Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Truco!

26/12/2008


Amanhã, casar-se-ão os meus amigos queridos: Fabiani Sandrini e Rogério Andrade, este, aliás, responsável pelo meu ingresso na Furacao.com (quaisquer reclamações acerca das minhas mal traçadas linhas, favor endereçar ao e-mail dele, pois).

Certamente, o dia de amanhã será maravilhoso e inesquecível para o estimado casal e para as dezenas de convidados que lá estarão. Para mim, será uma prova-de-fogo, pois minha timidez é sempre uma barreira nessas ocasiões sociais (ainda bem que a Edith irá comigo, acumulando as funções de namorada e psicóloga).

Ser tímido é uma desgraça, mas ser tímido como eu sou, em último grau, é dose pra cavalo. Pior é que a timidez, a exemplo de outras tantas doenças, não tem cura. A gente aprende a conviver com ela, assim como o diabético convive com suas restrições alimentares, mas é uma convivência difícil. Nos eventos sociais, o diabético evita os doces; o tímido, as pessoas, e vão sobrevivendo.

Verdade é que existem também aspectos positivos em cada patologia. O diabético desenvolve inúmeros cuidados com sua saúde (o controle diário da glicemia, a pressão arterial sempre monitorada e a alimentação balanceada são exemplos) e o tímido desenvolve um senso de observação bastante aguçado, sendo capaz de registrar os mínimos detalhes desta ou daquela pessoa, nesta ou naquela situação.

Pra que é que os registros dos tímidos servem, em geral, eu não sei, mas no meu caso acabam virando matéria-prima para brincar de escrever, pois a escrita foi a única atividade que encontrei capaz de combater a timidez. Diante do papel, deixo de ser tímido para me transformar em escritor bem sem-vergonha (bendita ambigüidade que sempre está ao meu alcance).

Amanhã, estarei no casamento dos Amigos. Neste dezembro, estive noutras ocasiões sociais, atento a tudo e a todos. Registrei algumas histórias, muni-me de matéria-prima e eis que agora me apresento para contar uma delas onde além de observador fui personagem.

Domingo, 07 de Dezembro. Antes do jogo decisivo contra o Flamengo, estive num churrasco, em companhia da Edith. Depois do almoço, mulheres de um lado falando de Donatela, Flora e Silveirinha como se aquilo tudo fosse verdade; homens de outro falando de caras aquisições materiais que fizeram e de altas performances sexuais das quais teriam sido protagonistas, como se aquilo tudo fosse verdade.

Peguei (mais) uma cerveja e me juntei à rapaziada - calado, só observando, como convém a um tímido. Não demorou muito até alguém retirar do bolso um baralho e anunciar o truco. Ocorre que o anúncio não foi capaz de seduzir os integrantes da roda de viola e nem sequer desfez a roda dos que estavam a demonstrar suas habilidades de barman, na linha de produção das caipirinhas.

Diante do dono do baralho se apresentou apenas uma dupla e coube a ele, olhando em volta, fazer com uma das mãos no ar o convite para que alguém viesse a formar com ele a dupla de adversários. Como ninguém se dispusera a atender ao chamado do dono do baralho, aceitei e me chamou a atenção o nervosismo do gesto do amigo dono das cartas.

Ele, enquanto acenava à procura de um parceiro de truco, piscava um dos olhos, franzia a testa e contorcia o nariz, revelando ser dono do baralho e de generosos tiques nervosos que lhe proporcionavam caretas antes só vistas nos rostos do atarracado e feioso Lela e do finado e inesquecível Costinha.

Então a coisa ficou assim: eu e o dono do baralho numa dupla a enfrentar os outros dois parceiros surgidos de livre e espontânea vontade. Sentados à mesa, o dono do baralho diante de mim e os outros dois um de frente pro outro, todos nós acompanhados pela respectiva cerveja, prontos para dar início ao espetáculo.

O dono do baralho – e dos tiques nervosos - embaralhou as cartas e num gesto ríspido lançou o baralho à mesa e ordenou a um dos adversários:

- Corta!

O cara cortou, olhou a carta e a entregou ao seu parceiro. O dono do baralho deu as cartas, sendo que olhou a última a me ser entregue e depois virou na mesa um “Rei”. Olhei minhas cartas: dois “Cincos” e um “Sete” e concluí “Não tenho merda nenhuma!”.

Daí olhei para o meu parceiro e ele me piscou um dos olhos e encheu a bochecha. Concluí “O filho da puta tá com o Gato e o Copas. É hoje que ninguém segura a gente!” e depois da conclusão matei a cerveja do copo e abri mais uma.

O adversário da minha esquerda jogou na mesa o Mole e eu descartei um dos “Cincos”. O adversário da minha direita mandou ver um “Dois” em cima do Mole e eu nem aí, pois meu parceiro tinha dado os sinais de Gato e de Copas. Em cima do “Dois”, meu parceiro largou um “Seis podre” e eles fizeram a primeira.

