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José Henrique de Faria
José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.
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Otávio, o prepotente teimoso
25/08/2008
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Nos meus tempos de infância, eu tinha um vizinho, o Otávio, que era o que se pode chamar de prepotente. Talvez, mais do que prepotente o Otávio era um garoto que quando resolvia fazer alguma coisa, não importava o que acontecesse, não mudava de opinião. Era um prepotente teimoso. Assim, quando ele cometia um erro, insistia no erro até o fim, mas acreditava que estava certo. Havia alguns momentos em que ele, com aquela sua falsa voz de calma, prévia e cuidadosamente estudada, dizia “eu errei, todos erramos”. Mas, nós sabíamos que era só “da boca para fora”, porque ele mesmo nunca achava que havia errado. Nenhum argumento o convencia, nada o demovia. Confesso que nós, crianças ainda, não tínhamos lá bons argumentos, mas sequer os fatos o convenciam. Ele achava que sempre estava certo e que aquilo em que ele acreditava iria acontecer. Quando ele resolvia fazer alguma coisa esta era sempre a melhor coisa a ser feita. Ou a única.
Nós, as outras crianças, fomos nos habituando a este jeito do Otávio, ainda que jamais tenhamos compreendido suas atitudes. Enquanto a prepotência e a teimosia de Otávio diziam respeito somente a ele mesmo, só nos restava observar, já que desistimos de aconselhá-lo, ainda que ele até nos pedisse conselhos, que ele nunca considerava. Acontece que as suas atitudes, muitas vezes, interferiam nas nossas vidas, nas nossas brincadeiras, atrapalhando e incomodando. Lembro que o pai do Otávio deu a ele, no Natal, uma bola de couro, daquelas que com o tempo a gente tinha que passar sebo para conservar. Os jovens de hoje nem sabem o que é isto. Mas, ninguém tinha uma bola como aquela, acreditava o Otávio, só ele. Ele era o dono do campinho e o dono da bola. Na verdade, não era, mas se achava. O campinho era de todos, mas como ficava ao lado de sua casa ele insistia em dizer que era dele. Outros de nós tínhamos bola, mas ele fazia questão de dizer que a dele era “oficial”. Enfim, combinávamos ir ao campinho para jogar futebol. Chegava na hora, o Otávio não queria jogar com a sua bola. Ficávamos todos lá esperando sua decisão, mas prepotente e teimoso como sempre, ele não cedia. Lá ia um de nós buscar uma bola “não oficial”. Outras vezes, no meio do jogo “5 vira e 10 ganha”, Otávio pegava a bola e ia embora, sem mais. Parava tudo até que alguém trouxesse uma outra bola para continuar.
O tempo passou. Nós crescemos, vivemos a adolescência e o Otávio continuou o mesmo prepotente e teimoso de sempre. Veio a época das discussões políticas e Otávio ficou pior. Incorporou à sua prepotência e teimosia as suas crenças, as mais estapafúrdias. A vida foi, paulatinamente, nos afastando. Não sei mais nada do Otávio há muitos e muitos anos. Mas, tenho certeza que, hoje, ele poderia, sem muito esforço, estar na diretoria do Atlético Paranaense.
Imagino o Otávio dando entrevistas dizendo, na época do Roberto Fernandes, depois de 17 jogos de erros e fracassos: “o técnico tem a nossa confiança e continuará prestigiado”. Pouco importa se os resultados tenham sido péssimos, como o foram. Talvez Otávio dissesse: “estamos evoluindo, pois no jogo contra o Vitória fizemos o nosso primeiro gol fora de casa depois que o técnico que contratamos assumiu”. Se alguém perguntasse como tem sido o desempenho do técnico desde o final de maio, quando o mesmo assumiu o comando da equipe, Otávio diria: “o que são só dois meses e meio sem fazer gols e sem ganhar fora de casa?”
Pois é! Fico imaginando o Otávio fazendo coro com o técnico, que sempre achava alguém ou alguma situação em quem colocar a culpa pela sua falta de competência, falando sobre a ausência de testosterona nos jogadores. Este era um terreno perigoso, mas o Otávio apoiaria. Ou, então, falando da inexperiência do elenco e dizendo que seria assim mesmo que as coisas continuariam. Mas, Otávio é Otávio. Não pode existir outro igual a ele, tão prepotente e teimoso, tão cheio de si, tão senhor do mundo.
