Rodrigo Abud

Rodrigo Abud, 45 anos, é jornalista. Já correu dos quero-queros na Baixada, justamente quando fez um lindo gol do meio de campo. Tarado por esportes, principalmente o bretão, é também alucinado por rádio esportiva.

 

 

Acima de tudo, respeito!

03/02/2009


Hoje recebi e li uma coluna do site da torcida do Coritiba (Coxanautas), de autoria de Marcos Popini. Tentei mandar e-mail para parabenizá-lo, mas o acesso é apenas para sócios, por isso o faço aqui. Para que não leu, segue a íntegra da mesma.

“A cor da humilhação

Assisti ao atle-Tiba das sociais superiores do Couto Pereira. Fui parar lá depois da cerimônia de oficialização dos Consulados do Coritiba (parabéns à diretoria por mais esse passo a frente).

Pouco antes de começar o jogo eis que surge, subindo as escadas, um senhor, que deve estar lá pelos seus 50-60 anos de idade. Chama a atenção a cor de sua camisa pólo, um pouco puída: um vermelho esmaecido, meio desbotado. Ouve-se um protesto aqui, outro ali, até que um rapaz se levanta, sorvete em punho, e começa a puxar o já famoso corinho: ão, ão, ão, vermelho é pra zucão. Meio surpreso, talvez se dando conta de ter colocado o bom senso de lado ao descuidar-se com as cores de sua roupa para ir ao estádio, talvez assustado com a [ainda maior] ausência de bom senso de quem dá a isso um valor superestimado, o velho senhor tira do bolso de sua camisa a carteirinha de sócio do Coritiba, e a ergue no ar, sorrindo, como se fosse um troféu. De nada adianta, e o coro começa a ficar ainda mais forte. Tudo segue até em certo tom de brincadeira, quando o rapaz, que deveria ter um terço da idade daquele senhor, ainda brandindo o seu sorvete como se fosse uma espada, passa a entoar ainda mais alto, já assumindo uma postura agressiva, com direito a ameaças de dedo em riste: tira, tira, tira... O coro ganha força, aumenta, estende-se a outra pessoa próxima a ele, que também vestia vermelho, e só termina quando o velho senhor, e a pessoa próxima a ele, resignados, despem-se de suas camisas e silenciam, com um sorriso "amarelo" estampado no rosto, talvez envergonhados (o que, pra mim, seria sem sentido), talvez assustados, o que me fez sentir um misto de embaraço e tristeza.

Segue-se a esse episódio, quase que imediatamente, a tomada, à força, do boné vermelho do sorveteiro desavisado que, ou defendia o seu boné, ou deixava cair a caixa de isopor cheia de sorvetes.

A despeito de não ter havido agressão física, e de tudo ter terminado em meio a risos (daqueles que continuavam vestidos), a agressão moral simboliza bem as consequências e inconsequências do radicalismo.

Assisti ao jogo, frustrei-me com a ausência de gols do Coritiba, e saí do estádio meio desanimado. Não com o resultado em si, para o qual existiriam inúmeras explicações, plausíveis ou não. Saí desanimado pela constatação de que, em relação ao futebol e à magia das suas torcidas, as coisas estão mudando para pior, para muito pior.

Tenho 42 anos e nem me acho tão velho assim. Tudo bem, o tempo passa e as coisas evoluem. Ou involuem. Mas me senti um ancião ao relembrar do tempo em que o atle-Tiba era uma festa só. Lembrei-me dos três jogos decisivos do Campeonato Paranaense de 1978. Três atle-Tibas com o estádio lotado, quase dividido igualmente, em termos de número, pelas duas torcidas, com suas bandeiras e suas festas. Época em que o clássico maior do Paraná era um espetáculo multicolorido, cultuado pelas torcidas preocupadas quase que unicamente com quem sairia vitorioso, e nem de longe armadas para a guerra, como é hoje.

As torcidas mudaram, e hoje o público que vai ao estádio é composto, eu acho, que por uma imensa maioria de jovens, que só conhecem a história dos atle-Tibas de “ouvir falar”, ou nem isso. A “nova” torcida cresceu sob o reinado da intolerância, da incitação ao ódio, da imposição de que uma cor, ou um clube de futebol, deve prevalecer sobre o respeito ao ser humano. Os clássicos de hoje são tristes, com uma das torcidas sempre resumida a uma pequena mostra do seu tamanho em quantidade, mas com grande representatividade da sua agressividade e beligerância. E isso vale para TODOS os lados.

Quem começou essa história talvez seja o que menos importa. O ódio criado, seja lá por quem quer que tenha sido, só faz crescer a cada dia, alimentado por um radicalismo imbecil, que autoriza e legitima a humilhação em nome da defesa do clube do coração. As torcidas dos clubes de futebol, sejam elas na forma de facções organizadas ou representadas por um único jovem (e seu sorvete), são cultuadas e cantadas em verso-e-prosa como o sinônimo da perfeição, como a razão de existir dos clubes de futebol. No entanto, paradoxal e certamente, serão (ou já são) as torcidas de futebol, ou os indivíduos (na acepção da palavra) que colocam o radicalismo acima da própria razão, os responsáveis pelo fim do futebol como uma festa.

Quando a cor da camisa daquele senhor foi mais importante, para a torcida que ali estava, do que a carteirinha do Coritiba que ele segurava nas mãos, um pouco do encanto de me sentir parte de uma torcida gloriosa morreu em mim. O amor pelo meu clube permanece o mesmo, pois independe do nome de uma torcida, ou da cor da camisa que o cara que está sentado a meu lado está usando. Ainda que isso seja apenas o que eu penso, e reconhecendo que a inevitável generalização contida nessa opinião por si só já é um erro, tenho comigo que as torcidas nunca serão maiores que os clubes em si. Se o Coritiba não existisse, eu como torcedor também não existiria.

No que difere a intolerância que legitima uma agressão em nome de uma cor, da intolerância que autoriza tirar uma vida em nome de um deus? Infelizmente, se ainda há uma diferença entre elas, o radicalismo cego e revanchista certamente se encarregará de encurtá-la.”

Não há muito mais o que acrescentar, salvo que esse comportamento de ofensas a quem usa verde também acontece na Baixada. Não sou fã da cor verde, mas não dá para admitir que uma pessoa que, porventura, trabalhe em uma empresa que tenha o verde no seu uniforme não possa sair da empresa e ir assistir ao jogo do seu time de coração, sob a alegação de torcer pelo principal rival.

Recomendar o uso das cores do seu time é uma coisa, forçar alguém a usar uma determinada cor ou retirar a camisa que está vestindo trata-se de intolerância.

O que tem de prevalecer, em todos os estádios do Brasil, é o respeito e nada melhor que nós torcedores rubro-negros darmos o exemplo.


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