Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

A injustiça não se admite!

23/02/2009


Hoje, acordei com duas estrofes de “Consolo na Praia”, de Carlos Drummond de Andrade, martelando a minha cabeça:

“Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros”.

Duas estrofes e um verso em especial não para de latejar na minha mente: “A injustiça não se resolve!”. Maldição, não quero a companhia deste verso. Vou ler Guimarães Rosa e nada de o verso se dissipar: “A injustiça não se resolve!”. Resignado, ponho-me a escrever esta coluna, contrariando minha promessa de não escrever mais colunas sobre futebol.

De repente, lembro-me de uma história ocorrida no segundo semestre de 1996, na Faculdade de Direito de Curitiba. Éramos 120 alunos, dividos em duas salas do 8º período da Graduação, faltava um ano para a colação de grau e a Comissão de Formatura já estava atuando desde metade de 1995. Havia 8 disciplinas naquele semestre e uma delas era a de Estágio II que, diferentemente do que o nome sugere, era uma disciplina inteiramente teórica e pesada.

O Professor era um senhor sério, austero e preocupado em passar a matéria, sem fazer média com a turma, que adorava os professores boa-praça, que passavam todo mundo e que depois iam tomar chopp com a galera, sem ter ensinado porra nenhuma.

O Professor de Estágio II era um cara sério e, de cara, pediu a todos nós que trouxéssemos para acompanhar as aulas: Código Penal e de Processo Penal; Código Civil e de Processo Civil; Regimentos Internos do TA, TJ, STJ e STF; Lei Orgânica da Magistratura Nacional; Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e as Súmulas dos Tribunais Superiores.

Desnecessário lhes dizer que apenas uma dúzia dos alunos levou o material solicitado. Eu mesmo não levava nenhum dos códigos pedidos e me limitava a anotar no caderno as aulas do Professor. “Como a prova é com consulta, no dia eu levo a extensa biblioteca exigida e acaba tudo beleza!” – era assim que eu pensava (eu e mais uma centena de colegas).

No dia da prova, levamos uma naba do tamanho do Titanic! A falta de manejo dos códigos durante as aulas fez com que parecessemos crianças de oito anos a folhear a lista telefônica pela primeira vez. Pálidos de espanto, como no poema do Bilac, íamos e voltávamos com as páginas e nada de as respostas aparecerem. Levamos uma naba do tamanho do iceberg que afundou o Titanic, para preocupação geral.

Uma semana depois, vieram as notas. A dúzia de excelentes alunos acabou ficando entre 9 e 10; os demais – mais de 100 alunos - entre 0 e 4,5; eu obtive 2,5, com todos os méritos, pois tinha levado o estudo na flauta e tinha merecido o fumo! Recebi minha prova, li e me resignei. Era aquilo mesmo: 2,5! Nota justíssima para um aluno metido a esperto.

Ocorre que a centena de alunos que havia levado cacete não se resignou e providenciou um abaixo-assinado contra o Professor. Pasmem os senhores: adultos, quase bacharéis em Direito, valeram-se de um ridículo abaixo-assinado digno de 5ª série, para afastar um Professor que tinha feito tudo certo, só porque 100 alunos tinham levado um fumaço de fazer chorar. Ridículo, mas a coisa foi ainda pior!

Os cem alunos se prestaram a escarafunchar a vida pessoal do Professor e trouxeram à tona – como suposta justificativa para o abaixo-assinado – assuntos de foro íntimo do cara, como o fato de ser ou não ser homossexual e morar ao lado da faculdade com um companheiro (conseguiram até mesmo entrevistar a diarista do cara que teria revelado que o sujeito tinha as unhas dos pés compridas). Baixaria ampla, geral e irrestrita.

O abaixo-assinado rolou pela turma B, que aderiu em peso, depois veio para a turma A, minha turma, encontrando igual adesão. Quando me apresentaram o documento, recusei-me a assinar.

- Porra, Rafael! Você tirou 2,5! Você é um dos caras que precisa assinar essa lista, sob pena de reprovar! – passou-me o sermão um dos “bacharéis” exaltados.

- Não assino, pois a culpa foi minha. Quem me mandou ser vagabundo? Não estudei, não trouxe os livros e me ferrei, com inteira justiça!

- Vai dizer que você vai defender essa bicha e ficar contra os teus colegas? – nesses termos, outro “bacharel” quis me botar em maus lençóis, mais ou menos como se dissesse “Quem defende viado é porque é viado também!”.

