Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Abaixo o Nepotismo

22/08/2008


O Supremo Tribunal Federal de um país distante se reuniu, nesta semana, para julgar o tema Nepotismo. A seguir, relato as cenas do julgamento. Se algum causídico me processar, colocando-me no pólo passivo da Ação, direi que as cenas ocorreram noutra parte e que o texto por mim escrito é pura ficção ou, como dizem os mais entusiasmados, é arte.

Cenário: o Pleno do Tribunal.

Personagens: 15 Ministros (vocês acham que eu sou besta de escrever 11?), Membros do Ministério Público, Advogados, Jornalistas, Cidadãos confortavelmente acomodados na platéia (os cidadãos sempre acomodados), Meirinhos, Estagiários, Militares, Autoridades Civis, Autoridades Eclesiásticas e, por fim, o Escrivão (ou Escrevente, se preferirem).

O Presidente do Tribunal está, cheio de pose, fazendo o ditado para o Escrivão:

- Observo que não se mostra razoável admitir que uma conveniente interpretação literal dos incisos II e V do art. 37 da Lei Maior possa contrariar o sentido lógico e teleológico do que se contém no caput do referido dispositivo, em flagrante dissonância com a idéia de unidade e harmonização que deve nortear a hermenêutica constitucional.

O Escrivão estava digitando numa boa até que parou no vocábulo “dissonância”. Parou e perguntou ao Presidente do Tribunal:

- Tio, dissonância é com um “esse” só ou devo grafar o referido vocábulo com “cê-cedilhado?”.

Os cidadãos da platéia exclamaram:

- Oh!

Teve um cidadão que foi além:

- Oh! Pelamordedeus!

Diante da pergunta, o Presidente do Tribunal olhou com cara de poucos amigos para o Escrivão, seu sobrinho, e depois se virou para uma das Ministras e espinafrou:

- A senhora está vendo, querida ex-cunhada? Olha a peça que você me trouxe aqui pro Tribunal! Não sabe nem escrever “dissonância!”.

A Ministra interpelada, despindo-se momentaneamente da Toga, em sentido figurado, esteja claro, fez seu esperado papel de mãe e enquadrou o Escrivão, seu filho:

- Carlos André, onde já se viu não saber escrever “dissonância”, seu viado? Eu te paguei 11 anos de Colégio Marista, e você não sabe nem escrever! Porra, Carlos André!

- Calma, mãe, não fala assim comigo que eu não sou cachorro!

- Eu sei que você não é cachorro, meu bem. O cachorro é o teu pai, aquele verme que me trocou pela vagabunda da secretária dele.

Os cidadãos da platéia exclamaram:

- Oh!

Teve um cidadão que foi além:

- Oh! Pelamordedeus! Esta mulher aí é pior do que a Nilcéia Pitta!

Quando a Ministra acabou de dizer “O cachorro é o teu pai, aquele verme que me trocou pela vagabunda da secretária dele!”, ouviu-se uma voz fininha ecoar pelo plenário:

- Secretária eu? Eu sou estagiária! Estagiária de Direito! – era a vagabunda da secretária dele.

Depois da voz fina, veio uma voz grossa, em firme protesto:

- Senhor Presidente, questão de ordem! Peço vênia!

Era o verme, também integrante da Corte na elevada condição de Ministro, ex-marido da mãe do Escrivão e, atualmente, o verme que está pegando direto a Estagiária de Direito (muito gostosa, por sinal).

- Fala, meu irmão! – disse o Presidente, visivelmente abatido.

Não, o Presidente do Tribunal não usou nenhuma gíria ao proferir a expressão “Fala, meu irmão!”, afinal de contas, o verme que se manifestara era, de fato e de direito, irmão do Presidente e, como disse, ex-marido da mãe do Escrivão (aquele que foi juntado, publicamente, recebendo exemplar descompostura materna). Pois então, vão vendo.

O marido agravado - pai do Escrivão, irmão do Presidente do Tribunal, ex-marido da Ministra e amante da Estagiária - pediu a palavra e lascou em direção à Ministra, sua ex-esposa:

- Teu filho saiu burro assim porque puxou a genética da tua família, sua vaca!

Ah, pra quê! No mesmo momento levantou-se a ex-sogra, uma das Advogadas presentes, e se defendeu:

- Burro é a puta que te pariu, seu prevaricador! – causando ainda mais tumulto no recinto a ponto de o Escrivão - neto da Advogada, filho dos Ministros, sobrinho do Presidente do Tribunal, etc. - pedir, aos prantos:

- Calma, Vó! Calma que a senhora tem o coração fraco e pode infartar, Vó! A senhora sabe que os ventrílocos do coração, assim como os árticos cardíacos, são estruturas muito frágeis!

Com esses termos, o neto, preocupadíssimo, advertiu a avó, sendo depois corrigido por um dos primos, cardiologista do Tribunal:

- Carlos André, seu viado, não são os ventrílocos, são ventrículos; e não são árticos cardíacos, são átrios cardíacos!

Os cidadãos da platéia exclamaram:

- Oh!

Teve um cidadão que, indo muito além, gritou a plenos pulmões:

- Oh! Pelamordedeus, Carlos André! Você é um “inguinorante”! - no nervoso, o cidadão escorregou nas raízes da última Flor do Lácio, inculta e bela, botou mais lenha na fogueira e daí é que ninguém mais se entendeu.

Resultado: o que começou como uma singela dúvida ortográfica do Escrivão meio “anarfa”, acabou se convertendo num quebra pau que entrou, com todo o respeito, para os anais do Judiciário daquele país.

P.S:

1. Aí o torcedor mal-humorado vai me perguntar “Rafael, e o que é que o Nepotismo tem a ver com o Atlético, seu narigudo-vesgo?”. Responderei “Aqui no Atlético é todo mundo irmão, seu coisa feia! Sendo assim, nepotismo é o que não nos falta. Somos uma grande Família. Quebramos o pau, ficamos de bem, depois nos pegamos na porrada de novo e assim vai uma vida!”;

2. Nesta semana, Ministros do STF aprovaram documento que proíbe a contratação de parentes no Executivo, Legislativo e Judiciário. Eles querem também acabar com o chamado nepotismo cruzado nos três poderes. A partir de agora é o popular “Publique-se. Registre-se. Cumpra-se!”.


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