Daniel Machado

Daniel Lopes Machado, 46 anos, é empresário e consultor em sistemas de informação. Considera os versos da sexta estrofe do hino atleticano, escritos por um ex-jogador, imortalizado em uma espontânea demonstração de amor ao clube, a mais bela poesia de todos os tempos: "A tradição, vigor sem jaça... Nos legou o sangue forte... Rubro-negro é quem tem raça... E não teme a própria morte!" Foi colunista da Furacao.com entre 2008 e 2010.

 

 

Meu amigo ex-maltrapilho

28/11/2008


Havia a gangue dos playboys, que tinha rixa com a dos surfistas. Os playboys usavam New Balance; os surfistas, papetes da Mormaii. Nos cabelos, os playboys passavam gel; os surfistas, parafina. Às vezes fechava o pau na saída do colégio. Eu e meu amigo maltrapilho apenas observávamos ali da esquina da Edelweiss, comendo rissoles e coxinhas de frango com catupiry.

Não tinha tênis importado, só um Kichute, cujo cadarço amarrava nas canelas finas. Também não tinha prancha, nem de morey boogie. Não era playboy nem surfista, era maltrapilho mesmo.

Morava num apartamento humilde. Não era pobre, mas faltava-lhe muito para ser rico. Meu amigo maltrapilho passava as tardes na Afonso Botelho, com uma bola de capotão velha nos pés. Ficava até cair a noite na sede d'Os Fanáticos, que sempre o acolhia. Viajava por todo o estado com a organizada para ver o Furacão, inclusive a Cambará, no tempo do Matsubara. Durante a campanha da ascensão de 95, mais precisamente no primeiro Atletiba da fase final (que a Tribuna promoveu como o duelo entre as medeixas de Oséas e Vital), meu amigo maltrapilho foi ao Pinheirão na caçamba de um caminhão e voltou a pé.

Era ainda só um moleque e o Atlético significava toda a sua existência. Por mais atleticano que eu fosse, não conseguia ser tão atleticano quanto ele.

Hoje, meu amigo maltrapilho não é mais maltrapilho. Formou-se, conseguiu um bom emprego, ficou famoso, anda de roupa nova e carro bacana por aí. Batalhou e conquistou alguma coisa na vida com perseverança e vontade de vencer, porque tem caráter e vergonha na cara.

Mas nem todos o amam. Muitos dos que ainda não saíram da maloca o chamam de arrogante. Talvez pela vergonha que sentem diante do espelho, por falta de coragem para confrontar suas realidades tão ordinárias, ou pela cobiça de um mesmo sucesso.

Há também aqueles que se aproximam cheios de segundas intenções. Uma imensa alcatéia fantasiada de rebanho o rodeia.

Nesta coluna de estréia, homenageio meu amigo ex-maltrapilho e, é claro, nosso querido Furacão, cujas histórias se confundem.

Pois o nosso querido Furacão não tinha casa própria, só um muquifo onde não podia morar. Vivia de aluguel, atolado em dívidas. Perambulava sem grandes aspirações pelas vilas da segunda divisão. Mas graças ao apoio daqueles que nunca o abandonaram, nem nunca o abandonarão, graças a sua grandeza e a seu espírito valente, conquistou destaque, prestígio e respeito. Construiu um grande patrimônio. Apesar dos invejosos e dos interesseiros, batalhou e superou dificuldades. Dignamente, triunfou.


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