- Não vou assinar e acho que quem assina esse tipo de coisa é mau caráter! – sentenciei e quase levei porrada por conta da minha insurreição (depois disso, uns 10 colegas nunca mais me olharam na cara, pra minha enorme satisfação). Teve uma jovem senhora, de seus 45 anos, que me ameaçou:

- Se eu perder o dinheiro que paguei à Comissão de Formatura por causa dessa tua falta de coleguismo, eu te processo, Rafael!

Outra bufou:

- Até o vestido eu já comprei!

Mas eu não assinei porque não achava certo e não achava justo, mesmo correndo o risco de ser hostilizado pelos colegas e mesmo correndo o risco de receber alguma pecha de simpatizante da causa gay ou coisa parecida.

Feito todo esse reboliço, pressionada a Direção e amedrontado o Professor, houve a aplicação da segunda prova prevista, curiosamente mais acessível, e as notas subiram, apesar de a falta de conhecimento continuar a mesma. Muitos passaram por média e os demais acabariam passando na prova final, esta também muito facilitada.

Todos finalmente contentes, eis que se deu o último ato da podridão e da falsidade. Aqueles que tinham botado a firma de próprio punho no horrendo abaixo-assinado foram procurar o Professor para dizer que a coisa não era bem aquela, que tudo tinha sido um mal-entendido, que ele era um sujeito fabuloso, excelente Mestre e o escambau.

Assistindo a todas essas retratações, tive vontade de vomitar, mas alguém vendo o meu asco explicou: “Rafael, a vida é assim, amigo! A falsidade e a covardia estão por todo lado, nego pra se dar bem faz qualquer negócio. Essa é a guerra com todos os seus horrores. Justiça é coisa rara, Rafael. Justiça é coisa rara!”.

Tempos depois, os “bacharéis” se formaram. Ninguém perdeu o dinheiro do vestido, nem do terno, nem da Comissão de Formatura, mas, tirando a dúzia de excelentes alunos daquelas duas turmas, os demais não prosperaram na seara do Direito, talvez por falta de conhecimentos técnicos, talvez por falta do sentimento de Justiça.

“A injustiça não se resolve” – chego a este ponto da coluna com o verso a martelar na minha cabeça e me vem a imagem do Petraglia. Hoje, a moda é descer o sarrafo no Petraglia. Quem malha o Petraglia cai – direto - nos braços e nas graças da massa! Sucesso garantido. É chegar na coluna e mandar “Petraglia, seu tempo acabou, cara! Volte pra Inepar e deixe o futebol pra quem sabe das coisas!” – e escrito isso é correr pra consagração pública “Cara foda, foi lá e escreveu contra o Petraglia!”.

Eu bem que poderia fazer isso e minha vida seria toda aplausos, mas eu não faço isso porque não acho justo, não acho certo e porque não tenho medo de receber a pecha de vendido ou coisa do gênero (tenho a consciência limpa e uma porrada de contas que eu pago com o dinheiro que vem do meu trabalho, única e exclusivamente). A moda é espancar o Petraglia, mas não terão nessa jornada os meus golpes.

Desde que comecei a escrever colunas, há cinco anos, elogiei e critiquei nosso Atlético e seus dirigentes quando houve razões para o aplauso ou para a vaia. Fiz, faço e farei sempre isso pois essa é a função de um colunista.

Conheci o Petraglia e o Geara há dois meses e são pessoas que merecem todo o meu respeito, pela cordialidade, pela capacidade e pelo amor às coisas do Atlético. Ainda não conheço pessoalmente o Marcos Malucelli, mas espero ter em breve a oportunidade, talvez por intermédio do “menino” Geara, excepcional figura humana.

Torço pelo sucesso da Administração do Malucelli e do Geara, mas devo confessar meu desapontamento com o Marcos Malucelli em relação às críticas ao Presidente Petraglia. Dr. Marcos Malucelli foi aos jornais divulgar uma herança maldita de R$ 25 milhões, vinda da Administração do Petraglia, como se fosse uma dívida insolúvel e inexplicável. A notícia caiu como uma bomba e parecia que o Atlético era um time com os dois pés dentro do terreno da falência absoluta.

