligans na vida dos clubes. Exercitam sua selvageria apenas no submundo e de vez em quando de lá eles emergem e aparecem em jogos da seleção inglesa pela Europa. Mas o problema entre os clubes foi praticamente extinto.

Aqui, vinte anos depois do cadastro de torcedores ter sido um fracasso na Inglaterra, resolve-se adotá-lo. A cerveja, que faz parte da diversão de muitos homens de família, está proibida. E o único clube que trata seus torcedores com respeito, ainda é, apenas e tão somente, o Atlético Paranaense.

No Atlético Paranaense a torcida já aprendeu a sentar nos lugares marcados. Já aprendeu que deve cuidar do que é seu. O ambiente é civilizado e seguro e chama as famílias aos espetáculos. Existe limpeza e conservação e a maioria da torcida zela por isso. E todo mundo sabe que não vai passar fome no estádio por nojo da comida. Ainda podemos melhorar e muito, mas dentro do mar de sebo que é o futebol brasileiro, com seus Maracanãs, Pacaembus, Coutos Pereiras, Morumbis, Fontes Novas, Beiras Rios, o Atlético Paranaense é a solidificação de um Relatório Taylor à brasileira.

Ainda bem que as ideias de Mário Celso Petraglia, o nosso Lord Taylor, foram adotadas aqui, bem no Atlético, não em outro clube. Nenhum atleticano consegue mais se imaginar em uma Baixada sem o conforto que tem hoje. Todo atleticano quando sai de casa e vai a outros estádios, sente saudades da nossa moderna Arena. Quem ainda vai à palhoça verde em Atletibas sabe do que estou falando: goteiras, sujeira, perigo de acidentes, desconforto e cheiro de urina por toda a parte. E assim é em todos os outros estádios do Brasil.

Se há violência, muito é pela forma como se trata os torcedores e os cidadãos no Brasil. E não é os fichando como bandidos ou proibindo seus justos prazeres, é que se vai melhorar o futebol brasileiro.

É preciso cortar o sebo dos nossos pão com bife.


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