Otávio, para quem não o conheceu, não montaria, por exemplo, um bom time de futebol se acreditasse que a coisa mais importante fosse o campeonato de resultados financeiros. Otávio, não! Para ele, futebol seria apenas secundário. Otávio, com certeza, diria que somente investiria em futebol depois de 2014, depois da Copa e isto se a Copa fosse realizada em Curitiba. Até lá, qualquer coisa serviria, até mesmo a segunda divisão, ainda que este “não fosse o objetivo do clube”. Para Otávio, se o Corinthians está na segundona, se o Palmeiras e o Grêmio já estiveram, por que não o Atlético Paranaense? “Faz parte da regra” diria ele. Na segundona com o time de futebol, mas na primeirona em negócios com o futebol: este é o Otávio que eu conheci. Mas, Otávio só existe um. Ele é inimitável.
A prepotência teimosa de Otávio, como já disse, jamais permitiria que ele admitisse, com sinceridade, que pudesse cometer erros, que suas decisões pudessem ser equivocadas. Ele até diria, em um tom de falsa modéstia, algo do tipo “erramos e acertamos”, mas, no fundo, Otávio estaria convicto de que só tomaria decisões acertadas. Otávio nunca errou, não erra e jamais errará. Esta era o jeito dele. Por isso, Otávio seria capaz de fazer coisas como desmontar toda a equipe que ele montou e que defendia, só para parecer que ele tomou uma atitude e que não pode, então, ser responsabilizado pelos erros, pelo fracasso, pelos vexames, pelo insucesso, pelo desastre da equipe de futebol. Seria capaz de criar uma cortina de fumaça para iludir o ansioso torcedor, trazendo, por exemplo, um jogador como Zico para conhecer o CT e a Arena, permitindo que se especulasse sobre o novo técnico, para depois repetir o mesmo erro do passado. Erro, não, porque Otávio não erra.
Se ele fosse dirigente do Atlético Paranaense, e ele teria, pela tradição contemporânea, todas as condições de sê-lo, ele falaria muito do planejamento. Diria que o planejamento foi atualizado para os próximos 8 anos, enquanto, no presente, a casa está caindo, porque ele não fez, no presente dos dois últimos anos, o que disse que estava no planejamento de 8 anos atrás. Se bem que, para ser sincero, eu não lembro de ver Otávio explicitando um planejamento, de modo que até hoje eu não sei se Otávio planejava ou se o plano estava apenas na sua cabeça. Infelizmente, como disse, faz tanto tempo que não o vejo que vou ficar com esta dúvida.
Otávio, até onde eu sei, embora jogasse com a gente no campinho, nunca entendeu nada de futebol. Aliás, ele não jogava nada, mas falava muito e reclamava bastante. Certamente ele procuraria como companheiro alguém dado à logorréia, para falar magistralmente sobre coisa nenhuma sem dizer absolutamente nada formando uma dupla imbatível Fico imaginando o Otávio na direção do Atlético Paranaense contratando jogador e técnico. Deveria ser engraçado. Ele até poderia, depois de contratar Roberto Fernandes, trazer alguém que já mostrou ser apenas um “tiro curto”, do tipo se acerta passa, mas se erra fica. Claro que eu, torcedor do Atlético Paranaense, torceria para que Otávio acertasse na contratação do “treinador”, já que na contratação de jogadores ele saberia muito mais vender para fazer dinheiro do que contratar para fazer time. Otávio sempre me pareceu ter mais vocação para comerciante, mas um comerciante com habilidades especiais. Ainda bem que Otávio não está lá e o Atlético Paranaense pode apresentar seu belíssimo futebol para o Brasil, para seus 18.000 sócios e seus milhares de torcedores. Pode vencer o brilhante Ipatinga, lanterna do campeonato, pelo mesmo placar que venceu o Goiás com o Sr. Fernandes, mas pode ser derrotado em Minas Gerais da mesma forma que o Ipatinga foi derrotado na Arena.
Falando a linguagem que Otávio entenderia, para um clube que está em primeiro lugar no ranking dos lucrativos, ser rebaixado representa uma perda direta e indireta de receita. Nem vou falar no que representaria para os torcedores, porque Otávio só pensaria em cliente, receita, sócio. Será que vendo tudo o que está acontecendo o Otávio não abandonaria sua prepotência teimosa? Será que vendo o que todos estão vendo, ou seja, que o caminho para a segunda divisão está aberto para o Atlético Paranaense, Otávio não aproveitaria a janela que vai até dia 19 de setembro para montar uma equipe vencedora para sair desta situação? Sinceramente, acho que não. Otávio é Otávio. Prepotente e teimoso. Ele diria que o Atlético Paranaense tem o que há de melhor, que não iria cometer nenhuma loucura trazendo jogador no afogadilho (ele nunca diria que passou o semestre inteiro e não trouxe quando podia). Otávio é inigualável. Não existe ninguém como ele. Ou existe?
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