Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Resoluções de Ano Novo

02/01/2009


Após uma longa batalha para encontrar vaga no estacionamento do shopping, Arnaldo gasta quase todo o décimo terceiro em presentes de Natal. Contrata um Papai Noel para alegrar as crianças, reúne a família, o cachorro e os vizinhos. Abraça e se confraterniza, diz que ama a todos. Faz uma oração, o amigo secreto e come o peru. Depois, compra uma boia*, um jogo de frescobol e três tubos de protetor solar. Lota o Chevette com a parentada e pega um congestionamento de seis horas até Praia de Leste.

Na véspera do Reveillón, algum engraçadinho resolve testar os fogos de artifício às sete e meia da manhã. Arnaldo fecha a janela e tenta em vão proteger os ouvidos com o travesseiro. Quinze minutos depois, outro engraçadinho. E mais outro. Perde o sono e então reflete sobre o ano que passou, como na retrospectiva do Sérgio Chapelin.

Arnaldo não se arrepende, pois faz das tripas coração, vira-se em dois para sustentar a casa. Apesar das palmadas no filho mais velho, das discussões com o cunhado, de uma ou duas falcatruas no trabalho e de meia dúzia de mentirinhas, sente-se um homem honrado. Sabe que os últimos doze meses não foram exatamente como havia imaginado, que não é exatamente um exemplo de honestidade, mas tudo bem. Dos males os menores. Saúde é o que importa.

É como acontece. Todo ano, sempre a mesma coisa. No fundo, sabe que todas as resoluções de Ano Novo que proclamar serão inúteis, meras ilusões para confortá-lo num momento de fraqueza, que lá estará ele no ano seguinte, divagando sobre o que fez certo e errado, na mesma cama, com a cabeça debaixo do mesmo travesseiro, incomodado pelos mesmos engraçadinhos fogueteiros. No mesmo lugar, só um pouco mais velho, com a impressão de que nada aprendeu e nada evoluiu.

Ainda assim, não se contém. A vontade de sonhar e mudar é maior. Desta vez, cerrou forte os olhos e disse a si mesmo que beberá menos e deixará de fumar, que terminará de uma vez o caso secreto que mantém com Ritinha e que irá economizar para levar a mulher Arlinda a Foz do Iguaçu.

Depois da primeira cerveja, veio o primeiro cigarro, a primeira ligação para Ritinha e o resto do décimo terceiro para pagar o motel. Hoje é dia 2 de janeiro e Arnaldo já quebrou suas promessas. Quer ser uma pessoa melhor e tem consciência de que só o futuro interessa, mas todas as suas esperanças duraram menos de 24 horas, vítimas do conformismo e do apego à estagnação do passado.

Arnaldo voltou à realidade, como o Atlético nas últimas temporadas.

Há tempos aguardamos por grandes contratações, pela formação de um elenco forte e competitivo, por outros títulos de expressão, e principalmente por nossa dignidade e soberania. Estamos empacados desde então, cientes de nossos defeitos e limitações, porém sempre acreditando que dias melhores virão.

*se você leu "bôia", ao invés de "bóia", não culpe este correspondente dos sentimentos da nação atleticana, mas a nova reforma ortográfica da Língua Portuguesa, que desde ontem está oficialmente em vigor.


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