Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Ao Atlético, com carinho!

17/03/2009


A gente aprende na escola que o Mundo é um só. Nosso Mundo único, segundo dizem os compêndios, é o Planeta Terra, assim batizado embora três quartos de sua superfície sejam ocupados pelas águas (Terra, Planeta Água, grande paradoxo assinalado por Guilherme Arantes em uma bela canção).

A gente aprende na escola que o Mundo é um só, mas na verdade existem seis bilhões de Mundos, um para cada habitante do Planeta. Há um Mundo em cada habitante do Planeta e como homens nascem, a todo momento, há um Mundo novo nascendo a cada instante, na vida que explode – como num milagre – na face aparentemente intocada da Terra.

Homem que sou, tenho o meu Mundo e nele a vida acontece vinte e quatro horas por dia, há quase 34 anos. Meu Mundo, por certo, não é vasto como o Mundo da Geografia onde seis bilhões de pessoas se espalham e se espremem em vastos e diminutos espaços territoriais. Meu Mundo não tem concentração nem explosão demográficas, mas tem território, tem habitantes, tem bandeiras, histórias, guerras, armistícios, canções, filmes, prosas e poemas.

Certa vez, minha mãe me contou a história de um menino que foi falar com o Rei. Perdido de sua mãe, o menino recorreu a Majestade para que pudesse encontrá-la. “Quem é sua mãe, menino?” – teria perguntado o Rei – obtendo como resposta “Minha mãe é a mulher mais linda do reino!”.

Imediatamente, o Rei destacou dois soldados de sua guarda para que acompanhassem o menino na busca e que se revirassem todas as ruas, vielas e terras do reino até que fosse encontrada a mãe, a mulher mais linda do reino. Partiram na jornada.

Pelo caminho, as mais belas jovens foram apontadas pelos guardas, e o menino dizia, ao ver cada uma “Não. Esta não é a minha mãe. Minha mãe é ainda mais bonita!”. A busca continuava. A grande cidade já havia ficado para trás, centenas de belas mulheres foram apontadas e nada de a mãe do menino aparecer. “Não. Esta não é a minha mãe. Minha mãe é ainda mais bonita!” – repetia o menino - monocórdio, mas cheio de esperança - na medida em que os ânimos dos soldados arrefeciam.

E foi no último vilarejo que o esperado reencontro, enfim, aconteceu. O menino avistou uma senhora humilde, revolvendo a terra com mãos calejadas, o rosto abatido, cabelos despenteados, um corpo esquálido dentro de um vestido roto e os olhos tristes – golpeados pela ausência do filho e pela saudade.

- Olhem lá! É a minha mãe! – exclamou o menino para os soldados que o acompanhavam e depois correu em direção dos braços abertos que o acolheram como só as mães sabem acolher.

E foi de dentro dos braços da mãe que o menino se dirigiu para os soldados pela última vez:

- Obrigado, amigos, por terem me ajudado a voltar para os braços da minha mãe, a mulher mais linda do Mundo!

A gente aprende que o Mundo é um só, mas na verdade existem seis bilhões de Mundos, um para cada habitante do Planeta. Homem que sou, tenho o meu Mundo e nele a vida acontece vinte e quatro horas por dia, há quase 34 anos. Meu Mundo não tem concentração nem explosão demográficas, mas tem território, tem habitantes, tem bandeiras, histórias, guerras, armistícios, canções, filmes, prosas, poemas e um time de futebol.

Certa vez, era 1982, eu me apaixonei pelo Atlético Paranaense. Meu avô, coxa-branca doente, tentou me demover da ideia de torcer pelo Atlético. “Te dou uma camisa do coxa, Finha! Te dou camisa e calção. Camisa, calção e chuteira. Te dou ingressos e bandeira. Ingressos, bandeira e coca-cola, todos os jogos. Apresento você pro Evangelino e ele te deixa bater bola no gramado do Couto. Bater pênalti no Jairo, com a garantia de marcar o gol!”. Não teve jeito. Era 1982 quando eu me apaixonei pelo Atlético.

Inconformado, meu avô se uniu aos outros coxas da família e a chantagem aumentava sem que eu aderisse aos seus termos. Diante da minha certeza absoluta, a ofensiva ganhou forma de números “Finha, o coxa tem 27 títulos estaduais e o Atlético só tem 11! O coxa é fita-azul, é campeão do Torneio do Povo, é dono do maior estádio!” – nada me demovia.

Anos mais tarde, o discurso estatístico ganhou força “O coxa é campeão brasileiro e vai pra Libertadores!” – e nada! Até que o discurso do meu avô – e de tios, tias, mãe, irmão e primos - virou resignação “Não adianta! O Finha é a ovelha negra da Família!” e eu, jocosamente, emendava “Ovelha rubro-negra da Família!”. Paixão é cardiopatia para a qual nunca houve remédios, nem haverá. Era 1982 quando eu me apaixonei pelo Atlético, para sempre.

Em 1989, meu avô voltou para o Céu. Pouco a pouco, ele foi levando para lá os velhos amigos. Meus tios e tias mais velhos foram partindo e me deixando saudade. Saudade é quando a gente, de repente, vira pro lado para dizer uma coisa ao amigo, e o amigo não está mais lá. Saudade é deixar a conversa pra outra hora, sem nunca esquecer o assunto, tampouco o interlocutor. Saudade é dor para a qual não há remédio cujo alívio seja imediato.

Pela vida afora, fui encontrando outros coxas. Além deles, outros tantos adversários - gremistas, são-paulinos, flamenguistas, santistas,colorados - na tentativa vã de me demover dessa paixão absoluta pelo Atlético. “Somos bi da Libertadores!”, “Hexacampeões brasileiros!”, “Tivemos Zico!”, “Pelé e Pepe!”, “Tríplice Coroa Mundial”, e você? E você, Rafael, o que é que nos diz em defesa dessa tua amalucada paixão pelo Atlético Paranaense, que só uma vez foi Campeão Brasileiro? Por que é que você torce pelo Atlético Paranaense, Rafael?”.

E sempre que eu sou confrontado com essa pergunta - “Por que é que você torce pelo Atlético Paranaense, Rafael?” – eu respondo, honesta e simplesmente, com o coração puro, a exemplo do menino que recorreu ao Rei para encontrar a mãe (a mulher mais linda do Mundo): Eu torço pelo Atlético Paranaense, porque ele é o melhor time do Mundo. Porque somente ele faz bater o meu coração. Porque somente o Atlético Paranaense toca a minha alma. Somente o Atlético Paranaense me faz ver beleza, num futebol onde vocês só enxergam números, e título, e cifras e cifrões.

Para muitos, o Clube Atlético Paranaense é um time no Mundo. Para um milhão de apaixonados, ele é o Mundo num time.

Para mim, desde 1982, o Clube Atlético Paranaense é o melhor time do Mundo, neste meu Mundo feito de histórias, guerras, armistícios, canções, filmes, prosas, poemas, paixões, alegrias, tristezas, saudades e um time de futebol!

P.S.: Ao Atlético, com carinho, no mês de seu 85º Aniversário.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.