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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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Sem paixão, não há solução!
27/01/2009
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O acaso me fez parar numa escola no já longínquo ano de 2004. Professor de Português, turmas de 5ª a 8ª, 20 aulas por semana e salário de fome. Tirando a parte do salário de fome, o resto era a realização do meu grande sonho: ser Professor!
“Sonho de ser Professor” não é bem verdade, pois, na maioria das vezes, o cara não sonha ser Professor. Acontece que o cara nasce Professor e aí não tem como fugir da vocação. Aliás, a cada dia se reforça em mim a ideia de que o Magistério não é profissão, é vocação. Eu nasci Professor, mas, até 2004, não tinha me aparecido a chance de lecionar.
Até 2004, meu Magistério tinha se resumido às esporádicas aulas particulares e à alfabetização do meu irmão, Flávio (com 8 anos, alfabetizei o Flávio que, à época, tinha 5 anos, mas, em sala de aula, eu nunca tinha estado como Professor).
Nos primeiros contatos com as turmas da escola que me contratara, fiz o básico: apresentei-me aos alunos, ouvi a apresentação de cada um deles e perguntei qual a matéria preferida e qual a matéria detestada. Matérias preferidas: Matemática, Ciências, Educação Física, História e Geografia; Matéria odiada: Língua Portuguesa.
Fácil pra mim, né? Professor de primeira viagem e tendo de lecionar a Matéria mais odiada da Escola. Tudo aparentemente contra e eu estava sozinho, “no meio da guerra com todos os seus horrores”. Recuar? Nunca!
Fiz os cálculos dos prós e dos contras e percebi que eu tinha comigo todas as armas de que precisava: a Fé inquebrantável em Deus, a vocação para o Magistério, o conhecimento razoável da Língua Portuguesa, a vontade incansável de trabalhar e a paixão pela arte, quase religiosa, de ensinar.
Na noite de segunda-feira, dia 16/02/04, após ter vivido minha estreia na função de Professor, fiz, como de costume, minhas orações. Pedi a Deus que me acompanhasse em todos os momentos daquele novo desafio. Pedi que Ele me iluminasse para que eu viesse ser não o melhor professor da escola, pois isso é vaidade tola, mas que eu viesse ser o melhor professor possível dentro das minhas condições pessoais.
Pedi-Lhe saúde, sabedoria, humildade, paciência e força – ingredientes sem os quais a gente não faz nada de bom nesta vida – e fui amplamente atendido, embora nunca tenha sido merecedor de tantas Graças dos Céus. Firme na Fé, na minha capacidade de trabalho e munido de muita paixão, lecionei por 38 meses, entre fevereiro de 2004 e abril de 2007.
Acordava cheio de disposição e alegria. Pegava o ônibus e ia lecionar. Chegava animado à escola e pelo caminho ia cumprimentando alunos, pais, funcionários e colegas. Na sala dos professores, era comum me deparar com as mesmas queixas: “a 5ª série não fica quieta”, “a 6ª parece um bando de vândalos”, “a 7ª é desinteressada”, “a 8ª é apática e maledicente”, “a gente ganha um salário de fome”, numa ladainha negativista de gente sem paixão, conversinha mole de gente derrotada.
Engraçado é que eu não sentia nada disso. Comigo “a 5ª série era um barato”, “a 6ª era animada”, “a 7ª era questionadora” e “a 8ª era crítica e companheira”. Mas quando eu dizia isso para os demais Professores, eles debochavam de mim: “Só se for com você, Rafael, pois com todos nós elas são péssimas!”. Daí para não entrar em discussão que liga o nada ao lugar nenhum, eu dava um sorrisinho de lado, pegava um café e ia fumar meu marlborinho, escondido dos alunos, lá no estacionamento.
Nunca mais fiquei na sala dos Professores, e eles cutucavam: “o Rafael não se mistura porque é Advogado!”. Dava vontade de dizer: “Não me misturo porque falta de tesão pega e eu não quero ser medíocre e reclamão que nem vocês”, mas apenas sorria de lado e ia fumar no estacionamento, já imaginando como seriam as aulas depois do recreio.
Paixão queimando no peito, vontade de transformar cada criança daquela num cidadão de bem, somar na vida deles um bom exemplo, ensinar a beleza que é a Língua Portuguesa, dizer para cada criança: “Você é a grande razão de este cara ficar aqui na frente, se sujando de giz, ganhando pouco, mas não perdendo a esperança!”. Em todas as aulas, por 38 meses, ardeu no meu peito a chama inextinguível da paixão.
Para ensinar hiato, fiz uma musiquinha: “O hiato é legal para chuchu/com ele escrevo saída, saúde e baú/o hiato é tudo que eu preciso/me leva ao Havaí e até pro Paraíso”. Fiz a musiquinha e novo deboche dos colegas: “Musiquinha é pra cantor, não pra Professor, Rafael!”. Daí eu dava um sorrisinho de lado, pegava um café e ia fumar meu marlborinho, enquanto eles reclamavam da vida “Oh vida! Oh azar!” – na eterna ladainha.
Meus alunos de 7ª e de 8ª sabiam mais análise sintática do que muitos estudantes de Ensino Médio dos grandes colégios de Curitiba. Meu orgulho foi certa vez aplicar na prova bimestral deles: Analise sintaticamente o período “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante” e ver a gurizada de 13, 14 anos matando a pau a questão-cabeluda, com a certeza de quem sabe, e depois vê-los discutindo:
- O Sujeito era “As margens plácidas do Ipiranga”!
