José Henrique de Faria

José Henrique de Faria, 74 anos, é economista, com Doutorado em Administração e Pós-Doutorado em Labor Relations nos EUA. Compareceu ao primeiro jogo do Clube Atlético Paranaense em 1950, no colo de seu pai. Seu orgulho é pertencer a uma família de atleticanos e ter mantido a tradição. Foi colunista da Furacao.com entre 2007 e 2009.

 

 

Pirueta viciosa

13/07/2008


Antes, os sonhos, as expectativas e as projeções anunciam o maravilhoso mundo do largo sorriso, das alegrias imensas. Mas, o caminho para chegar à realidade cobra um pesado pedágio e não há quem possa furar esta barreira, a não ser os que desejam acreditar na farsa como se esta fosse a configuração do mundo real. Para qualquer analista que pretenda olhar com a maior objetividade possível para os fenômenos, por mais envolvido que esteja com a matéria de sua análise, é impossível não ver aquilo que a realidade tão claramente mostra.

Diziam, antigamente, que este era o mundo do esporte bretão, por ser originário da Grã-Bretanha. Desconsideradas as indicações segundo as quais os chineses já praticavam um tipo de jogo com bola muito antes dos ingleses, o futebol de hoje é, no âmbito profissional, o mundo dos business, o mundo globalizado, o mundo das commodities em que por aqui se produz e se vende mercadorias na bolsa de apostas. Equipes de jogadores de 17 a 20 anos são montadas muito mais para gerarem negócios lucrativos a satisfazer diversos interesses do que para montar times competitivos. Basta que um jogador se destaque para que "não se possa segurá-lo". Há uma fábrica de atletas para o mundo das mercadorias. Enquanto isto, para os que se associam ao clube, para os que torcem pelo time, para os aficionados, o que sobra é a convivência com um "treinador" que mais fala do que faz, jogador que não corresponde, esquema tático que ou não existe ou não funciona. Sobram explicações que não convencem, reclamações que nem sempre procedem, promoções que não agradam, promessas que não se cumprem. É certo que as arbitragens têm prejudicado o Atlético Paranaense, mas não é possível colocar a culpa sempre do lado de fora, sempre no outro, sempre no erro alheio.

Após a partida contra o Internacional, o Senhor Roberto Fernandes apresentou a mesma ladainha. Disse ele: "vencíamos o jogo e tomamos um gol de bola parada". Certo. E o gol do Atlético Paranaense foi como? Disse ele que o árbitro prejudicou o Atlético Paranaense. Sem dúvida a arbitragem foi muito ruim. Mas, e se o pênalti dado ao Atlético Paranaense fosse dado a favor do Internacional, o que estaríamos dizendo agora? Certamente o mesmo que dissemos com relação aos pênaltis inventados no jogo contra o Grêmio. Disse o Senhor Roberto Fernandes que está "roendo o osso", que não pode contar com vários jogadores (alguns, inclusive, com quem nunca contou), que daqui a vinte dias será mais fácil. Daqui a vinte dias serão mais dezoito pontos disputados e estaremos praticamente no final do primeiro turno. O que dizer, então, de Ney Franco, que não teve nem mesmo este osso para roer? A questão é que ou o treinador é capaz de definir um padrão de jogo para a equipe, definir estratégias para as partidas, variações de jogadas, ou reclamará cada vez que um dos atletas não puder jogar. Jogador titular faz falta, mas time sem padrão, que joga com chutões da defesa para o ataque como um procedimento de jogo (especialmente com jogadores de baixa estatura, disputando bola com zagueiros altos), é muito pior que as ausências eventuais de atletas.

Nada melhor do que conferir os resultados. Eles dizem mais do que qualquer contra-argumento e desculpa. Nos últimos nove jogos dirigidos pelo Senhor Roberto Fernandes, o Atlético Paranaense marcou nove gols, incluindo aqueles cinco completamente anormais contra o Goiás na Arena. Se tirássemos aquele jogo atípico da contagem, teríamos quatro gols em oito jogos, ou seja, 0,5 gols por jogo. Nenhum gol feito fora de casa, contra oito gols contra. Em cinco jogos disputados na Arena, duas vitórias e três empates, ou seja, seis pontos perdidos em casa. Nenhum ponto fora de casa. Para quem veio com o discurso de um futebol ofensivo, não se pode dizer que é pouco. A rigor, não é nada. Ninguém mais agüenta a conversa do "se não fosse o árbitro", do "vamos nos preparar melhor para o próximo jogo" ou do "o resultado foi injusto". O Senhor Roberto Fernandes é um exímio apresentador de desculpas, de explicações, sem em nenhum momento assumir que o time não está apresentando um futebol de qualidade e que é de sua inteira responsabilidade dar ao menos padrão de jogo ao time, apresentar propostas de jogo, mostrar estratégias para derrotar adversários, fazer variações de jogadas. O Atlético Paranaense parece uma equipe burocrática, previsível, que não surpreende ninguém e que não passa confiança. O vexame da substituição de Renan diz por si só como as coisas estão. Considerando os nove jogos da era Fernandes, o Atlético Paranaense obteve nove pontos em vinte e sete disputados, ou seja, 33% de "aproveitamento". Com este desempenho é candidatíssimo a uma vaga na parte de baixo da tabela. Se antes o Atlético Paranaense não tinha jogadores, agora que contratou alguns jogadores razoáveis, não tem um treinador preparado para a função.

