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Rafael Lemos
Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.
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O menino que sonhava ser Carneiro Neto
22/07/2008
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"O homem é do tamanho do seu sonho" (Fernando Pessoa)
Fui alfabetizado pela Professora Joracy Cordeiro, em 1982, no Colégio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa. Por minha opção, estudei de manhã naquele ano letivo uma vez que não queria perder os jogos da Copa do Mundo.
A mãe tentou me dissuadir: “Você vai sair no frio das manhãs de Curitiba para ir à Escola, Rafael?” – ao que respondi “Vou!”. “Vai acordar bem cedo em vez de dormir até umas nove e meia?” – “Vou!”. “De manhã cedo sempre chove demais. Vai andar três quadras, segurando o guarda-chuva, só por causa de uma Copa do Mundo, Rafael?” – “Vou, Mãe!”.
O pai - sentado na poltrona e sem tirar os olhos do jornal - fechou a questão: “Ele vai!” – e o pai disse isso como se diante de minha mãe passasse a ser o fiador da minha promessa e como se diante de mim se tornasse o maior credor das minhas palavras. “O Rafael vai estudar de manhã e ponto final”.
Palavra dada, palavra cumprida: fui estudar de manhã e só eu sei as dificuldades por que tive de passar naquele ano de 1982: um frio lascado de maio até setembro; choveu a cântaros; o guarda-chuva passou a ser parte do material escolar; mas eu me mantive firme até o fim.
Na escola, veio a alfabetização: “a-e-i-o-u”, “ba-be-bi-bo-bu”, até que “ca-que-qui-co-curiosamente acabei alfabetizado” – graças à Mestra Joracy Cordeiro e às suas lições inestimáveis.
Durante as aulas, os estudantes inocentes liam na cartilha “Vovô viu a uva da vovó” e, bobocas, imaginavam um velhinho mirando uma singela frutinha roxa nas mãos não menos singelas de uma doce velhinha.
Eu, que já era um sacana, lia baixinho “Vovô viu a vulva da vovó” e, rindo no fundo da sala, ficava a imaginar um velhinho mirando uma suculenta fruta logo acima da coxa, enfim, imaginava um velhinho se dando bem pra caramba. A cartilha já não era pra mim, passei a ler o jornal que os adultos liam, a Gazeta do Povo.
Desnecessário lhes dizer que eu atacava logo de cara o caderno de esportes da Gazeta e, a duras penas, ia decifrando as colunas do Carneiro Neto que, aos poucos, passava a ser o meu Autor predileto. Eu levava uns dez minutos para ler a coluna do Carneiro e, nessa época, meu Avô teve de ter uma paciência de Santo comigo.
A cada linha, uma pergunta: “Vô, o que que é infração? O que é cartolagem? O que significa vender o passe? Tecido moral da sociedade? Efabulativo? Estrutura patrimonial? 4-4-2, 3-5-2, que diabo é isso, Vô?” – e meu Avô, convertido em homem-santo-dicionário-enciclopédia, ia pacientemente me explicando cada um dos trechos das colunas do meu ídolo, Carneiro Neto.
Um dia, eu devia ter uns oito anos, meu Avô perguntou o que eu iria ser quando crescesse, ao que respondi “Eu vou ser igual ao Carneiro Neto, vou escrever colunas sobre futebol, falando bem do Atlético e tirando sarro do Coxa! Você não fica triste, né, Vô?” – e ele, coxa-branca apaixonado, dizia: “Se você me mandar um beijo no final, estará perdoado, Finha!” (Rafael – Rafinha – Finha, sendo este de uso exclusivo do meu Avô).
Cresci e hoje escrevo colunas sobre futebol, falando bem do Atlético e tirando sarro do Coxa. Nunca consegui ser igual ao Carneiro Neto, o maior cronista esportivo da história do Paraná, mas devo ao sonho grandioso de ser Carneiro Neto o fato de ter me tornado o colunista Rafael Lemos, um torcedor-escritor de palavras, mas, sobretudo, um homem de palavra.
Palavra dada, palavra cumprida: Vô, olha eu aqui escrevendo a minha coluna, como se eu fosse o Carneiro Neto! Vô, olha eu aqui escrevendo sobre futebol, falando bem do Atlético e tirando sarro do Coxa! Não fique triste comigo não, Vô, vai daqui meu beijo pra você!
Finha.
P.S.: Dedico esta coluna:
1. À Memória do meu Avô, Félix Pedro. Dia desses, em caminhada que fiz em companhia da Edith, passei, uma vez mais, pelos caminhos da infância, pelos caminhos que percorri, lado a lado, com meu Avô. Rua Saldanha Marinho, Visconde de Nácar, Visconde do Rio Branco, Dr. Carlos de Carvalho. Concluí, no silêncio da serena constatação: homens cultos, ricos, célebres e poderosos morrem e viram nomes de ruas, mas homens simples e humanos – como o meu Avô – estes não morrem nunca e seguem em nosso coração enquanto caminhamos por ruas com nomes de homens, mas que deveriam se chamar Saudade.
2. A Carneiro Neto, por ter ajudado a escrever a História do Futebol do Paraná e por ter servido de exemplo a este menino que não perde a mania de sonhar e de se encantar com a vida, e de se emocionar com o Atlético.
3. Ao Arqueiro Galatto que - ao defender o pênalti no último domingo e depois jurar amor ao Atlético a ponto de prometer dar sua vida pelo Rubro-Negro da Baixada - converteu-se em herói e em exemplo de muitos meninos atleticanos que hoje sonham ser Galatto, encantando-se com a vida e se emocionando com o Atlético.
4. Transcrevo importante nota divulgada há pouco no site Oficial do Atlético:
"A torcedora Caroline, de 14 anos, nasceu em berço atleticano. Sempre doou sua vibração nas partidas de futebol. Mas desde janeiro, ela está impossibilitada de assistir as partidas do Furacão na Arena. É que ela descobriu que tem leucemia e necessita com urgência de transplante de Medula Óssea.
O grande problema para conseguir fazer o transplante é que não é fácil encontrar um doador compatível. Por isso, quanto mais doadores voluntários aparecerem, maiores as possibilidades dela conseguir realizar o transplante.
Necessidades - Qualquer pessoa com idade entre 18 e 55 anos e que seja saudável, pode doar Medula Óssea. A medula é um tecido encontrado no interior dos ossos e que tem a função de produzir as células sangüíneas (glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas). Este tecido é retirado do interior dos ossos da bacia, através de punções e se recompõe em apenas 15 dias.
Para o transplante ser realizado é preciso compatibilidade absoluta entre doador e receptor. Porém é muito difícil encontrar doadores compatíveis: a chance é de um em 100 mil pacientes. Por isso, quanto maior for o número de doadores nos bancos de cadastros, mais pessoas podem ser ajudadas.
Para ser doador é preciso se cadastrar no Hemocentro do Estado. Quando um paciente necessita de transplante, esse cadastro é consultado. Se for encontrado um doador compatível, ele será convidado a fazer a doação.
Doações para Caroline:
Hemepar - Travessa João Prosdócimo, 145 (41) 3622030 / 2647029 / 2647026
Hospital das Clinícas - Rua Gal. Carneiro, 181 (41) 360-1800
Hospital Evangélico - Alameda Augusto Stellfeld, 1908 (41) 3240-5000".
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