Concluí: “Meu parceiro sabe tudo e hoje ninguém segura a gente! Vai emplacar o Copas na segunda e depois colar o Gato na testa, num fecho monumental!”. Acabada a primeira, meu parceiro mandou o dono do Mole tornar e o cara tornou, gritando:

- Tru-tru-truco, seus fi-fi-filhos da pu-puta!

Amigos, o espanto só não foi geral porque o parceiro do cara, nem um pouco espantado com o brado do amigo, também resolveu gritar:

- Tru-tru-truco, seus la-ladrã-drão de te-tento fi-fi-filhos da pu-puta!

Ah, pra quê! Ao ouvir aquilo, e certo de que o meu parceiro tinha o Gato e o Copas, subi na mesa e mandei ver na lata dos gagos:

- Seis!!! Seis!!!

Meu parceiro olhou pra mim, piscou os olhos e encheu a bochecha – estava vermelho igual a um peru – e eu, como que a tranquilizá-lo, abri um sorriso confiante como se dissesse “Vai pra você, parceiro!”.

Os gagos ao ouvirem o meu “Seis!!!” não tiveram dúvida e, num entrosamento antes só visto entre Assis & Washington, gritaram em uníssono:

- No-no-nove!!!! No-nove, seus la-lazarentos, seus ca-cara de vi-viados!!! Seus bã-ban-di-di-dos du-duma fi-figa!!!

Depois de ouvir os gagos me xingando desses nomes todos aí, o meu grito de “Doze!!!” era questão de honra! Ninguém me chama de “la-lazarento, ca-cara de vi-viado!!! Bã-ban-di-di-do du-duma fi-figa!!!”sem levar, no truco, um “Doze!!!!” e, na vida em geral, uma porrada ou um processo! Estufei o peito, deixei a timidez de lado e urrei a plenos pulmões:

- Doze, doze, doze, seus filhos da puta!!! – e o escândalo foi tão grande que até a Edith abandonou o grupo das noveleiras e veio ver o que tava acontecendo ali.

E eis que o gago da minha esquerda, para minha surpresa, num gesto grandiloqüente, colou na testa o Gato, fazendo a segunda, decretando a nossa derrota e por fim caindo nos braços do seu parceiro aos gritos de:

- Os pa-pato pe-perderam de ze-ze-zero e vã-vão pa-passar em-baba-baixo da me-mesa!!!

Num último, desesperado e ineficaz esforço de recuperar a lógica, olhei pro meu parceiro como se perguntasse “Mas e todos aqueles sinais de Gato e de Copas que você me deu???”, mas não obtive qualquer resposta.

Só pude vê-lo em cima da mesa piscando nervosamente os olhos, enchendo as bochechas cada vez mais vermelhas, passando os dedos nas sobrancelhas que subiam e desciam desordenadamente e espichando a língua pra fora, antes de cair desmaiado ao chão, quase a ponto de sofrer um enfarto.

Depois de meia hora, já com o parceiro restabelecido, coube à esposa dele – Dona Esmeralda, a quem mando daqui meu afetuoso abraço – explicar-nos, resignada, que “o Paulo José é tão tímido, tão tímido, que toda vez que via gente estranha dava nisso aí: ansiedade, tiques, taquicardia e desmaio”.

Depois do restabelecimento do parceiro, os gagos vencedores do embate até que tentaram puxar um sambinha “Co-co-va-varde se-sei que me po-podem cha-mamar, porque não ca-calo no pe-peito essa do-dor, ati-ti-re a pri-primeira pe-pedra, ai, ai, ai, a-queque-le que não so-sofreu por a-momor”, mas já não havia clima para tanta euforia.

Amanhã, casar-se-ão os meus queridos amigos: Fabiani Sandrini e Rogério Andrade. Certamente, o dia de amanhã será maravilhoso e inesquecível para o estimado casal e para as dezenas de convidados que lá estarão. Apesar da timidez-mórbida, estarei lá com a Edith, esta acumulando as funções de namorada e psicóloga.

Peço a Deus que abençoe os Noivos e que também me proteja, e que me livre do truco, que me livre das fotos e que tenha piedade de mim, pois sou apenas um tímido. AMÉM!

P.S.:

¹Dedico esta coluninha aos amigos da Edith, aquela boa turma do HSBC, pessoas que hoje eu tenho o prazer e a honra de chamar de Amigos. Ao Celio Andreoni Vasconcellos, ao Caubói, ao Wolff, às suas Respectivas Esposas, Noivas e Namoradas e aos demais Camaradas o meu abraço e a minha sincera amizade!

²Aos leitores, meus agradecimentos por tanto carinho e votos de um 2009 repleto de Alegrias, dentro e fora dos gramados (ao Doutor Antônio Celso Nunes Nassif Filho, meu abraço agradecido em retribuição ao incentivo que, generosamente, recebi).

³A Deus, toda Honra e toda Glória. Obrigado, Senhor, por ter atendido minhas preces nas horas que me foram mais difíceis.


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