Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

Manchetes

11/07/2008


Nos próximos dias, irromperá a manchete: “Roberto Fernandes não é mais o técnico do Atlético”. Texto pronto; só falta o pretexto, que poderá ser uma derrota contra o Internacional, no próximo domingo – que Deus nos livre, mas ela pode acontecer, infelizmente.

Outra manchete: “Atlético conversa com Geninho; Cerezo é cogitado”. Os mesmos nomes de sempre, numa reciclagem difícil de ser compreendida. Se Geninho não servia para o Botafogo, como salvará o Atlético? Cerezo, que como treinador é um ilustre desconhecido, ganhará aqui no Atlético os títulos que não ganhou em canto algum?

Daí é publicada a manchete final: “Tite é o novo treinador do Furacão!” – e a gente lê aquilo com a desconfiança de quem sabe que, no fim das contas, o nome é outro, mas o enredo é o mesmo. E se não for o Tite será o Bonamigo, o Antônio Lopes, o Zetti, o PC Gusmão ou outro que não tive a clarividência – ou o saco – de citar. Pouco importa, pois técnico – a gente sabe – não ganha jogo, a não ser que seja um Telê Santana ou um Rinus Michels, inegavelmente conhecedores de bola a ponto de fazer a diferença à beira do gramado.

Permitam-me explicar melhor a tese. Técnicos – como os que citei, que rolam de time em time numa absurda reciclagem que nada recicla e tampouco acrescenta aos Clubes – esses técnicos não ganham jogo! Esses técnicos, no frigir dos ovos, estão tão acostumados e coniventes com a “cultura” do futebol brasileiro que já chegam aos Clubes sabendo que vão durar pouco.

Chegam com o prazo de validade vencido ou prestes a vencer, chegam para tapar buracos e, convenhamos, profissional nenhum rende o que tem de melhor quando chega sabendo que vai tapar buracos. E, convenhamos, profissional que se preze – e que se preza, antes de tudo – não se presta a tapar buracos, em hipótese nenhuma.

“E quais são os buracos, Rafael?” – pergunta-me o torcedor indignado, a quem respondo com indignação igual ou maior: os buracos no futebol brasileiro são tantos que qualquer dia nossos gramados vão dar lugar a campos de golfe, sem exagero algum.

Se cada buraco do futebol brasileiro a gente marcar com uma bandeirinha – se não me engano o golfe exige 18 buracos – dá pra gente botar, no fim do serviço de “bandeirização dos buracos”, uma placa diante de cada estádio a anunciar os novos e rentáveis empreendimentos: Arena da Baixada Golf Clube; Buracão do Gionédis; Capanema’s Holes; Clube de Regatas e Golfe Vasco da Gama; Engenhão do Fogão Gol & Golfe e por aí afora. E da tese à prática, apresento dois grandes furos.

1º Falta, absoluta, de planejamento e de metas:

Se o torcedor perguntar ao dirigente de seu Clube qual é o objetivo para o campeonato que se inicia, ouvirá, deles todos, a mesma resposta: “Estamos entrando para sermos campeões!”. Frase bonita, sem dúvida, mas desprovida de verdade.

Ora, eles dizem ao torcedor que entram para ser Campeão, mas botam em campo elencos que lutam, a duras penas, para não cair. E fazem isso como se o torcedor fosse burro e não percebesse a diferença que há entre um elenco Campeão – ou que tem potencial para tanto - e um amontoado de caras vestindo uniformes de futebol, mas que nem de longe parecem ser jogadores de futebol.

Planejamento é se organizar diante de um desafio, identificando os elementos que já se encontram à disposição, diagnosticando as carências, suprindo essas carências com novos elementos, tudo isso dentro das possibilidades/restrições impostas pelo binômio “receita-despesa”. E todo planejamento depende da meta que foi estabelecida.

Ocorre que a meta mesmo que é bom nunca fica suficientemente clara, pois a coisa vai indo, meio que na base do por acaso. Se a coisa der certo: que beleza, festa, carnaval, méritos aos comandantes, méritos aos técnicos, aos atletas, etc. Se a coisa der errado: culpa do técnico, de alguns atletas, desligamentos aqui e ali e pronto, segue o enterro, sem qualquer planejamento e sem meta alguma. Bola pra frente, nada mais.

E agindo assim, ano após ano, é que a gente fica anos sem ganhar coisa nenhuma. Talvez - penso eu e posso estar pensando errado - fosse melhor, e mais honesto, estabelecer meta mais modesta, a exigir planejamento mais modesto, mas que ao final resultaria numa conquista - modesta é verdade – mas que é melhor do que obter conquista alguma.

No começo deste ano, a meta poderia ter sido exposta assim: em 2008, seremos Campeões do Paraná, concluiremos o primeiro anel da Arena da Baixada e lutaremos para nos manter na Série A do brasileirão. Seria uma meta possível a exigir um planejamento possível e o empenho de 20.000 sócios-furacão. Fosse essa a proposta, colocada assim, às claras, sem ilusões, olhos nos olhos, o povão tinha esgotado os 20.000 pacotes com a força de quem vai atrás de um sonho bom e possível de ser realizado.

Mas as coisas não têm sido suficientemente claras na vida do Atlético. Prometem o título estadual: a gente acredita e sonha, mas daí negociam os melhores atletas no meio do certame e o sonho vai embora. Pior: o sonho vira realidade na sala de troféus do arqui-rival. Depois do golpe, abre no coração da gente um buraco, dá um vazio e uma tristeza que a gente só supera porque o Amor ao Atlético é sempre maior.

