Rafael Lemos

Rafael Fonseca Lemos, 49 anos, é atleticano. Quando bebê, a primeira palavra que pronunciou foi Atlético, para desapontamento de sua mãe, que, talvez por isso, tenha virado coxa-branca. Advogado e amante da Língua Portuguesa, fez do Atlético sua lei e do atleticanismo sua cartilha. Foi colunista da Furacao.com de 2007 a 2009.

 

 

No meio do caminho, tinha uma pedra

10/07/2008


"No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra".

(Carlos Drummond de Andrade, in Alguma Poesia, Editora Pindorama, 1930).

"No meio do caminho" é o que se pode chamar de poema-escândalo. Publicado pela primeira vez na modernista Revista de Antropofagia, em 1928, deflagrou uma saraivada de críticas na imprensa.

Violentos, irônicos, corrosivos, os críticos simplesmente desancavam o autor dos versos e diziam, em suma, que aquilo não era poesia e que, por extensão, Drummond não era poeta. Reacionários e gramatiqueiros, eles se sentiam provocados pelas repetições do poema e pelo "tinha uma pedra" em lugar de "havia uma pedra".

Em 1967, para marcar os 40 anos do poema, Drummond reuniu o extenso material publicado sobre ele no volume “Uma Pedra no Meio do Caminho - Biografia de um Poema” (Editora do Autor).

Vale aqui refletir e questionar. Existiam milhares de poemas modernistas que a crítica conservadora achava ruins ou desqualificava como literatura. Por que, então, detonaram todas as suas baterias contra a pedra no caminho? Seria talvez pelo fato de que Drummond — o mais completo dentre os modernista — pôs realmente o dedo na ferida e incomodava mais?

A resposta me parece óbvia: Drummond era o novo em meio a tudo aquilo que era antigo. Drummond era o novo e era bom demais em meio a tudo aquilo que era antigo e que nem era tão bom assim.

Drummond passou a ser uma ameaça real aos poetas que (apenas) sobreviviam por conta de uma fama que, em verdade, não mais se justificava. Como era de se esperar, Drummond sofreu as piores críticas, as humilhações mais doloridas e as condenações mais imerecidas. Novidade nenhuma: todo mundo que é bom demais incomoda e recebe críticas. Drummond sabia muito bem que o Mundo funcionava assim, mas acusou os golpes ao escrever:

“O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.
Entrou a tomar porres
Violentos, diários.
E a desleixar os versos
Se já não tinha discípulos
Se só os outros poetas eram imitados”.

Como ser humano, Drummond se fragilizou, endureceu seus versos e protestou – afinal ninguém gosta de ser o alvo sistemático das críticas, afinal todo mundo tem um coração e ninguém é de ferro a ponto de receber toda sorte de pancadas sem demonstrar sinal de dor. Mas percebendo que a melhor atitude seria o absoluto desprezo, Drummond consignou, em versos, uma auto-absolvição:

“Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou” – e aí tratou de virar a página e noutras páginas escreveu sua Obra, muito mais importante do que os críticos que o atacavam, muito mais contundente do que as críticas que lhe opuseram.

Drummond virou a página e deu aos seus perseguidores/detratores/invejosos a desatenção, o desprezo e a indiferença que eles bem mereciam, ao seguir a velha máxima popular que orienta: “quem não sabe virar a página não merece ler o livro”.

A exemplo do que fez Drummond, parece-me que o Atlético e nós, Atleticanos, devemos aprender a virar algumas páginas, para merecermos ler o livro da vida e, sobretudo, para continuarmos a escrever nossa vitoriosa História noutras páginas, em páginas que estão por vir, sem voltarmos, a todo momento, às páginas tristes de um passado que não precisa ser resgatado.

O Atlético Paranaense renascido das cinzas a partir daquele maio de 1995 passou a ser o novo em um cenário futebolístico antiquado, feito de Clubes que apenas sobreviviam por conta de glórias pretéritas sem nem sequer terem estrutura que suportasse tanta História.

Quando o Furacão se mostrou forte ao Brasil, no campeonato nacional de 1996, deflagrou contra si - por todos os cantos, inclusive aqui em Curitiba - uma saraivada de críticas. O Atlético passou a ser um time “arrogante, corrupto, abusado, irreverente, desonesto, metido a besta e intruso” - ou talvez fosse mesmo uma pedra no meio do caminho. Mas por que criticavam justamente o Clube Atlético Paranaense?