E quando a torcida já se preparava para ir à casa do Petraglia, empunhando as tochas que dariam início à fogueira na qual o Petraglia queimaria de cabeça pra baixo, vieram à tona as explicações, pormenorizadas, dos números da dívida e da forma de pagamento. “A coisa não era bem assim. Tem dívida, mas tem dinheiro para pagá-la!”, ou seja, não tem dívida, porra! Pura precipitação, alimento ideal para a imprensa vender seus jornais, sob o pretexto de informar a torcida sobre os fatos da vida do Clube Atlético Paranaense. “Me engana que eu gosto!”.

O Presidente Petraglia está longe de integrar o time de Santos do Catolicismo, até porque Santos, no mundo do futebol, só aquele da Vila Belmiro, mas está longe de ser o capeta que andam pintando por aí. Andam demonizando o Petraglia como se esses 3 últimos anos de fracassos dentro das 4 linhas fossem mais eloquentes do que o período de conquistas vivido por nós entre 1995 e 2005, dentro e fora dos gramados.

Amigos, o Fluminense – que não tem patrimônio e que não conquista nada há algum tempo – deve 270 milhões de reais e se os presidentes de Coritiba e Paraná Clube vierem a público falar de seus passivos, como fez o Malucelli, seus torcedores cairão duros vitimados pelas cifras de suas dívidas (aliás, fica sugerida a pauta para os jornais e para as rádios deste município).

Amigos, boa parte da dívida atleticana tem a ver com a construção da Arena, obra que cresce, dia-a-dia, diante dos nossos olhos. Obras não são dívidas, são investimentos. Outros tantos clubes prometeram Arenas para suas torcidas e elas não saíram das maquetes (Flamengo, Corinthians, Grêmio, Santos, etc.). Nossa Arena está lá, há 10 anos, crescendo e nos fazendo crescer. Aí querem nos convencer que o problema do Atlético é o Petraglia? Parem!

Daí vem um Airton Cordeiro, sistematicamente, meter a lenha no Petraglia sob o pretexto de defender a Instituição Clube Atlético Paranaense. Truco, amigos! Não entrem nessa! O Airton Cordeiro nunca topou o Atlético, nunca nos ajudou em nada, sempre desceu a ripa no Furacão e seu ódio contra nós só cresceu desde 1988.

Em 1988, o radialista era candidato a prefeito de Curitiba, mas foi atropelado pelo Jaime Lerner na campanha dos 12 dias (campanha do Coração Curitibano) e que teve o Petraglia como coordenador e principal articulador político.

Não pensem que o Airton odeia o Petraglia de morte porque ele é um presidente mandão, ele odeia por outras razões muito distantes do mundo da bola e muito conhecidas de quem frequenta o mundo da política paranaense. Mas o esperto radialista, ao descer a borduna em quem fez muito pelo Atlético, posa de santinho para a massa inocente e que acredita em santos no futebol. Não existem santos no futebol!

Amigos, espero em breve conhecer o Dr. Marcos Malucelli, ouvir suas teses e suas ações. Torço, sinceramente, para que tudo que ele planeja se transforme em realizações em prol do nosso Atlético. Sonho, e já disse isso ao “menino” Geara, em ver nosso Atlético unido, fechado em torno de seu crescimento. Mas movido pelo espírito de gratidão, justiça e amizade, não posso assistir calado à execração pública a que estão submetendo o Petraglia.

Nós, nesses últimos 15 anos, acostumamo-nos a ouvir dos co-irmãos: “Ah, se tivesse um Petraglia no coxa!”, “Ah, se o Petraglia fosse paranista!” e são sempre frases cheias de inveja e de cobiça. Só o atleticano, uma minoria é verdade, é que repete “Fora, Petraglia!”, sem perceber que está realizando, justamente, o sonho de nossos adversários que, não podendo ter em suas fileiras o Petraglia, querem, ao menos, vê-lo distante do Atlético, pois alijar o Atlético de seu maior dirigente é garantia de enfraquecimento.

Dr. Marcos Malucelli, “menino” Geara e Presidente Petraglia, coloquem-se acima das vaidades pessoais e acima do sensacionalismo barato da imprensa da aldeia. Eliminem eventuais diferenças, selem a paz e vamos em frente, pois o Atlético unido não tem adversários à altura, mas o Atlético fragmentado sempre foi nosso pior inimigo.

P.S.:

¹Depois deste desabafo, as estrofes de Drummond enfim saíram da minha cabeça para dar lugar aos versos mais lindos que eu conheço e que dizem assim:

“Atlético! Atlético!
Conhecemos teu valor
E a camisa rubro-negra
Só se veste por amor”.

² "A injustiça não se resolve", tampouco se admite!



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