Sobre este assunto de contratação, certas situações são de difícil entendimento. Para exemplificar, em março o Atlético Paranaense contratou o ala direito Erivelton, destaque do Iguaçu. Entretanto, por duas vezes em que Nei não pôde jogar, por ali foi improvisado um jogador que não é da posição. Não se trata de entrar no mérito de quem joga no lugar do Nei. No jogo contra o Internacional, o jovem Douglas Maia apareceu por ali e jogou bem. A questão é por que foi contratado o Erivelton? Outro exemplo são os jogadores contratados para jogar depois de 03 de agosto, que é quando abre a "janela da FIFA". Janela que, diga-se de passagem, desculpem o trocadilho, é uma abertura pela qual ao mesmo tempo entram e saem jogadores. Outros que eram soluções, inclusive vindos do futebol europeu, foram dispensados. Um Atlético Paranaense B foi montado para excursionar pelo Oriente Médio e Europa, segundo noticiário: com que finalidade? Preparar atletas para o time A? Dar-lhes experiência internacional ou simplesmente fazer negócios? Está muito complicado visualizar um planejamento bem feito no setor do desempenho do time do Campeonato Brasileiro, pois se repete o que ocorreu na Copa do Brasil e no Campeonato Paranaense deste ano e no Campeonato Brasileiro de 2007. Por uma questão de justiça, não posso deixar de mencionar o bom trabalho do Borba Filho, que não aparece agora, mas que pode, no futuro, dar bons resultados, isto se os jogadores que estão sendo trazidos para o CT não fizerem parte daquela lista de jogadores vendidos para o exterior que a torcida sequer sabe ao certo quem são. Não discuto que futebol é um empreendimento caro, que deve ser financiado por um conjunto de atividades, entre as quais, a venda de direitos federativos de jogadores. O que discuto é qual o nível de prioridade que o time profissional do Atlético Paranaense tem neste negócio.

O conforto, quem sabe, é que o Atlético Paranaense não está só. Enquanto na Eurocopa pôde ser visto jogos como Holanda e Rússia, por exemplo, no Campeonato Brasileiro da 1ª. Divisão, considerado o maior ou o mais difícil do mundo, não se consegue nada que seja sequer parecido. Mas, dirão alguns, é jogo de seleção. Então, quem sabe, possamos comparar com o último Brasil e Argentina em Belo Horizonte? Nem assim! Este estado de coisas começa na política dos clubes, passa pela estrutura das federações e da CBF e destas estruturas retorna aos clubes em uma espécie de pirueta viciosa. Um círculo maldito, defeituoso e desmoralizado. Aqui se incluem também algumas arbitragens que se não são mal intencionadas são, como disse Tostão, incompetentes, que podem até decorar as regras, mas que não entendem do jogo de futebol. Mas, os outros são os outros. O que interessa é o que acontece com o Atlético Paranaense. E acontece que esta mesma pirueta viciosa persegue o Atlético Paranaense, pois entra semana e sai semana e os problemas continuam os mesmos. Não desejo reprisar os argumentos dos colunistas deste Furacão, mas não posso deixar de manifestar também meu desconforto. Neste ritmo, de pontinho em pontinho, o Atlético Paranaense vai sendo alcançado pelos clubes que estão abaixo na tabela. Não assustamos ninguém. Estamos mais para coadjuvantes do que para atores principais. Quando jogamos fora, os adversários consideram os três pontos como "favas contadas". Ressuscitamos até o Fluminense.

Merecemos muito mais do que a diretoria está nos oferecendo. Como já era esperado, a torcida respondeu quando a diretoria apelou para que os atleticanos se associassem. Pois bem, já somos 17.000 sócios. Chegaremos em breve a 20.000 sócios. E agora? Agora é a torcida que tem o pleno direito de reivindicar da diretoria uma outra postura, uma atitude mais compatível com um clube como o Atlético Paranaense, com aquele projeto cantado em verso e prosa pela própria diretoria. Para os torcedores, isto significa a conclusão da Arena? Sim. Significa a continuidade da política do CT? Sim. Mas, significa também, urgentemente, treinadores de primeiro escalão, jogadores de primeira linha, enfim, um time campeão. Estamos fartos de desculpas e de justificativas. Chega de disputar o 16º. lugar na tabela ou de considerar a classificação para a Sul-Americana como uma conquista fabulosa. Quem entra no Joaquim Américo, quem vibra com a maravilhosa torcida do Atlético Paranaense, quem acompanha a harmonia dos cantos, a força que vem das arquibancadas, não pode se contentar com pouco. Nosso lugar deve ser na disputa de títulos nacionais, na obtenção de uma vaga para a Libertadores e na disputa de títulos internacionais. Lamento ter que dizer o óbvio, mas menos que isto não é para nós.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não dos integrantes do site Furacao.com. O site não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.