A resposta me parece óbvia: o Atlético - àquela época - era o novo em meio a tudo aquilo que era antigo. O Atlético era o novo e era bom demais em meio a tudo aquilo que era antigo e que nem era tão bom assim. O Atlético – time paranaense, fora do Eixão SP-RJ-MG-RS - passou a ser uma ameaça real aos Clubes que, a duras penas - apenas sobreviviam por conta de uma fama que, em verdade, não mais se justificava.

Como era de se esperar, o Atlético sofreu as piores críticas, as humilhações mais doloridas, as condenações mais imerecidas e toda sorte de manobras contra seus direitos e interesses. Novidade nenhuma: todo mundo que é bom demais incomoda e recebe críticas/retaliações/perseguições.

O Atlético – e quando escrevo Atlético incluo todos nós, Atleticanos - sabia muito bem que o Mundo funcionava assim, mas acusou os golpes em textos de protesto que, diariamente, eram publicados neste site e noutros tantos espaços destinados à opinião da gente Rubro-Negra.

Quantos de nós não vociferamos contra o STJD por ocasião daquele absurdo julgamento em 1997? Quantos de nós não protestamos quando nos tiraram o direito de jogar na Arena na reta final do brasileirão de 2004? Quantos de nós não publicamos textos ácidos contra a diretoria são-paulina por conta da recusa de jogar na Arena a primeira partida decisiva da Libertadores de 2005?

Como seres humanos, fragilizamo-nos, endurecemos nosso discurso e protestamos – afinal ninguém gosta de ser o alvo sistemático das críticas, todo mundo tem um coração e ninguém é de ferro a ponto de receber toda sorte de pancadas sem demonstrar sinal de dor. Mas é preciso que percebamos que a melhor resposta a tudo isso deve ser nosso absoluto desprezo.

“Quem não sabe virar a página não merece ler o livro” e a exemplo do que fez Drummond, parece-me que nós, Atleticanos, precisamos virar, definitivamente, algumas páginas, para merecermos ler o livro da vida e, sobretudo, para continuarmos a escrever nossa vitoriosa História nas páginas, ainda em branco, que estão por vir, sem voltarmos, a todo momento, às páginas tristes de um passado que não deve ser resgatado.

Laranjeiras, novembro de 1996; STJD, 1997; Erechim, 2004; Libertadores, 2005; Matthäus, 2006; Batalha do Olímpico, 2007: nada disso é importante; nada disso pode nos servir de inspiração para escrevermos nosso presente, nosso futuro e nossa História. Precisamos olhar para frente, com firmeza, sem rancores, sem mágoas, com sede de vitórias, e não com sede de vingança.

Quando o Furacão inaugurou a Arena da Baixada, em junho de 99, ela passou a ser o sonho de consumo de todo “time grande”. A cobiça era tanta que todo “time grande” passou a prometer para a torcida uma Arena “como a do Atlético Paranaense”, porém, até hoje, o único time que é dono de uma Arena é o Atlético, os demais são donos de projetos que dificilmente sairão do papel. Isso incomoda!

Quando conquistamos o topo do futebol brasileiro ao erguer a taça do campeonato nacional de 2001, deflagramos contra nós - por todos os cantos, principalmente aqui em Curitiba - uma inveja danada. O Atlético passou a enfrentar, de igual para igual, os times do Eixão. Isso incomoda!

Passamos a ser uma pedra no meio do caminho, viramos alvo de críticas, como era de se esperar, pois firmamo-nos como ameaça real aos Clubes que, a duras penas, apenas sobrevivem por conta de uma fama que, em verdade, não mais se justifica.

Laranjeiras, novembro de 1996; STJD, 1997; Erechim, 2004; Libertadores, 2005; Matthäus, 2006; Batalha do Olímpico, 2007: nada disso é importante.

Precisamos, sim, olhar para frente, com sede de vitórias, e não com sede de vingança. Se acaso nos voltarmos para páginas do passado, que nelas estejam registradas nossas glórias – inspiração eterna – e que não nos detenhamos mais nos borrões deixados por maus adversários que, esquecidos dos bons princípios do esporte, agiram como pichadores, e não como homens; agiram como vândalos, e não como atletas.

Laranjeiras, novembro de 1996; STJD, 1997; Erechim, 2004; Libertadores, 2005; Matthäus, 2006; Batalha do Olímpico, 2007: apenas pedras no meio do caminho e que sobre elas coloquemos uma pedra e uma pá de cal, de uma vez por todas.


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