Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

O lobisomem sabe pra quem aparece!

15/12/2008


Eu já me resignei: tudo o que acontece de estranho e de inusitado neste mundo acontece comigo. Entro no ônibus vazio e sento. No ponto seguinte entra um bêbado. Apesar de ter à disposição tantos assentos é do meu lado que a figura cambaleante vem se abancar.

Ando pela Rua XV, eu e milhares de pessoas, a quem o Sombra vem imitar? Adivinhem? “É eu na fita”, de novo! Tento apressar o passo sem perceber que a manobra inútil dá ao artista ainda mais repertório para sua cômica apresentação.

Enfim consigo virar à direita na Travessa Oliveira Belo. Escapei! – penso quase a ponto de vibrar com um soco à Pelé rasgando o ar – quando dou de cara com uma dupla de brutamontes, aparentando 18 anos de idade, cigarros acesos, barba por fazer, olhar meio avermelhado e uma pergunta que por segundos cria em mim forte expectativa:

- Você não se chama Rafael Lemos?

Numa situação dessas, é claro que você lembra do seu nome. O que você não sabe é se vale a pena dizer a verdade ou simplesmente mentir, dizer algo como “Não compreender o que falar comigo. Eu ser americano e veio de Chicago pro Curitiba estudar o vida sexual dos aropongas do Passeio Público. Sorry!”

Mas quem fala a verdade não mente nem diante do perigo (o caboclo pode até se cagar todo, mas mentir jamais). Por isso olho pra dupla e confesso, meio que já fechando os olhos antevendo uma provável porrada:

- Sim, sou eu mesmo. Rafael Lemos! – e acrescento um “por quê?” que oscila entre a valentia e a irresponsabilidade.

Depois da confissão, cinco segundos de silêncio até que o maior deles dá um passo adiante, joga o cigarro, abre os braços, vem na minha direção e quebra o gelo:

- Porra, professor, quanto tempo!

O outro não demora a aderir ao abraço e pergunta:

- Daí, professor, tudo susse? Tá firmão? Dando aula ainda?

Amplamente recuperado, respondo:

- Muito tempo que não nos vemos. Prazer revê-los. Tudo susse. Firmão. Não leciono mais em escolas, agora só aulas particulares, trabalho na Secretaria da Saúde com Direito e escrevo umas coluninhas na Furacao.com. Nada mais.

Dito isso, despeço-me da dupla que fica lá abordando cada cidadão que passa. Deixo a dupla no penoso ofício que é entrevistar gente capaz de virar cliente potencial para essas escolas de inglês que adoram passar a perna nos incautos. Piazada boa, primeiro emprego, vida penosa.

Nada nesta vida é conquistado sem sacrifício e sem trabalho. Não sinto pena deles, sinto orgulho e sigo em frente. A vida é sempre em frente e os erros e os acertos vão nos tornando melhores na medida em que a gente passa a reprisar os acertos e a evitar os erros. Fórmula lógica e fácil, como dois e dois são quatro.

Pego o ônibus na Rui Barbosa e até chegar em casa o percurso me permite 15 minutos de reflexão. A visão dos dois ex-alunos não me sai da cabeça. Lembro dos dois entrevistando gente pelas ruas do Centro, na humildade do primeiro emprego, ouvindo sucessivos nãos do povo que apressado se negava a responder ao chato questionário.

Dentro do ônibus, lembro dos dois ex-alunos sentados diante de mim, olhos atentos, enquanto eu ensinava a insípida gramática em pesadas lições de Análise Sintática, meu tema favorito. Lembro dos dois e de mim. Eles eram excelentes alunos, mas e eu: teria sido para eles um bom professor?

Dentro de mim, o peso da dúvida me aterra. Será que estão assim por que deixei de lhes ensinar algo? Será que alguma lição saiu imperfeita? Será que não me fiz entender ou, pior, será que não lhes fiz entender o idioma pátrio?

Será que me perdi com eles entre objetos diretos e indiretos, próclises e ênclises, pretéritos e presente? Estará perdido o futuro? Será que lhes ensinei alguma coisa capaz de fazê-los no mundo serem homens de bem? Desço do ônibus empurrado pelo peso da dúvida e a lembrança daqueles dois meninos me faz acreditar: fui um mau professor.

“Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo” (Carlos Drummond de Andrade).

Entro em casa, beijo minha mãe, troco três ou quatro palavras com meu pai, pego a toalha, cueca, vou tomar banho. Depois como alguma coisa e me coloco diante da tevê enquanto a noite avança até virar madrugada. Não durmo, culpado por aqueles dois meninos estarem nas ruas, “subvivendo”, tendo de entrevistar pessoas que nem sequer lhe davam a atenção merecida.

Eu que sempre quis o melhor para o futuro dos meus alunos tive de vê-los numa condição que não me pareceu boa. Por certo não senti pena deles, senti orgulho, mas algo em mim ficou martelando, machucando, fazendo mal. Noite e madrugada perdidas, ligo o computador, resolvido a ler os e-mails e eis que salta diante dos meus olhos um e-mail escrito por um daqueles meninos:

“Professor Rafael, valeu pela força nas aulas de Português. Você talvez não saiba e nem deu tempo de falar, mas a gente fez prova pra entrar no emprego e das 12 questões de Português eu acertei 11. Só a gente sabia verbo transitivo direto e indireto e tinha cara que nem sabia o que era Imperativo. Tamo ganhando quatrocentas pilas por mês, mais o VT e ainda temos direito de assistir a umas aulas de inglês, só que no sábado de manhã. Você e o Gilberto foram os dois melhores professores que a gente teve. Abraços e mande um salve pra gente na tua coluna, beleza?”

Dia amanhecendo, boto água pra ferver, abro a janela da área de serviço e entre as grades brancas olho pro horizonte de onde vem nascendo um sol ainda tímido, mas que promete ser forte. Lembro da mensagem do menino. Na mente, uma certeza: “Não fui o melhor professor que eles tiveram, mas fui o melhor professor que eu podia ser!”.

Dia amanhecendo, olho pro horizonte de onde vem nascendo o sol. Lembro dos meninos, ainda tímidos, mas fortes. Lembro das tantas lições. Na mente, uma certeza: o futuro não está perdido!

Nada nesta vida é conquistado sem sacrifício e sem trabalho. A vida é sempre em frente e os erros e os acertos vão nos tornando melhores na medida em que a gente passa a reprisar os acertos e a evitar os erros. Fórmula lógica e fácil, feito conta de somar.

E eis que olhando a vida do nosso Atlético, notadamente esses últimos 13 anos, cresce em mim a certeza de que fizemos um trabalho fabuloso, inédito no futebol brasileiro e mundial.

Nesses 13 anos, nós, Atleticanos, fizemos do Atlético um gigante, respeitado dentro e fora dos gramados. Obtivemos conquistas expressivas e alcançamos feitos inimagináveis para aquele Atlético anêmico de abril de 1995.

Hoje, o Clube promete se voltar ao futebol uma vez que já existem recursos financeiros suficientes para garantir o término da Arena da Baixada – este, sim, um estádio de verdade para a Copa de 2014, e não apenas uma maquete, pois maquete bonita se faz em dois dias, ao preço de quinhentos reais, em qualquer fundo de quintal.

Erros e acertos, estes muito maiores, e o Atlético entrará firme em 2009 – ano de sua 14ª participação consecutiva na Elite do futebol brasileiro e de seu 85º Aniversário – sob um comando técnico firme e inteligente representado por Geninho, sob a condução entrosada da boa dupla Malucelli-Geara, com bons jogadores no elenco – a exemplo de Galatto, com obras a todo vapor no Setor Brasílio Itiberê (obras e não maquetes) e disposto a reprisar nos gramados as atuações inesquecíveis que marcaram esses últimos 13 anos.

O Atlético de 2009 tem tudo pra dar certo, dentro e fora do Paraná. Como diz um amigo meu, a quem mando afetuoso abraço: “O lobisomem sabe pra quem aparece!” e em 2009, fantasma nenhum vai assustar o nosso Atlético (mas o nosso Atlético será o pesadelo de muita gente ruim e invejosa que andou torcendo e agindo contra nós pelas esquinas da vida).

Aos amigos-leitores, meus agradecimentos e o meu fraterno abraço com votos de um Feliz Natal e um 2009 fabuloso! Até janeiro, se Deus quiser!


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