- Sujeito Simples!
- Certeza, pois só tem um núcleo!
- O núcleo é “margens”, certo?
- Isso mesmo, cara, também escrevi isso!
- Cara, as aulas de Português tão muito fera este ano!
- Tio Rafa é nosso melhor Professor!
- Também acho e agora Português é a minha matéria preferida!
- A minha também...
Diante da animação da gurizada, até meus métodos foram criticados: “Botar o Hino Nacional na prova da 7ª série? Pra quê?”, “Botar, ao final das provas, versos de Drummond e Bilac pra crianças de 5ª série??? Nem entendem nada!”, “Como esse Rafael gosta de aparecer...”.
Aí muito tempo se passou. Eu saí da escola e continuei a receber os e-mails dos alunos: “Professor, passei no Médio da UFTPR. Das 12 questões de Português, acertei 11. Obrigado por tudo! Abraços! Diego Faria”; “Professor! Passei no Colégio Estadual do Paraná. Das 15 de Português matei 13! Valeu. João Alfredo Santana”; “Professor, sonhei que você tinha voltado a dar aulas pra gente, mas sei que você continua na Secretaria. Que pena, era só sonho! Beijão! Milena”, etc, etc, etc.
Movido pela paixão – ao Magistério, aos Alunos e à Língua Portuguesa - e depois de muito trabalho, consegui ser naquela escola o melhor Professor que eu podia ser e só não fui o melhor Professor dentre todos, pois esta condição sempre pertenceu ao meu Mestre e Amigo Gilberto Correia de Oliveira, aliás único amigo adulto que fiz enquanto estive na escola (o resto ficou lá praguejando a vida, o Magistério, os alunos, os métodos, os colegas, etc.).
E eis que escrevi tudo isso, Amigos, para lhes dizer, sem medo de errar, que SEM PAIXÃO, NÃO HÁ SOLUÇÃO! Eu peguei aquela criançada desestimulada, convivi com Professores pouco vocacionados ao Magistério, Professores preguiçosos, sem ânimo, que só sabiam reclamar, gritar com os alunos e que criticavam tudo e todos, indiscriminadamente. Do Magistério que vivi naquela escola ao nosso Atlético, traço um paralelo.
Hoje - tanto quanto em abril de 1995 e talvez mais do que nunca em nossa História - é preciso que a gente volte a se apaixonar pelo Atlético e a lutar pelo crescimento do Atlético, independentemente de nomes, chapas ou correntes políticas. É preciso que a gente volte a se unir em torno e em prol do Atlético, pois nossos inimigos são numerosos e não podemos permitir a abertura de pesado fogo-amigo.
Temos, inegavelmente, um clube muito bem estruturado por conta do trabalho realizado após 1995, sob o comando de Mário Celso Petraglia e com a ajuda incondicional de toda a gente atleticana. E da mesma forma que é inegável toda essa linda História, é inegável, também, que toda História é dinâmica e nesse dinamismo traz consigo novas formas de Administração e novas visões de como administrar.
É preciso haver paixão, das grandes, para que a gente tenha fé e boa vontade para com o trabalho há pouco iniciado por Marcos Malucelli e Gláucio Geara. Deem tempo à dupla para que mostre a que veio. Ainda não conheço pessoalmente o Marcos Malucelli, mas sinto, em seu trabalho, a força e o entusiasmo dos bons e velhos atleticanos apaixonados. Deixem-no trabalhar, esperem os primeiros frutos, tenham firmes a fé e a coragem, não julguem por antecipação, não sejam pessimistas!
Gláucio Geara eu tive a honra de conhecer faz pouco tempo. Trata-se de um sujeito do mais alto gabarito. Educado, inteligente, cordial e Atleticano até a ponta dos cabelos (brancos e rebeldes, por sinal). Alma de menino, Gláucio Geara – não tenho dúvida – fará importante papel de aglutinador entre os dirigentes do Atlético. Da conversa que tive com o Geara, guardo a imagem de um cara que traz no peito a chama da paixão, provavelmente aquela mesma chama de paixão transformadora que se acendeu no meu peito de Professor e que acendeu sorrisos nos rostos daquelas crianças que, por acaso (terá sido mesmo acaso?), foram meus alunos, no já longínquo ano de 2004, e que hoje são meus amigos, são minhas melhores lembranças, minhas melhores realizações.
O ano de 2009 começou radioso para as coisas do Atlético. Ainda vivemos as primeiras horas da manhã de 2009 e já chegamos à inédita final da Copa São Paulo de Juniores, com um belíssimo vice-campeonato (não fosse a absurda arbitragem e teríamos sido campeões), vivemos a permanência do genial Geninho, a formação de uma equipe competitiva, as obras da Arena (Setor Brasílio Itiberê) e a reabertura do Atlético à Imprensa, decisão que reputo como umas das mais acertadas, embora críticas lhe sejam opostas por alguns amigos atleticanos.
Amigos, o ano de 2009 começou radioso para as coisas do Atlético, acreditem nisso e vamos juntos fazer soprar forte o Furacão. Otimismo, união e acreditem: SEM PAIXÃO, NÃO HÁ SOLUÇÃO!
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