Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Não haverá 4º milagre para nos salvar

06/01/2009


Aqueles que hoje me veem custam a acreditar que já fui um homem feio, mas, no já distante ano de 1992, eu era horrível. Naquela época, tinha 16 para 17 anos, no bolso era comum não ter um puto, comprava cigarro avulso na banquinha da XV com a Muricy, muitas vezes pagando com vale-transporte, o popular VT, e geralmente levava também uma Tribuna.

“Estudava” o terceiro ano do antigo Científico no Colégio Camões, desejava prestar vestibular para História e Direito, com a pretensão juvenil de prestar para alguma coisa nesta vida, usava aparelho nos dentes e atendia pelo carinhoso apelido de Turco. Não perdia nenhuma aula de Português e de História, mas as demais eu nunca consegui aproveitar.

Na minha sala havia gente de todo tipo. Os CDFs (grupo de 5 bons alunos, dentre os quais meu primo, Alberto), os Vagais (cerca de 9 “alunos”, dentre os quais este que vos escreve), as Gatas (Isabella, Vanessa e Melanie) e a dupla conhecida como “Double Dragon”, cujos nomes não irei declinar, mas que não podiam ingressar no seleto grupo das Gatas por absoluta falta de atributos físicos e de bons modos.

Os CDFs e os Vagais tinham apenas um objetivo em comum: ficar com as Gatas. Daí quando rolavam as festinhas, CDFs e Vagais caprichavam no visual e caíam matando pra cima das Gatas, entre uma tragada e outra de LM Ligths, cigarro que era moda entre a gurizada em 1992 e tudo ao som de Guns N´Roses e Metallica, bandas que tinham recém lançado os álbuns Use Your Illusion I e II e Metallica, respectivamente.

As festas começavam em alta voltagem. De cara atacavam “Enter Sandman” e “Dead Horse”, no último volume, e CDFs e Vagais ficavam alvoroçados, enchiam a cara de cerveja e de LM, criavam coragem e iam pra cima das Gatas, para levar seguidos e sonoros “nãos” e uns “nem fodendo, piá”. As Gatas eram bichos cruéis; as “Double Dragon”, bichos de rapina (urubus à espera da carniça, que éramos nós, invariavelmente, CDFs e Vagais irmanados na vala comum do desprezo feminino).

E quando as noites caminhavam para o fim, já ao som de “The Unforgiven” e “Don´t Cry”, víamos as Gatas serem arrebatadas pelos playboys (raça de filhos da puta) que cursavam faculdade e que passavam nas festas - de carro, roupas de marca e gel nos cabelos - para nos roubar as musas Isabella, Vanessa e Melanie, deixando-nos à mercê da sanha sexual assassina da famigerada dupla “Double Dragon” (era pouco, mas melhor do que nada).

Aí, senhores, seguindo a tese do “Não existe mulher feia, a gente é que ainda não bebeu o suficiente”, caíamos – de bêbados e de desejo – nos colos generosos da parelha “Double Dragon”, fechando os olhos para imaginar que elas eram o trio Isabella, Vanessa e Melanie – deusas dos nossos sonhos, nas noites distantes de 1992 (às amigas “Double Dragon”, minha gratidão, vocês quebraram muito o nosso galho e vice-versa).

E eis que escrevi tudo isso para falar de futebol.

Acesso os periódicos virtuais do nosso tempo e leio as notícias do mercado da bola: “Sport fecha com Paulo Bayer”, “Cleiton Xavier acerta com o Palmeiras”, “Santos anuncia contratação de Lúcio Flávio e do atacante Roni” e até o time verde trouxe o Marcos Aurélio que nos tempos de Atlético mostrou entender do riscado.

Leio que “o Atlético flerta com o atacante França”, “França não vem mais”, “Lima é sondado”, “Dênis Marques na mira”, mas até agora, certo mesmo, Jorge Preá, como reforço solitário. Vejo bons jogadores serem arrebatados pelo Sport e pelo time verde do Alto da Glória – que, a exemplo da também falecida Dercy Gonçalves, completará 100 anos de comédias e trapalhadas, sempre a serviço do riso dos adversários – mas não vejo reforços de peso chegarem ao monumental CT do Caju. Essa escassez de contratações no Atlético, pelo quarto ano seguido, não dá para entender, mas preocupa.

A sensação que fica é bastante parecida àquela por que passavam os CDFs e Vagais da minha turma de colégio em 1992. Desfilavam diante dos nossos olhos as Gatas, mas no fim a gente tinha de se contentar com as Barangas. Sem as musas Isabella, Vanessa e Melanie, saciávamo-nos com a famigerada dupla “Double Dragon” (era pouco, mas melhor do que nada).

Hoje, diante dos nossos olhos de torcedores, surgem Lúcio Flávio, Paulo Bayer, França, Marcos Aurélio – dentre outros e dentre tantos - e até agora a gente tem que se contentar com Jorge Preá, como reforço solitário, “pois o mercado está inflacionado, pois não vamos entrar em leilões com outros clubes, pois isso e aquilo e etc.”.

Até agora a gente tem que se contentar com Jorge Preá, como reforço solitário, e pratas-da-casa. É melhor do que nada, mas é muito pouco.

Começo a temer que tenhamos neste 2009 a reedição do triste triênio 2006-2007-2008 do qual só escapamos do rebaixamento por conta de três inacreditáveis e sucessivos milagres.

Não haverá 4º milagre para nos salvar, pois para alcançar o milagre é preciso merecê-lo e, entre nós, quem começa o ano como o Atlético está começando está mais perto do Inferno do que do Céu futebolístico!

P.S.: Deu na Gazeta do Povo "São Paulo empresta time ao Toledo no Estadual". Trocando em miúdos: sai o "porco no rolete" para a entrada do "veado no espeto"!


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