Daí prometem o título da Copa do Brasil: a gente acredita e sonha, e daí perdem a vaga, em casa, e o sonho vai embora. Pior: o sonho vai na bagagem do Corinthians-AL, um time até então desconhecido, um time cuja estrutura é inferior a do J. Malucelli, caçula do futebol do Paraná. O sonho da Copa do Brasil já tinha ido embora na bagagem do Volta Redonda-RJ. Depois do golpe, abre no coração da gente um buraco, dá um vazio e uma tristeza que a gente só supera porque o Amor ao Atlético supera tudo.

Daí prometem o bi-brasileiro e vaga na Libertadores: a gente acredita e sonha, porque é o Atlético, mas chega um ponto que a gente percebe que é promessa demais pra time de menos. Depois do golpe, abre no coração da gente um buraco, dá um vazio e uma tristeza que a gente só supera porque o Atlético é o nosso Amor.

2º Os homens que constroem Estádios & CTs, criam Marcas & Patentes, assinam Contratos & Distratos não sabem, necessariamente, fazer futebol:

Consigno aqui minha profunda gratidão por tudo o que fizeram e fazem os Homens que conduzem o Atlético, notadamente a partir de abril/maio/1995. Homens com agá maiúsculo, em face de seus atos, Homens capitaneados pelo eterno Presidente Mário Celso Petraglia, de quem sou fã, mesmo imaginando que a recíproca não é verdadeira diante das críticas que faço.

Entretanto, preciso consignar, também, que o sucesso obtido por vocês dentro e fora de campo, entre 95 e 2001, já não acontece dentro de campo, principalmente se lançarmos luzes sobre o sofrido período iniciado em janeiro de 2006, com Lothar Matthäus, e que se estende até a presente data.

Para se fazer futebol, é preciso ter “olho-clínico” e “olho-clínico” é um dom raríssimo, assim como são raros os tinos comerciais e empresariais, os dons artísticos, literários, etc. Em suma: na vida é preciso que cada macaco esteja no seu galho e se eu tivesse o poder de dispor cada um de nós, macacos Atleticanos, em seus respectivos galhos, a árvore ficaria assim:

• Comissão de Obras, Presidente Mário Celso Petraglia;
• Presidência, Presidente Fleury;
• Marketing, Mauro Holzmann;
• Comunicação Social, Luciana Pombo e Carneiro Neto, pois a vontade e o ímpeto dela seriam temperados pela experiência dele (e experiência é algo que não se pode desprezar);
• Departamento de Futebol – a alma de um Clube de Futebol, sua essência, sua usina, sua razão de existir - Ah, Senhores, aqui cabem tantos nomes! Ah, Senhores, aqui se encontra o grande vácuo! Ah, Senhores, eis aqui o grande buraco a nos exigir esforços imensos e inadiáveis.

No Departamento de Futebol é preciso ter “olho-clínico”, dom raro, mas que já se fez presente na Baixada tantas vezes, pois ao “olho-clínico” devemos a montagem de tantos times Campeões, desde 1995. Entre abril/maio/1995 e dezembro/2001 muitos “olhos-clínicos” lançaram seus olhares sobre o gramado da Baixada, do CT do Caju e sobre outros gramados e CTs dentro e fora do Brasil, sempre em prol do futebol do Atlético.

“Olhos-clínicos” reconheceram talentos prontos para explodir e os indicaram para o Atlético. Aos “olhos-clínicos” devemos a prospecção de jogadores que nos encheram de glórias. Mas, hoje, em que direção olham os “olhos-clínicos” que nos trouxeram: Oséas, Alberto, Nowak, Gustavo, Adriano, Kelly, Cocito, Kleber Pereira, Alex Mineiro, Kleberson, Fernandinho, Jádson, Washington, dentre outros tantos craques?

Sem os “Olhos-clínicos”, entendidos aqui como pessoas que sabem fazer futebol, nós, Atleticanos, vamos fazer de tudo nesta vida: Estádios, CTs, Contratos, Distratos, Licenciamentos e até Copa do Mundo, mas não vamos fazer Futebol, que é a nossa essência e nossa verdadeira razão de existir.

Ah, e antes que eu me esqueça, é preciso que eu cite, nem que seja a título de ilustração, algumas pessoas que souberam fazer futebol: Ênio Andrade – sabia tanto de bola que fez um time prá lá de limitadíssimo ser Campeão do Brasil; Rubens Minelli, fundou a Escola Gaúcha, hoje esquecida, pois o que era força deu lugar à deslealdade mais descarada, Minelli que esteve, ativamente, conosco no título de 1998; Cláudio Coutinho, técnico responsável pelo melhor Flamengo de todos os tempos e que se não tivesse morrido prematuramente teria sido melhor do que os lendários Telê Santana e Marinus "Rinus" Jacobus Hendricus Michels, que dispensam, por óbvio, qualquer apresentação.

E por que não citar: Geraldo Damasceno, Antônio Carletto Sobrinho, Samir Haidar, Valmor Zimmermann, Marcus Coelho e outros tantos Atleticanos que se fizeram presentes entre 1995 e 2001?

Destarte, Senhores, é preciso botar a mão na massa, reformar a casa, trazer gente que sabe fazer futebol, trazer jogadores que sabem jogar futebol, assumir as responsabilidades que são nossas e botar cada macaco no seu respectivo galho, sob pena de termos de ler nas manchetes: “Roberto Fernandes não é mais o técnico do Atlético”; “Atlético conversa com Geninho; Cerezo é cogitado”; “Tite é o novo treinador do Furacão!” ou, que Deus nos livre: “Atlético joga última cartada para permanecer na Série A”.

P.S.: "Olho-clínico" é a capacidade que certas pessoas têm de separar, na vida, o joio do trigo e, no futebol, o craque do cabeça-de-bagre.


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