Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Superstições

24/07/2008


Todo torcedor é supersticioso – em maior ou menor grau – mas é. Regra sem exceção, provando que existe, sim, regra sem exceção. “Diante da superstição, somos todos iguais!” – bradaria o torcedor humilde e desavisado, mas a coisa não é por aí.

Se é certo que a superstição iguala todos nós, torcedores, no patamar comum da crendice, é certo também que há, nesse patamar aparentemente comum, plataformas de alturas diferentes a quebrar a isonomia entre os homens.

Em tempo algum houve verdadeira isonomia entre os humanos; em tempo algum haverá, afinal não ficaria bem a um torcedor ilustre compartilhar sua superstição com um torcedor humilde como este que vos escreve.

Tentem imaginar Mário Celso Petraglia – empresário de sucesso, rico, culto e viajado – ao lado deste pobre Rafael, fazendo despacho em prol do Atlético, juntos, na mesma encruzilhada.

- Rafael, passe-me agora a cachaça e a galinha preta, por obséquio.
- Beleza, Doutor Petraglia, tá na mão!
- Agora, proceda-me à passagem das velas vermelhas e das velas pretas para que eu faça o posterior acendimento!
- Só se for agora, Tio Pet!
- Como?
- Tá na mão, Chefe!
- Agora, Rafael, recitemos juntos o mantra do ocultismo que me foi passado por Pai Geraldo de Oxum, por ocasião de minha mais recente visita ao Terreiro da Caveira Fumegante, ali perto de Campo Magro.
- Recitemos, Presidente, recitemos!

E aí, juntos, eu e o Presidente Petraglia mandaríamos ver, com galhos de arruda pendendo detrás de nossas orelhas e entre nuvens de fumaça exaladas por nossos charutos, o portentoso mantra:

“Preto Velho tá cansado, de tanto trabalhar, Preto Velho tá cansado, de tanto curimbar. Canta ponto, risca Pemba, é longa a caminhada. Quem tem fé, tem tudo, quem não tem fé não entra na Baixada, ô!”.

E depois do canto, nos cumprimentaríamos num aperto de mãos seguido daquela gingada clássica onde se bate o ombro direito no ombro direito do amigo e depois se repete o gesto com o ombro esquerdo. Dá para imaginar? Não dá, é claro. Mas o Presidente Petraglia, como exemplar torcedor, tem suas mandingas, mas suponho serem coisas altamente refinadas.

A coisa deve ser mais ou menos assim: em frente à tevê, ou melhor, em frente ao home-theater, o Presidente Petraglia assiste ao jogo do Atlético. Nervos à flor da pele, pois nesse quesito todo atleticano é rigorosamente igual.

Em uma de suas mãos, encontra-se fortemente apertado um Palm-top One Tungsten E2, com Bluetooth, USB, cartão de memória e fone de ouvidos. Na outra mão, igualmente espremida, a caneta criada por Caran d’Ache, em 1999, a Modernista Diamonds, projetada em memória do arquiteto espanhol Gaudí.

A pena da caneta é coberta de ouro e ela é cravejada com 5.072 diamantes Top Wesselton VS. A tampa tem 96 rubis que formam as iniciais CdA, mas o modelo usado por Petraglia, imagino, tenha gravado as iniciais CAP. O preço é algo próximo aos 190 mil Euros!

Quando o Atlético ataca, Petraglia bate três vezes a tampa da caneta contra o corpo do Palm-top e repete: “Vai, Atlético! Vai, Atlético! Vai, Atlético!”. Quando o Atlético é atacado, Petraglia bate, incessantemente, a tampa da caneta contra seu Palm-top e repete: “Não vai dar nada, não vai dar nada, não vai dar nada” – até o perigo passar.

Ao final da partida, recolhe-se – imagino, esteja claro – ao elegante escritório de sua residência, onde passa a ler Descartes, Rousseau, Nietzsche, Platão, Sartre, Camus, Castro Alves e Drummond, entre um gole e outro de um suco natural que só freqüenta a mesa dos ricos (quem sabe até entre um gole e outro de um bom vinho). Assim imagino a superstição do Presidente Petraglia.

E seguindo minha lógica, imagino que as superstições de outros Atleticanos ricos, elegantes e intelectuais não sejam muito diferentes. Torcedores como Valério Hoerner Júnior, Cristovão Tezza, Dalton Trevisan, João Augusto Fleury da Rocha, Carlos Roberto Antunes Santos, José Henrique de Faria e Marçal Justen Neto são elegantes e sofisticados até quando “batem na madeira, pé de pato, mangalô três vezes”. Também sou supersticioso, eis meu ritual:

Sentado no sofá-cama do quarto que divido com meu irmão Flávio - coxa-branca chato, exaltado e seca-pimenteira – ligo nosso home-theater, que no caso é uma tevê 14 polegadas, ano 2001, da qual não me desfaço por nada neste Mundo posto que ela me deu sorte no título brasileiro daquele ano.

Sento-me diante da tevê com os nervos à flor da pele. Nesse quesito todo atleticano é rigorosamente igual. Para piorar minha situação, o Flávio senta ao meu lado e abre franca torcida contra as coisas do Atlético. Em uma de minhas mãos, encontra-se o controle remoto do antiquado aparelho; na outra, uma caneta Bic, sem tampa.

Quando o Atlético ataca, batuco a ponta da caneta contra o controle remoto e repito: “Vai, Atlético! Vai, Atlético! Vai, Atlético!”. Durante o ataque do Atlético, o Flávio repete: “Não vai dar nada, não vai dar nada, não vai dar nada”.

Quando o Atlético é atacado, bato, incessantemente, a ponta da caneta contra o controle remoto, repetindo: “Não vai dar nada, não vai dar nada, não vai dar nada” – até o perigo passar. Quando o Atlético é atacado, o Flávio repete: “Agora é gol! Agora é gol! Agora vai!”.

Se o Atlético marca um gol, jogo para cima a caneta Bic e o controle remoto e passo a batucar na cabeça do Flávio que, por ser meio oca, produz um sambinha legal. Se o Atlético toma um gol, o Flávio batuca na minha cabeça que, por ser completamente oca, produz um som interessante, algo que transita entre o som tribal e o som dos Tribalistas.

Ao final da partida, vamos, em paz, até a cozinha fazer “miojos”, posteriormente devorados entre um gole e outro de algum suco de pacote. Mas só comemos “miojos” depois das partidas dos nossos times, pois comer antes dá um azar desgraçado...


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